Seres extraterrestres habitam há décadas as telas do cinema e as páginas dos romances de ficção científica. O tema parece não esgotar sua capacidade de excitar a imaginação de espectadores e leitores. Quando entramos no território objetivo da pesquisa científica, porém, vêse que nenhuma descoberta concreta a respeito da vida fora do nosso planeta foi até agora alcançada. Megaprojetos como o Seti (Search for Extraterrestrial Intelligence) tentam, desde 1960, estabelecer contato com inteligências alienígenas por meio de radiotelescópios gigantescos, como o de Arecibo, em Porto Rico, e outras aparelhagens. No entanto, nenhum sinal desses seres distantes foi até agora captado. A boa notícia é que, finalmente, cientistas decidiram focar seus telescópios no outro lado da equação: uma série de projetos e missões de alta tecnologia estão sendo desenhados não mais para ajudar os extraterrestres a nos encontrar, e sim para nos ajudar a encontrá-los. Ou seja, saímos da postura passiva tipo “por favor, olhem, estamos aqui” para uma postura mais ativa, tipo “não adianta se esconderem, nós vamos descobrir onde vocês estão”. Embora ainda em seus primeiríssimos passos, as evidências circunstanciais desse novo posicionamento sugerem fortemente a probabilidade de que não estamos sós no universo.

Em 1995, astrônomos suíços detectaram a posição do primeiro planeta extrassolar. Infelizmente, ele é uma gigantesca bola de gás. Sua órbita, muito perto do seu sol, o faz brilhar com calor e radiação suficientes para vaporizar em instantes qualquer homenzinho verde que se aventurar nas proximidades. Mas a descoberta provou definitivamente que planetas existiam fora do nosso aconchegante sistema solar. Poucos anos depois, “super-Terras” começaram a se revelar – menores, mais sólidas, a uma discreta distância das suas estrelas companheiras. Embora ainda sejam muito maiores e menos temperados do que o nosso, tais planetas levaram alguns astrônomos a estimar que talvez a metade dos cerca de 200 bilhões de sóis existentes na nossa galáxia, a Via Láctea, poderiam suportar mundos “terrestres”, parecidos com a Terra.

A descoberta de planetas extrassolares significa a descoberta de vida extraterrestre?

A busca de vida extraterrestre é um aspecto fascinante do trabalho do britânico Martin John Rees, barão de Ludlow. Atualmente, ele pesquisa a formação de estruturas cósmicas, especialmente a geração de estrelas e galáxias formadas relativamente pouco tempo após o Big Bang. Astrônomo real, presidente da Royal Society, mestre no Trinity College e professor de cosmologia e astrofísica na Universidade de Cambridge, Rees acredita que iremos brevemente responder à pergunta: “Existem outras formas de vida no universo?” Em entrevista a Cathy Nolan, da Unesco, Rees declarou:

“Talvez eles estejam lá. Não podemos dizer, pois não sabemos sequer como a vida começou na Terra; portanto, desconhecemos quão provável ela é. Além disso, mesmo que a vida seja um fenômeno comum pelo universo afora, não sabemos se ela sempre evolui para formas de vida complexas ou se encontraremos apenas planetas habitados por besouros, formigas e coisas do gênero.

“É estúpido criar convicções a respeito de coisas das quais não fazemos nenhuma ideia. Pode ser que sejamos a única vida presente na galáxia. Pode ser que haja muitos outros lugares onde ela se manifestou. De qualquer forma, trata-se de uma questão realmente importante, e provavelmente ela será respondida no decorrer deste século.

“A pergunta é relevante, mas eu não estimularia ninguém a dedicar-se a ela, porque essa tarefa pode se mostrar impossível. Se você é um cientista, acho que é melhor trabalhar em algo que certamente lhe trará algum progresso. É certo que descobriremos muitos e muitos outros planetas ao redor de outras estrelas, mas não será fácil verificar se existe vida neles. É certo que compreenderemos melhor o que são as galáxias e faremos melhores cálculos. Entenderemos muito mais o que aconteceu para provocar o surgimento da vida na Terra – e essa talvez será a descoberta principal. E, como um prêmio suplementar, poderemos ter verdadeiras surpresas!”

Descobrimos também que a água, ingrediente essencial para a vida, existe em toda parte no universo – a começar pelo próprio quintal do Sistema Solar.

