Em certas circunstâncias, ter uma superstição pode até ser benéfico para a pessoa

 

Por Eduardo Araia

 

Observe atletas de esportes coletivos como futebol, vôlei ou basquete antes de entrarem no campo de jogo: é quase certo que pelo menos um deles vai fazer questão de colocar primeiro o pé direito dentro das quatro linhas. O gesto, que concretiza a expressão “entrar com o pé direito”, supostamente vai garantir ao esportista que nada de ruim lhe acontecerá na disputa.

Muitas outras crenças como essa, destinadas a afastar o azar e/ou a trazer sorte, estão espalhadas pelo mundo. São as superstições, algumas delas bastante populares: quem não ouviu falar, por exemplo, de bater na madeira, evitar gatos pretos e passar por baixo de escadas?

Manifestações de uma relação equivocada de causa e efeito, as superstições nasceram quando o homem ganhou a capacidade de discernimento e, ao longo da história, não pouparam ninguém: negros, brancos, amarelos, ricos, pobres, Primeiro ou Terceiro Mundo, praticamente não há segmento que escape delas.

O tema atraiu o interesse do biólogo evolucionista Kevin Foster, da Universidade Harvard (EUA), e de sua colega Hanna Kokko, da Universidade de Helsinque (Finlândia), responsáveis por uma pesquisa a qual descreve como o comportamento supersticioso pode se desenvolver. Entre suas conclusões, uma surpresa para os mais céticos: em certas circunstâncias, a superstição é benéfica.

“Num mundo de incertezas, você tem de escolher se acredita ou não acredita”, afirma Foster. Segundo a definição usada por ele e Hanna, superstição é acreditar que uma coisa causou outra, mesmo se não há evidência para isso. “Portanto, se seu horóscopo diz que os planetas estão no alinhamento correto para novas revelações e seu parceiro conseguiu uma promoção, você tenderá a acreditar no astrólogo que escreveu aquelas previsões”, afirma o biólogo – que, cartesianamente, encaixou a astrologia (e também as medicinas alternativas) no rol de superstições.

 

Custos maiores e menores

Para sua pesquisa, Foster e Hanna aplicaram a linguagem matemática a um contexto biológico. Interessava-lhes determinar exatamente quando alguma dessas falsas conexões traria prejuízo à pessoa. A conclusão dos cientistas foi que, enquanto o custo de acreditar numa superstição for menor do que o de perder uma associação verdadeira, a crença supersticiosa vai vencer.

Tal gesto tem muito a ver com o instinto de sobrevivência, explica Foster: “Todos os animais apresentam comportamentos os quais implicam uma relação causal que não está lá.”

Os pombos servem de exemplo: voam para longe a um bater de palmas, mas têm condições de diferenciar esse ruído do de um tiro de espingarda, que de fato poderia matá-los. Mesmo assim, eles preferem fugir – é melhor ficar a salvo do que gastar tempo tratando de feridas depois.

Foster transpôs essa ideia para o exemplo de um humano pré-histórico em meio ao capim alto, de onde em certo momento ouve-se um farfalhar. As explicações instantâneas do nosso antepassado para a ocorrência seriam um grupo de leões à espreita ou o vento soprando.

As chances de que a segunda possibilidade fosse a correta seriam, em princípio, bem maiores – mas, “se um grupo de leões está vindo, há um enorme benefício em não estar por perto”, observa o biólogo.

Daí a associar o farfalhar da relva a um apelo por segurança urgente não custaria muito. (Elementos adicionais no quadro, como uma lua cheia ou nuvens baixas no céu, reforçariam ainda mais a montagem da superstição.)

Como consequência natural dessa atitude, os humanos que fugiam quando a grama alta farfalhava tinham mais chance de sobreviver e passar seus genes adiante – o que abre, inclusive, a possibilidade de que exista um gene ligado à superstição.

 

Preservação maior

“Ser supersticioso faz sentido num mundo de incertezas”, observa Foster. As espécies que são supersticiosas – reagindo como se houvesse um predador à espreita quando aquele predador está extinto, digamos – tendem a se preservar mais do que as que não são tão cautelosas.

Esse processo ancestral, que exige respostas imediatas a aparentes ameaças, não chegou a ser abolido no homem por suas conquistas evolutivas. “Nossa análise sugere que os efeitos culturais são modelados por uma tendência desenvolvida de associar eventos rapidamente, tão rapidamente que os indivíduos freqüentemente cometem erros supersticiosos”, comenta o biólogo.

De acordo com Foster, porém, esse procedimento tende a se tornar cada vez mais racional com o passar do tempo, pois “acreditar em coisas a respeito das quais não temos evidência científica é menos benéfico do que costumava ser antes”.

Ao avaliar as ideias apresentadas por Foster e Hanna, Bruce Hood, psicólogo experimental da Universidade de Bristol (Grã-Bretanha) e autor do livro “SuperSense: Why We Believe the Unbelievable” (SuperSentido: Por Que Acreditamos no Inacreditável), de 2009, lamentou a definição “estreita” de superstição adotada pela dupla e a ausência de observações sobre a psicologia da crença supersticiosa – além, é claro, das especulações sobre a existência de um gene da superstição.

“Os humanos nascem com cérebros desenhados para extrair sentido do mundo, e isso algumas vezes leva a crenças que vão além de qualquer explicação natural”, afirmou Hood ao jornal inglês “The Independent”.

 

Ciência e dogma

Outra crítica, feita pelo biólogo evolucionista Wolfgang Forstmeier, do Instituto de Ornitologia Max Planck, em Starnberg (Alemanha), aborda um ângulo inesperado da questão. Ouvido pela revista científica inglesa “New Scientist”, Forstmeier disse que, por frequentemente ligar causa e efeito de maneira falsa, a ciência não passa de uma forma dogmática de superstição.

“Você tem de escolher entre ser supersticioso e ser ignorante”, afirma Forstmeier. Ao ignorarem evidências consistentes as quais vão de encontro a ideias que cultivam há vários anos, “muitos cientistas tendem a ser ignorantes com grande frequência”, critica o biólogo.

Nesse sentido, Hood faz uma advertência a ser constantemente observada: “O que é magia hoje pode se tornar ciência amanhã.”