Está no artigo 225 da Constituição do Brasil: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.

Como se sabe, nem tudo o que está na Constituição é prática na vida dos cidadãos. Uma das mais graves conseqüências do desequilíbrio ambiental é o aquecimento global e, embora ele esteja no centro dos debates, a maioria das pessoas ainda desconsidera seus reais perigos. Falta- lhes não só dar a devida importância política ao tema como traduzir em gestos conscientes a necessidade de defender e preservar o planeta.

O potencial brasileiro de uso da ENERGIA SOLAR é enorme

Um gesto possível em termos de consumo consciente é o uso da energia solar. Ela pode gerar eletricidade basicamente de duas formas: via células fotovoltaicas, que aproveitam diretamente a luz solar, e via usinas térmicas, que aquecem um fluido como parte inicial do processo. Outro emprego, cada vez mais disseminado, é em sistemas de aquecimento de água, que absorvem a energia solar através de um coletor.

O professor Augustin Woelz, da SoSol, criou um aquecedor solar produzido com materiais baratos e pretende disseminar a tecnologia pelo Brasil.

O aquecedor solar é o único eletrodoméstico que produz energia, em vez de consumi-la. Com isso, a economia é certa: se, por exemplo, os quase 11 milhões de paulistanos tomassem banho usando aquecedor solar por um ano, a Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava) calcula que a cidade pouparia R$ 4,9 bilhões em energia – afora deixar de emitir 496 mil toneladas de CO2. A troca significaria mais saúde para as finanças e o ambiente.

A PRINCIPAL APLICAÇÃO da tecnologia termo-solar (dos aquecedores solares) é esquentar a água unicamente com a luz do sol. O sistema possui dois componentes básicos: o coletor e o reservatório térmico. O coletor é instalado sobre o telhado e absorve o calor, aquecendo a água que circula em seu interior. A água aquecida é armazenada no reservatório, cujo tamanho varia conforme a necessidade de consumo.

Os veículos movidos a energia solar ainda não têm aproveitamento comercial, mas a evolução tecnológica no setor pode alterar esse quadro no futuro.

O Brasil tem uma enorme capacidade de aproveitamento da energia solar: quase toda sua área recebe mais de 2.200 horas anuais de insolação, com potencial equivalente a 15 trilhões de megawatts-hora – o correspondente a 50 mil vezes o consumo nacional de eletricidade. Mesmo assim, aqui se investe pouco nessa fonte de energia. Grande parte das residências brasileiras é refém ou do chuveiro a gás, que colabora com o efeito estufa, ou do chuveiro elétrico – que, embora tenha baixo custo inicial e seja fácil de instalar, consome muita energia em sua vida útil.

O Brasil usa mais de 6% da eletricidade que gera para aquecer água em residências, e os chuveiros são os maiores responsáveis por esse consumo, o que representa um enorme problema econômico e ambiental: a cada chuveiro instalado com valor a partir de R$ 30,00 o setor elétrico brasileiro tem de investir entre R$ 2 mil e R$ 3 mil para fornecer a energia demandada.

Células fotovoltaicas, como as dispostas no teto desse barco, transformam a luz que vem do Sol diretamente em eletricidade.

Em nenhum outro país o emprego de chuveiros elétricos é tão disseminado como no Brasil. Segundo a Eletrobrás e o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), esses aparelhos estão hoje em cerca de 91% dos lares brasileiros. A tendência se ampliou nos anos 1970, com a crise do petróleo e o incentivo ao uso de aparelhos elétricos. Os grandes empreendimentos hidrelétricos daquela década (Itaipu, por exemplo) trouxeram excesso de energia elétrica no mercado e nenhuma preocupação quanto a consumo.

Fonte inesgotável

A cada ano, o Sol envia para a Terra uma quantidade de energia equivalente a mais de 10 mil vezes o consumo mundial registrado nesse período. Aproveitá-la em grande escala, porém, não é fácil: para tanto, são necessárias grandes superfícies de captação. Quem investe na área obtém uma energia limpa e permanente, que pode ser usada para aquecer e iluminar edifícios, fornecer água quente em residências, serviços, indústria e agropecuária, aquecer a água de piscinas e produzir energia elétrica. Tecnologias que concentram a radiação propiciam ainda a geração de eletricidade a partir de módulos fotovoltaicos.

