Os meteorologistas do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em Cachoeira Paulista (SP), finalizaram uma etapa importante do projeto que coloca o Brasil na vanguarda dos estudos climáticos na América do Sul. Pela primeira vez no continente, um instituto de pesquisas cria um modelo de previsão climática nacional que será incorporado aos modelos internacionais que comporão o próximo relatório global, previsto para 2014, do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, em inglês), o órgão científico da ONU para o estudo das mudanças climáticas.

“O Brasil faz parte de um grupo que está envolvido a fundo nas discussões do clima no IPCC. Mas carecíamos de uma avaliação mais criteriosa dos efeitos das mudanças climáticas sobre o país”, explica Paulo Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, no qual o CPTEC está inserido. O trabalho brasileiro, “Climate Simulation and Change in the Brazilian Climate Model”, foi validado, em fevereiro, pelo Journal of Climate, especializado no campo. Sem o supercomputador Tupã, adquirido em 2010, entretanto, nada teria sido possível. Desde que a Austrália abandonou seu projeto, o Brasil é o único país do Hemisfério Sul a modelar um sistema próprio.

Além de ajudar a comunidade científica a compreender os fenômenos meteorológicos no Hemisfério Sul, o modelo brasileiro será útil para os setores e agentes econômicos diretamente influenciados pelo clima, como a agricultura e a geração de energia, além de permitir ao governo agir na prevenção de eventos extremos. “Mais de 70% da agricultura depende da previsão do tempo. Além disso, um modelo melhor vai permitir minimizar os danos de desastres, como chuvas, deslizamentos e alagamentos”, explica Fábio Rocha, meteorologista do Inpe.

Sem dúvida, a melhoria da qualidade das análises climáticas impacta diretamente a economia e a sociedade. Segundo Paulo Nobre, a partir do momento em que é informado pelo instituto meteorológico da possibilidade de ocorrência de uma catástrofe natural, o governo pode agir mais efetivamente ou, em caso de negligência, ser responsabilizado pelos danos causados. “A previsão climática dos próximos meses pode determinar políticas públicas para colocar em alerta a defesa civil no Rio Grande do Sul ou mandar caminhões de abastecimento de água no Nordeste. Para o Estado atuar com eficiência nesse sentido, precisamos de um conhecimento que só nós podemos ter sobre o funcionamento do clima no Brasil”, diz Nobre. Outro avanço importante é o incentivo para a formação de uma nova geração de cientistas do clima, que agora conta com uma nova ferramenta poderosa, de eficiência nacional.

Ter um modelo climático próprio permite ao país se posicionar mais ativamente nas discussões globais. De acordo com Nobre, era preciso quantificar a participação brasileira no clima global para ter a dimensão exata dos seus impactos – como as emissões de gás carbônico e de metano que alimentam o efeito estufa e esquentam a temperatura do planeta. Sem esse instrumento, o país estaria sempre à mercê de análises externas, pouco minuciosas e sujeitas a distorções. “Também precisávamos saber dos efeitos benéficos da nossa vegetação no clima”, diz Nobre.

Em 2009, um primeiro artigo produzido utilizando a modelagem brasileira, “Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation”, evidenciou uma dessas particularidades. Os pesquisadores investigaram a influência da Floresta Amazônica na regulagem do clima mundial. Foi descoberto que o desmatamento faz com que a precipitação de chuvas se reduza, afetando a formação de ventos e ocasionando um aumento na ocorrência do El Niño – o fenômeno transitório de alteração da temperatura do Oceano Pacífico, que impacta o clima do Hemisfério Sul. Até então, o papel da floresta tropical como reguladora do fenômeno era desconhecido.