Robôs detectaram canalizações muito recentes escavadas nas encostas de colinas de Marte – evidências de jorros de água subterrânea. Em junho, astrônomos observaram gêiseres de vapor d’água em Encélado, um dos satélites de Saturno. Até mesmo o apavorante Júpiter é candidato – ou pelo menos suas luas Ganimedes, Calisto e Europa. Esta última pode possuir oceanos maiores do que os nossos, escondidos sob sua crosta de gelo perpétuo.

Em sentido horário, a partir da esquerda, as luas jupiterianas Europa, Ganimedes e Calisto, candidatas a abrigar vida. Europa poderia abrigar oceanos maiores do que os da Terra. Na página ao lado, o gigantesco radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico.

À esquerda, Bill Borucki, um dos pesquisadores ligados ao projeto do telescópio Kepler. Abaixo, técnicos montam o aparelho, capaz de detectar novas “Terras”.

A questão agora é: quantos desses 100 bilhões de Terras potenciais poderão ter acumulado água e servido como berçário de vida, inteligente ou não? Chegamos agora ao telescópio espacial Kepler, uma nova e muito ambiciosa missão da Nasa. Lançado com a ajuda de um satélite em março, esse telescópio de US$ 600 milhões usa um sofisticado fotômetro para encarar as 100 mil estrelas localizadas numa região particularmente promissora da Via Láctea e, ao mesmo tempo, medir o tamanho e a órbita de todo planeta que passar em frente a elas. Quanto maior a sombra, maior o planeta; quanto maior a frequência de suas aparições, mais fechada será a sua órbita. A questão é isolar pela primeira vez mundos alienígenas orbitando estrelas alienígenas a distâncias nas quais as temperaturas são adequadas para a existência de água líquida e para a ocorrência de vida. “Essa missão é como a de Colombo”, diz o principal investigador, Bill Borucki. “Encontraremos planetas de tamanho próximo ao da Terra, planetas ‘terrestres’, situados na zona habitável do seu respectivo sistema estelar.”

Como se detectam os exoplanetas?

Em 1955, os astrônomos suíços Michel Mayor e Didier Queloz descobriram um objeto orbitando uma estrela que não era o nosso Sol. O primeiro planeta extrassolar localizado recebeu o nome de 51 Peg b – o. De repente, a busca de vida extraterrestre pareceu mais promissora. “Não tão rápido!”, advertiu Françoise Combes, astrônoma do Observatório de Paris e membro da Academia Francesa de Ciências. “Pode haver milhares de sistemas solares vizinhos ao Sol, mas isso não significa que podemos vê-los.” Françoise falou sobre o tema a Katerina Markelova, da Unesco.

“Se estivéssemos num objeto celeste distante, na nossa galáxia, nunca conseguiríamos detectar a Terra com o instrumental hoje disponível. Nossos instrumentos não são suficientemente sensíveis para ver pequenos planetas rochosos como o nosso. Dos cerca de 400 exoplanetas até agora descobertos, a maioria é constituída de ‘Júpiteres quentes’, grandes planetas gasosos que orbitam muito próximos de suas estrelas. O tempo que levam para perfazer uma órbita completa é, portanto, muito curto. Planetas muito distantes podem, por sua vez, levar centenas de anos para dar uma volta ao redor de suas estrelas. Várias vidas humanas seriam necessárias para vê-los. estrelas. Várias vidas humanas seriam necessárias para vê-los.

“Muitos métodos podem ser usados para achar exoplanetas. Há o do trânsito: quando passa diante da sua estrela, o planeta a obscurece ligeiramente. Cerca de 60 planetas foram descobertos assim até agora. Sete outros foram localizados pelo método gravitational lensing (“lente gravitacional”), no qual raios de luz de um sol são desviados pelo campo gravitacional de um corpo celeste de grande massa situado no mesmo eixo visual da estrela. Mas vários exoplanetas foram detectados via efeito Doppler, que permite medir a perturbação na velocidade da estrela quando seu planeta passa próximo a ela. Em 2006, o Centro Nacional Francês de Estudos Espaciais (CNES) pôs em órbita o telescópio Corot (sigla em inglês para Condutibilidade de calor, Rotação e Trânsitos Planetários) com a missão de achar exoplanetas similares à Terra. Em fevereiro, ele descobriu o que era, até então, o menor exoplaneta observado: Corot-Exo-7b. Seu diâmetro é cerca de 1,8 vez o da Terra, seu período de revolução é de 20 horas e sua temperatura varia entre 1.000°C e 1.500°C. Sua massa equivale a cinco vezes a da Terra, o que faz dele um objeto rochoso.