Graças a coletores concentradores, calcula-se que a Terra terá um potencial de produção de 100 mil megawatts de energia solar até 2025. Essa meta pode ser facilitada em virtude dos avanços tecnológicos no setor, que têm reduzido constantemente os custos da eletricidade originada da energia solar. Entre os países que podem receber as centrais necessárias para se atingir esse objetivo estão Brasil, China, Tunísia, Libéria, Portugal, Itália e Grécia.

Essa distorção é incentivada por algumas determinações que precisam ser urgentemente revistas. Por exemplo, até 2007 as novas edificações tinham de preparar instalações elétricas para receber o chuveiro elétrico e deixar tubulações de espera para o uso de gás. Como resultado, os chuveiros elétricos foram produzidos em larga escala. Com a falta de investimentos no setor e o aumento da demanda, porém, mais cedo ou mais tarde essa solução tecnológica acarretaria problemas para o setor energético. Esse momento chegou – e, ao mesmo tempo, o aquecimento global exige respostas rápidas.

SEGUNDO CARLOS FARIA, diretor do Departamento de Aquecimento Solar da Abrava e coordenador da iniciativa Cidades Solares, os chuveiros elétricos respondem hoje pela construção e operação de 18% das usinas do Brasil (ou seja, cerca de 12.600 megawatts de potência) no horário de ponta, o de maior consumo. É nesse período que as termelétricas são acionadas para gerar a energia necessária ao nosso banho – e ajudam a poluir mais o ar.

Os aquecedores solares de água apresentam amplas vantagens ambientais, econômicas e sociais. Como substitui a hidreletricidade e os combustíveis fósseis, cada aquecedor solar instalado reduz substancialmente o dano ambiental associado às fontes de energia convencionais. Os aparelhos não emitem gases tóxicos ou causadores do efeito estufa nem geram lixo radiativo. Também apresentam vantagens sociais, como a redução da conta de energia elétrica e a criação de empregos por unidade de energia transformada – a produção anual de 1 milhão de m2 de coletores gera cerca de 30 mil empregos diretos descentralizados. Por fim, o aquecedor solar pode oferecer economia anual de energia entre 40% e 70% em qualquer região do Brasil.

O esforço para disseminar uma idéia

Um dos maiores defensores do emprego da energia solar no Brasil, o engenheiro eletrônico e professor Augustin Woelz preside a ONG Sociedade do Sol (SoSol), instalada no Cietec (Centro Incubador de Empresas Tecnológicas), da USP. Há mais de seis anos ele atua com o Aquecedor Solar de Baixo Custo (ASBC), projeto que permite construir um equipamento para aquecer água com energia solar usando materiais simples e baratos, encontrados em lojas de materiais para construção. Esse aquecedor foi patenteado pela SoSol, mas Woelz abriu mão da patente, visando à rápida divulgação da tecnologia no País. O objetivo é disseminar o uso da energia solar no aquecimento de água para cerca de 32 milhões de lares brasileiros. A SoSol também trabalha em outros projetos de cunho socioambiental, como forno solar e reúso da água do banho para descarga.

O uso da tecnologia solar é pensado como um sistema híbrido, ou seja, o aquecedor solar é sempre acompanhado de outra tecnologia – chuveiro elétrico ou aquecedor a gás. Um sistema de aquecimento solar bem dimensionado pode suprir mais de 70% da demanda de água quente durante o ano, enquanto os outros 30%, que representam dias nublados ou chuvosos, são supridos por uma tecnologia convencional.

Usar a luz solar para aquecer a água do banho pode poupar anualmente entre 40% e 70% da energia consumida no País.

Em países menos ensolarados que o nosso, os aquecedores solares são uma ótima alternativa para fornecer água quente a lares, estabelecimentos comerciais e de serviços. Alemanha e Áustria, os europeus líderes no seu uso, têm insolação bem menor do que qualquer região do Brasil e índices de difusão superiores aos nossos.

