Observe atletas de esportes coletivos como futebol, vôlei ou basquete antes de entrarem no campo de jogo: é quase certo que pelo menos um deles vai fazer questão de colocar primeiro o pé direito dentro das quatro linhas. O gesto, que concretiza a expressão “entrar com o pé direito”, supostamente vai garantir ao esportista que nada de ruim lhe acontecerá na disputa.

Muitas outras crenças como essa, destinadas a afastar o azar e/ou a trazer sorte, estão espalhadas pelo mundo. São as superstições, algumas delas bastante populares: quem não ouviu falar, por exemplo, de bater na madeira, evitar gatos pretos e não passar por baixo de escadas?

Manifestações de uma relação equivocada de causa e efeito, as superstições nasceram quando o homem ganhou a capacidade de discernimento e, ao longo da história, não pouparam ninguém: negros, brancos, amarelos, ricos, pobres, Primeiro ou Terceiro Mundo, praticamente não há segmento que escape delas. O tema atraiu o interesse do biólogo evolucionista Kevin Foster, da Universidade Harvard, e de sua colega Hanna Kokko, da Universidade de Helsinque (Finlândia), que divulgaram uma pesquisa sobre como o comportamento supersticioso pode se desenvolver. Entre suas conclusões, uma surpresa para os mais céticos: em certas circunstâncias, a superstição é benéfica.

Escolha em meio a incertezas

“Num mundo de incertezas, você tem de escolher se acredita ou não acredita”, afirma Foster. Segundo a definição usada por ele e Hanna, superstição é acreditar que uma coisa causou outra, mesmo se não há evidência para isso. “Portanto, se seu horóscopo diz que os planetas estão no alinhamento correto para novas revelações e seu parceiro conseguiu uma promoção, você tenderá a acreditar no astrólogo que escreveu aquelas previsões”, afirma o biólogo – que, cartesianamente, encaixou a astrologia (e também as medicinas alternativas) no rol de superstições.

Para sua pesquisa, Foster e Hanna aplicaram a linguagem matemática a um contexto biológico. Interessava-lhes determinar exatamente quando alguma dessas falsas conexões traria prejuízo à pessoa. A conclusão dos cientistas foi que, enquanto o custo de acreditar numa superstição for menor do que o de perder uma associação verdadeira, a crença supersticiosa vai vencer.

Tal gesto tem muito a ver com o instinto de sobrevivência, explica Foster: “Todos os animais apresentam comportamentos os quais implicam uma relação causal que não está lá.” Os pombos servem de exemplo: voam para longe a um bater de palmas, mas têm condições de diferenciar esse ruído do de um tiro de espingarda, que de fato poderia matá-los. Mesmo assim, eles preferem fugir – é melhor ficar a salvo do que gastar tempo tratando de feridas depois.

Processo ancestral

Foster transpôs essa ideia para o exemplo de um humano pré-histórico em meio ao capim alto, de onde em certo momento ouve-se um farfalhar. As explicações instantâneas do nosso antepassado para o fato seriam um grupo de leões à espreita ou o vento soprando. A segunda hipótese teria chances muito maiores de ser a correta – mas, “se um grupo de leões está vindo, há um enorme benefício em não estar por perto”, observa o biólogo. Daí a associar o farfalhar da relva a um apelo por segurança urgente não custaria muito. (Elementos adicionais no quadro, como uma lua cheia ou nuvens baixas no céu, reforçariam ainda mais a montagem da superstição.) Como consequência natural dessa atitude, os humanos que fugiam quando a grama alta farfalhava tinham mais chance de sobreviver e passar seus genes adiante – o que abre, inclusive, a possibilidade de que exista um gene ligado à superstição.

“Ser supersticioso faz sentido num mundo de incertezas”, observa Foster. As espécies supersticiosas – reagindo como se houvesse um predador à espreita quando aquele predador está extinto, digamos – tendem a se preservar mais do que as que não tão cautelosas. Esse processo ancestral, que exige respostas imediatas a aparentes ameaças, não chegou a ser abolido no homem por suas conquistas evolutivas. “Nossa análise sugere que os efeitos culturais são modelados por uma tendência desenvolvida de associar eventos tão rapidamente que as pessoas frequentemente cometem erros supersticiosos”, comenta o biólogo. Para ele, porém, esse procedimento tende a se tornar cada vez mais racional com o passar do tempo, pois “acreditar em coisas a respeito das quais não temos evidência científica é menos benéfico do que costumava ser antes”.