“A Agência Espacial Europeia (ESA) estuda a possibilidade de lançar o trio de telescópios espaciais Darwin, a ser usado sobretudo por exobiologistas, já que foi desenhado para detectar traços de água e oxigênio na atmosfera de exoplanetas.”

Chegamos à era dos telescópios gigantes

A luneta que o italiano Galileu Galilei apontou para o céu há cerca de quatro séculos media apenas alguns centímetros de diâmetro. Os modernos telescópios superam os dez metros. Quais descobertas eles nos reservam? De acordo com Jonathan P. Gardner, diretor de projetos da Nasa, a agência espacial norte-americana, o lançamento do telescópio espacial James Webb, previsto para 2013, pode anunciar uma fase inteiramente nova da pesquisa espacial. Victoria Kalinin, da Unesco, colheu um depoimento de Gardner.

“Apenas nos últimos 10 ou 20 anos, utilizando novos e grandes telescópios no solo e outros telescópios em órbita no espaço, fizemos um número enorme de descobertas que revolucionaram tudo o que sabíamos sobre o universo. Com as missões que estão chegando, como a do telescópio espacial James Webb, os próximos 10 ou 20 anos prometem ser tão ou mais empolgantes do que estes últimos. “Recentemente, uma dupla de planetas foi detectada por meio de imagem direta, o que é sensacional. A maior parte dos planetas extrassolares descobertos até agora é de grandalhões como Júpiter. Um planeta pequeno e rochoso como a Terra é muito mais difícil de ser detectado. Mas futuros telescópios serão capazes de encontrar planetas pequenos e de nos trazer muita informação sobre eles.

“O próximo grande passo será o telescópio espacial James Webb, o sucessor do Hubble. Depois do seu lançamento, em 2013, ele estudará as atmosferas de planetas rochosos em trânsito. O que os astrônomos realmente desejam é encontrar biomarcadores (indicadores que sinalizam a presença de vida), tais como o ozônio e o metano, na atmosfera de planetas ‘terrestres’ que sejam quentes o suficiente para conter água líquida em sua superfície. Isso seria uma boa indicação de que esses planetas possuem vida – bactérias, plantas, talvez animais. Ainda não sabemos se o telescópio James Webb poderá fazer isso. Vamos tentar.”

O conceito básico do telescópio Kepler não é novo. Borucki construiu seu primeiro fotômetro quando ainda estava no colégio; ele começou a pensar em como aplicar essa tecnologia na busca de vida extraterrestre logo depois de entrar para a Nasa, em 1962. No início dos anos 1980, ele começou a publicar trabalhos sobre fotometria e convenceu seus patrões a financiar uma missão fotométrica. O que eles responderam? Que isso era impossível. Imperturbável, a equipe de Borucki não se deixou desencorajar e continuou a desenvolver o projeto durante as duas décadas seguintes, inventando novas tecnologias, mostrando que poderiam alcançar a precisão necessária e insistindo na dotação de novos financiamentos. Finalmente, em 2001, a Nasa disse “sim”. Resultado: apenas dez dias após entrar em órbita, o telescópio Kepler provou ser sensível o bastante para detectar planetas do tipo da Terra. Por volta de 2013, diz Borucki, Kepler terá localizado “centenas ou até milhares” de mundos potencialmente habitáveis.

Ainda não se sabe aonde chegaremos a partir disso. Mas, considerando que as pessoas permanecem fascinadas pela ideia da descoberta de outras “Terras”, pode-se pensar desde já no lançamento de um telescópio capaz de escanear planetas auspiciosos em busca da presença de gás carbônico e ozônio, e a seguir inventar aparelhos ainda mais complexos capazes de investigar se essas atmosferas contêm isótopos de oxigênio necessários e suficientes para sustentar sistemas vivos como os que conhecemos. O passo final, diz Borucki, é “uma sonda capaz de viajar à velocidade da luz e chegar até um desses planetas, mandar imagens dele, ouvir suas rádios e estações de televisão, e nos proporcionar um melhor conhecimento desse novo planeta”.

Ainda estamos longe do mundo retratado na cinessérie Guerra nas Estrelas. Mas com tempo, interesse e financiamento suficientes, os cientistas acreditam que as possibilidades são ilimitadas.