Natural do interior do Alagoas, Pedro Walisson Rosalino Santos superou preconceito e encontrou na escola a base para perseguir o sonho de se tornar dançarino. E conseguiu uma bolsa para estudar dança na Suíça.Meu primeiro contato com a dança se deu logo cedo. Uma prima me levava para os ensaios da Fanfarra de Murici. Os movimentos acompanhando os instrumentos me encantaram desde pequeno. Apesar de achar interessante, eu não podia participar por conta da idade e por o grupo aceitar apenas meninas. Demoraria alguns anos até que eu tivesse a oportunidade de me apresentar como dançarino.

Saindo do interior de Murici, Alagoas, com apenas 9 anos de idade, passei a morar na capital, na cidade de Maceió, no bairro das Piabas. Aos 13 anos, comecei a estudar na Escola Estadual Miran Marroquim. Nesse tempo, uma nova gestão se fez presente na escola para resgatar os sonhos que existiam ali, e foi através dessas pessoas que minha vida começou a mudar.

A escola sempre foi minha segunda casa, nela eu me via como um representante de várias crianças com os mesmos sonhos e objetivos que os meus, o que fez com eu me sentisse no dever de conquistar o meu espaço como artista e morador de uma comunidade carente. Tive ajuda da minha diretora Lidiana durante esse tempo, e seus ensinamentos me fortaleceram para conquistar novas oportunidades na vida.

Superando obstáculos

Foram processos de muita adaptação, mudanças e de grandes construções. Passei por vários momentos de opressão, humilhação, preconceito, com vozes me dizendo que um moleque sonhador, negro e gay não teria capacidade de conquistar seu espaço no mundo como bailarino. Ouvi de familiares que a dança não me daria futuro, mas, mesmo sendo criticado, não parei de lutar.

A escola foi a minha principal base na dança. Foi em 2014 que tive minha primeira oportunidade artística, quando participei do show de talentos da escola com uma coreografia contemporânea. Alguns anos depois, conquistei uma bolsa para fazer parte da Academia Jeane Rocha de Dança, uma importante escola de dança da cidade. Consegui me manter na academia como aluno 100% bolsista, ficando sob minha responsabilidade o comprometimento de ser um aluno exemplar e 100% presente nas aulas durante o ano.

A minha maior dificuldade foi conseguir manter minhas passagens, o local onde se encontrava a academia era distante, e para chegar lá eu dependia do transporte. Mesmo sem ajuda, persisti e por muitas das vezes tive que ir andando. Se o aluno bolsista tivesse muita falta, poderia perder sua vaga, e toda essa responsabilidade me frustrava, pois precisava mostrar muita dedicação e vontade.

Com o espetáculo de final de ano se aproximando e as dificuldades aumentando, pensei diversas vezes em desistir, mas o que me manteve firme foi a minha fé e persistência, pois eu já estava vivenciando o início do meu maior sonho. Quando dancei no meu primeiro espetáculo, tive a chance de expressar todo o meu sacrifício para conseguir estar presente no palco. E essa oportunidade me trouxe grandes conquistas: no final do espetáculo fui o bailarino de destaque da noite.

Quebra de um tabu

Em 2018, tive o privilégio de fundar um grupo chamado Alpha, com dez alunos que estudavam na minha escola e eram moradores da comunidade. Conseguimos um espaço na escola para os ensaios. Éramos três meninos e sete meninas. A formação do grupo foi uma novidade na escola, e o que mais chamou atenção foi a participação dos meninos. Conseguimos quebrar esse tabu de que homem não faz balé. A dedicação que tivemos fez com que fôssemos levados mais a sério. Dançamos em várias escolas de municípios diferentes para incentivar novos alunos a fundarem grupos.

Com o tempo passamos a ter mais reconhecimento dos educadores, e surgiu a oportunidade de criar um dos meus primeiros trabalhos, o espetáculo Vidas Secas: uma força que nunca seca. Inspirado na obra de Graciliano Ramos, contava a história da nossa resistência, do quão forte nós somos diante de tanta miséria. Essa apresentação ocorreu no Encontro Estudantil de Dança de Alagoas, no qual conquistamos o 1° lugar na categoria Dança. Ficamos com a responsabilidade de mostrar a outros alunos que a arte é viva e que podemos mudar a história da nossa escola, bairro e quem não sabe do Brasil.

“Minha arte merece ser vista”

Recentemente, fui contemplado com uma bolsa para passar três meses em uma academia na Suíça. O intercâmbio deveria ter acontecido em 2021, mas devido à pandemia, foi adiado para este ano de 2022.

Ao contrário do que falavam, a dança me deu um futuro e me deu a oportunidade de ir para outro país para fazer o que amo. Apesar de todas as dificuldades e críticas, eu segui a minha paixão, e hoje já vejo resultados. Da fanfarra de Murici, passando pelo show de talentos da escola, para a Suíça.

Meu sonho é seguir como bailarino profissional no exterior e esse intercâmbio foi uma das minhas maiores conquistas. Estou batalhando para conseguir arrecadar o valor que preciso para me manter durante os três meses. Só eu e Deus sabemos o que é não ter nada e se sentir excluído. Porém os dias de luta têm me provado que sou capaz de conquistar o mundo.

Através da dança consigo expressar as minhas emoções, então permitam que eu dance. Minha arte merece ser vista.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Pedro Walisson Rosalino Santos, estudante de 21 anos de Alagoas. O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.