Segundo a Asociación de Promotores Construtores de España (APCE), quando integrado ao projeto inicial de uma construção, o aquecedor solar aumenta entre 0,5% e 1% o custo da obra, mas a economia que propicia paga seu preço em menos de três anos. Durante a vida útil do aparelho, cada pessoa deixará de gastar ao menos R$ 10 mil. E se os 185 milhões de brasileiros optassem por tomar banho com energia solar, fariam nesse período uma economia total de cerca de R$ 1,7 trilhão.

Com tantas vantagens assim, por que o uso dos aquecedores solares não é mais disseminado? Segundo Délcio Rodrigues, físico e pesquisador associado ao Instituto Vitae Civilis, uma das principais barreiras está na ausência de normas para se preparar uma infra-estrutura favorável à instalação desses aparelhos. Tais orientações, que deveriam integrar o código de obras municipais, poderiam criar novo hábito entre arquitetos, construtores e moradores. Outra barreira, lembra Rodrigues, é o desinteresse do setor elétrico: implementar programas de substituição do chuveiro por aquecedores solares implicaria perda de faturamento para as empresas da área.

Sanar essas dificuldades exige o envolvimento dos diferentes níveis de governo, de fabricantes, universidades, organizações não governamentais, com iniciativas que incluam programas educacionais e eventos para conscientização, assim como a atuação de agências financiadoras. Os bancos têm papel fundamental no desenvolvimento de tecnologias limpas, como é o caso do aquecedor solar, pois têm contato direto com os consumidores, representando forte canal de informação e de acessibilidade ao abrir financiamentos específicos.

Alguns passos nesse sentido têm sido dados. Instituída pela primeira vez em 1980, em Israel, a obrigatoriedade da instalação de aquecedores solares está se espalhando por outros países. Em algumas cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, já vigoram legislações específicas a esse respeito, e há projetos de lei tramitando em cerca de 60 municípios.

A LEI PAULISTANA, sancionada em julho de 2007, obriga casas e apartamentos com quatro ou mais banheiros (incluindo lavabos) a instalar aquecedores solares. Os edifícios governamentais, industriais, de clubes, hospitais e hotéis também estão incluídos na exigência, assim como as edificações, novas ou não, com piscina aquecida.

Dois aproveitamentos da energia solar: bolsa que recarrega aparelhos eletrônicos (acima) e painéis (no alto, o de Espenhain, Alemanha ).

Dada a importância de São Paulo no contexto brasileiro, a iniciativa merece aplausos – mas poderia ser bem melhor. Augustin Woelz, presidente da ONG Sociedade do Sol, observa que a lei paulistana não inclui as construções populares – um atraso em relação a Birigüi (SP), que desde 2006 tornou obrigatória a instalação de sistemas de aquecimento solar em conjuntos habitacionais voltados à população de baixa renda. “Para essas famílias, o uso de aquecedores solares pode ajudar tanto quanto o Bolsa Família do governo federal, já que permite economia mensal superior a R$ 50 durante 20 anos ao menos”, avalia Délcio Rodrigues. “Por isso, deveriam ser usados por todos os níveis de governo como medida de distribuição de renda.”

Bem ou mal, essas leis têm ajudado os aquecedores solares a, gradualmente, ganhar espaço no Brasil. Em 2006, eles estavam em mais de 600 mil residências; hoje, estão em cerca de 750 mil. Com isso, o Brasil está poupando quase R$ 1 bilhão em investimentos na geração de energia, segundo estudo apresentado por Carlos Faria.

“Inserindo oficialmente o aquecimento solar no planejamento energético federal, estadual e municipal, temos condições de economizar investimentos da ordem de R$ 40 bilhões até 2030, valores que poderiam ser utilizados em outras áreas prioritárias, como a própria habitação e a educação”, afirma Faria. Impecável em lógica e correção ambiental, esse raciocínio só precisa, para ser concretizado, de muito empenho – desde o consumidor individual até as instâncias mais altas dos governos.

PARA SABER MAIS

Délcio Rodrigues e Roberto Matajs, Um banho de sol para o Brasil. O que os aquecedores solares podem fazer pela sociedade e meio ambiente (em http://www.cidadessolares.org.br/cidadessolares/downloads.htm). Sites: Abrava – www.abrava.com.br; Cidades Solares – www.cidadessolares.org.br; SoSol – www. sociedadedosol.org.br; Vitae Civilis – www.vitaecivilis.org.br.