A Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945, obrigou a Fifa (Fédération Internationale de Football Association), entidade máxima do futebol mundial, a cancelar o campeonato na década de 1940. Com o fim do conflito e a Europa destruída, a América do Sul surgiu como única sede para o torneio. Em 1946, o Brasil apresentou seu projeto para sediar o evento, com a condição de realizá-lo em 1950, e foi escolhido. Era o início de um sonhoapaixonado que ruiria com o apito final na partida decisiva contra o Uruguai.

Àquela época, Getúlio Vargas havia sido destituído do poder pelos militares, mas o ideal nacionalista ainda repercutia no imaginário brasileiro. O país, ainda agrário, vivia um processo crescente de industrialização e urbanização. O progresso era acompanhado por um sentimento geral de otimismo e de ufanismo, retratado em crônicas do escritor José Lins do Rego, membro do comitê organizador da Copa. “Ele salientava muito a construção do estádio do Maracanã como uma demonstração da capacidade do empenho e do trabalho do povo brasileiro. Dizia que poderíamos, com o mesmo esforço, nos modernizar e construir novas obras de infraestrutura”, explica Fátima Antunes, socióloga da USP autora da tese Com brasileiro, não há quem possa: crônicas de futebol e identidade nacional.

Para demonstrar seu potencial, o governo projetou o Maracanã para ser nada menos do que o maior estádio do mundo, para 200 mil pessoas. O estádio foi construído em tempo recorde, dois anos, fato celebrado pela imprensa e pelo Estado, o que aumentava a euforia para a Copa. Lins do Rego enalteceu o feito, dizendo que nossa eficiência havia impressionado a delegação inglesa em visita ao Brasil. “Ele deve ter carregado um pouco nas tintas, porque na inauguração do Maracanã ainda havia cimento fresco”, conta Fátima. As obras só foram concluídas um mês antes do torneio, e em alguns jogos ainda se viam restos de madeira, pregos e outras sobras da construção.

Nada diminuía a empolgação da torcida e da equipe brasileira, que ganhou fácil da maioria de seus adversários e liderou o torneio desde o início. O Brasil chegou à final precisando apenas de um empate contra o Uruguai. O adversário vinha de uma campanha mediana, mas já fora campeão mundial e tinha jogadores experientes, como o capitão Obdulio Varela.

O jogo decisivo aconteceu no dia 16 de julho, domingo de sol, em um Maracanã com o maior público da história do futebol. Na torcida estava o jovem Zagallo (futuro campeão do mundo), então com 19 anos, naquele tempo oficial da polícia do Exército, mas já nos juniores do Flamengo. “A entrada da seleção brasileira diante de 200 mil torcedores, todo mundo com lencinho branco nas mãos, foi um espetáculo fora de série”, lembra Zagallo. Jornais e autoridades antecipavam o resultado em manchetes, fotos e pronunciamentos, saudando antecipadamente os jogadores brasileiros como campeões.

Os relatos da partida divergem, mas as estatísticas mostram que o Brasil atacou mais: foram 30 chutes a gol contra 16 dos uruguaios. Mas a vantagem não foi convertida em resultado no primeiro tempo, e quem não faz leva. Com dois minutos da etapa complementar, Friaça afinal abriu o marcador para a seleção brasileira. O empate do Uruguai, 19 minutos depois, ainda não tirava a taça do Brasil. Mas a presença de Obdulio Varela se impôs em campo e desestabilizou os brasileiros. De seus pés começou a jogada que terminou no gol do título, marcado por Ghiggia.

Em silêncio abismal, o estádio veio abaixo sobre o goleiro Barbosa, que contaria mais tarde ter desejado uma cratera sob os pés para desaparecer. Ele não se lembrava de ter voltado para casa naquele dia. Embora o gol fatal não tivesse sido um “frango”, Barbosa conviveu com a acusação de ter sido o responsável pela derrota até o fim da vida. Na verdade, todos no elenco canarinho carregaram o fardo.

A tristeza afetou até o algoz. Na noite do título, Obdulio Varela preferiu sair sozinho para beber na rua, em vez de celebrar com os uruguaios. Foi reconhecido por torcedores brasileiros e se juntou à choradeira. Anos depois, disse que, se pudesse voltar àquele jogo, marcaria um gol contra. Tanta comoção por uma partida pode soar bizarra, mas o mundo era bem mais ingênuo em 1950. E paixão é paixão.