Calculando o caos

A previsão do tempo tende a ser uma missão ingrata. Devido à diversidade caótica de fatores que condicionam a atmosfera, é muito difícil determinar com exatidão seus fenômenos. “O caos é um sistema matemático não linear. Uma pequena perturbação em um ponto pode gerar diversos fatores. Há um limite de previsibilidade”, explica Nobre. “Mas isso funciona para a previsão de tempo, porque o clima, mais a longo prazo, depende de padrões mais lentos. As equações não têm uma previsibilidade determinística. Não dá para dizer que daqui três meses, às oito horas da manhã, vai chover na sua casa; dá para afirmar que em três meses a região Sul terá mais chuvas que a região Norte”.

Já um modelo climático numérico é um conjunto de equações matemáticas que representam processos físicos na atmosfera, nos oceanos, na biosfera e na química entre esses sistemas. Tudo funciona por aproximação: as estações meteorológicas medem parâmetros de temperatura, vento, umidade, pressão atmosférica, temperatura da água do mar, constituição atmosférica e radiação solar. Essas variáveis, aferidas globalmente, são assimiladas sobre um mapa e servem como condições iniciais para os cálculos. As equações, então, são processadas em um supercomputador que gera os cenários possíveis para o clima ao longo do tempo.

O desenvolvimento de um modelo atmosférico nacional é resultado de anos de trabalho no CPTEC. Inicialmente, o centro fazia apenas modelagens numéricas para a previsão de tempo, mas rapidamente evoluiu para a previsão climática. O modelo do Inpe não foi criado do zero, mas aprimorado a partir da base fornecida, em 1994, pelo centro meteorológico norte-americano COLA/IGES (Center for Ocean-Land-Atmosphere Studies). “Passamos a desenvolver esse modelo por nossa conta, o recodificamos, aprimoramos a parte numérica, introduzimos os outros processos e assim por diante, até ele se tornar o nosso próprio modelo atmosférico”, explica Nobre.

Desenvolvida a modelagem da atmosfera, o grupo recorreu ao modelo oceânico da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), para rodar os cálculos do seu modelo global. Nesse trabalho, não foram equacionados os outros sistemas que influenciam o clima, mas o plano do Inpe é investir no desenvolvimento dos moldes que faltam para retratar mais fidedignamente as condições climáticas brasileiras. Atualmente, os cientistas estão trabalhando na criação de um modelo terrestre que contempla a dinâmica das florestas do país.

Supercomputador

No armário do escritório, na sede do Inpe, em Cachoeira Paulista, Nobre guarda um rolo de fita magnética, semelhante a um rolo de filme cinematográfico. “Quando eu era estudante, punha uma fita magnética dessas, de 40 megabytes, dentro da sacola e viajava para os EUA para poder rodar os dados”, rememora o cientista. Hoje, aos 56 anos, Nobre dispõe do quinto computador mais eficiente do mundo para cálculos de previsões de tempo e clima, instalado no prédio em que trabalha.

Batizado de Tupã (o deus trovão em tupiguarani), o Cray XT-6 é o supercomputador moderno capaz de realizar até 260 trilhões de cálculos por segundo. Sem uma máquina desse porte, seria impossível para o Brasil fazer parte do clube de países que elaboram cenários globais de mudanças climáticas. “O supercomputador está para nós como um navio está para quem faz oceanografia. Sem um barco de porte, você não vai a alto mar, anda só na beira, não atravessa o Atlântico”, compara Nobre.

A máquina custou R$ 50 milhões e foi financiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela Fapesp. Em 2010, quando chegou ao CPTEC, era um dos computadores mais rápidos do mundo. Em três anos, muita coisa muda em informática, mas a máquina ainda não sofre defasagem. Ainda hoje, os pesquisadores utilizam apenas 40% de sua capacidade. A estimativa é de que um supercomputador precise ser atualizado, em média, a cada quatro anos. “Esse é um ótimo computador para o que estamos fazendo agora. Mas em dois ou três anos ele será insuficiente para o nível de resolução dos processos que vamos precisar para os modelos que estamos desenhando”, diz Nobre.