Definição estreita

Ao avaliar as ideias de Foster e Hanna, Bruce Hood, psicólogo experimental da Universidade de Bristol (Grã-Bretanha) e autor do livro SuperSense: Why We Believe the Unbelievable (SuperSentido: Por Que Acreditamos no Inacreditável), lançado em 2009, lamentou a definição “estreita” de superstição adotada pela dupla e a ausência de observações sobre a psicologia da crença supersticiosa – além, é claro, das especulações sobre a existência de um gene da superstição. “Os humanos nascem com cérebros desenhados para extrair sentido do mundo, e isso algumas vezes leva a crenças que vão além de qual quer explicação natural”, disse Hood ao jornal inglês The Independent.

Outra crítica, feita pelo biólogo evolucionista Wolfgang Forstmeier, do Instituto de Ornitologia Max Planck, na Alemanha, aborda um ângulo inesperado da questão. Ouvido pela revista científica inglesa New Scientist, Forstmeier afirmou que, por freqüentemente ligar causa e efeito de modo falso, a ciência não passa de uma forma dogmática de superstição. “Você tem de escolher entre ser supersticioso e ser ignorante”, diz. Ao ignorarem evidências consistentes contrárias a idéias que cultivam há vários anos, “muitos cientistas tendem a ser ignorantes com grande freqüência”, critica o biólogo. Nesse sentido, uma advertência de Hood deve ser constantemente lembrada: “O que é magia hoje pode se tornar ciência amanhã.”

Crenças e suas origens

Sexta-feira 13 – Duas lendas nórdicas estariam por trás da crença de que essa data é negativa. A primeira delas trata de um banquete para 12 convidados organizado no Valhala (morada celestial das divindades). Loki, espírito do mal e da discórdia, apareceu sem ser convidado e armou uma briga na qual Balder, filho do deus supremo, Odin, veio a falecer. Com isso, o número 13 ficou marcado como símbolo do azar.

A outra lenda está ligada a Friga, deusa do amor e da fertilidade, esposa de Odin e mãe de Balder, cujo nome originou as palavras friadagr e Friday (“sexta-feira” em norueguês e inglês, respectivamente). No processo de conversão dos povos nórdicos ao cristianismo, Friga foi transformada em uma bruxa que se exilou no alto de uma montanha. Querendo vingança, ela passou a se reunir todas as sextas-feiras com outras 11 feiticeiras, além do próprio Satanás – num total de 13 participantes –, para lançar pragas sobre a humanidade.

Pé de coelho – Presente no folclore afro-americano, o pé de coelho traria sorte porque, na verdade, corresponderia ao pé de uma bruxa transformada nesse animal. Pela crença, a pata tinha de ser a esquerda traseira de um coelho baleado ou capturado num cemitério.

Escada – A escada representa a elevação, a ascensão social, e quem passa por baixo dela simbolicamente renuncia ao sucesso.

Gato preto – O medo de gatos pretos surgiu na Idade Média, quando os hábitos noturnos desses animais levaram alguns a imaginar que eles tinham um pacto com o demônio. Os pêlos negros eram relacionados às trevas.

Bater na madeira – Para os pagãos, as árvores eram moradas dos deuses. Povos como os celtas batiam nos troncos para chamar o poder divino e afastar maus espíritos.

Entrar com o pé direito – Na época do Império Romano, os sacerdotes instruíam os convidados que fossem adentrar um salão a entrar com o pé direito a fim de evitar má sorte. Antes dos romanos, povos como os egípcios, os celtas e os gregos já viam o lado direito como positivo e associado a bons augúrios, em oposição ao esquerdo. (Já no Extremo Oriente, o lado esquerdo é considerado favorável.)

Osso da sorte – A crença de que a fúrcula da galinha traz sorte vem da Etrúria. Quando duas pessoas faziam um pedido e quebravam a fúrcula, quem ficava com a parte maior teria mais sorte.