Apavorado. Acorda apavorado. Primeiro o coração que dispara, depois o calor angustiante. Por um momento fica estático na cama: apavorado. E as bagas de suor lhe cobrem o corpo nu. Fizera a tal viagem muito rapidamente: os músculos da perna direita ainda latejam: esforço de manter o pedal do acelerador embaixo por 18 horas consecutivas. E a perna doía, ritmadamente acompanhando a circulação venosa. Parece incapaz de mover a cabeça, e a mão direita ficara dormente, mal disposta por trás das costas encharcadas.

Quis se libertar do mal-estar que experimentava e colocou a mão direita em sentido paralelo ao do corpo: formiga dolorosamente. Parei uma só vez na estrada: para andar um pouco. Bati o recorde Brasília-Rio. Estou suando, esqueci a janela aberta. Sonhei? Pesadelo: estava no quintal em casa de dona Carolina, já noite feita. A coisa aproxima-se, pula que nem sapo, e cresce fofa, o lado esquerdo contraído, e o corpo inteiro se contorce naquela direção.

Os cabelos arrepiados rebrilhavam: cada fio se agita autonomamente. O fogo verdáceo jorra das narinas e dum corte na face direita e desesperadamente ele se cola ao muro para fugir à coisa que escancara a boca – meu filho – estirando as garras afiladas. Agora já acordei e posso até mexer os dedos – olha só – e o coração está sereno, seu: apanho o Minister na mesinha de cabeceira, vou até o banheiro e depois bebo água. E movimenta laboriosamente o corpo renascente para a esquerda onde se encontra a mesinha de cabeceira. E, bruscamente, no que ele se vira, a coisa irrompe do chão.

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Ary Quintella (1933-1999) foi jornalista, diplomata, escritor e conferencista. Entre suas obras estão Combati o Bom Combate (1971), Retrospectiva: Contos, Ensaios, Crônicas? (1973), Sandra, Sandrinha ou Câmara Lenta: Zum! – Uma Tragédia Carioca (1977) e Titina (1982). O texto aqui reproduzido foi publicado no caderno especial “Contos Fantásticos Brasileiros”, em PLANETA 27, de novembro de 1974.