Mensagem na praia de Cancún: “Esperança?”

Depois de uma semana de negociações ansiosas, a 16a Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-16), em Cancún, no México, decidiu atualizar as metas de redução de emissão dos gases de efeito estufa estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto em 1997, que vence em 2012. Os delegados de 194 países criaram um Fundo Verde do Clima para financiar ações de adaptação às mudanças climáticas nos países pobres e um mecanismo para os países detentores de florestas obterem compensação financeira pela sua conservação, a Redução de Emissões por Desmatamento de Degradação (REDD). Entretanto, não conseguiram definir metas para limitar o aumento crescente da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. Para os especialistas o clima do planeta está com febre alta.

Talvez o excesso de publicidade contribua para a decepção com os resultados parciais das COPs. Em 2009, o fiasco da COP-15, em Copenhague, na Dinamarca, gerou frustração e desânimo. Ocorre que, em 1997, quando os compromissos do Protocolo de Kyoto foram acertados, a questão climática não era a arena de tantas expectativas, movimentos e programas de salvação do planeta. O acordo então assinado por 84 países adotou o princípio da “responsabilidade compartilhada, mas diferenciada”, e determinou que 38 deles – as nações historicamente industrializadas mais cedo e que mais poluíram, como Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido e Rússia – assumissem a meta de reduzir 5,2% das suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2012. Os outros 46 países, entre os quais Brasil, Índia e China, foram liberados de metas.

Todos os signatários, entretanto, se comprometeram a reformar os setores de energia e de transporte dependentes de combustíveis fósseis, a promover as energias renováveis, a proteger as florestas que absorvem gás carbônico do ar e avançar na “descarbonização” das suas economias. Mas nem todos que assinaram o Protocolo o referendaram posteriormente. Os Estados Unidos, por exemplo, maior poluidor histórico mundial, ficaram de fora. Atualmente, Kyoto congrega 140 nações, mas o contexto que o inspirou mudou: os países emergentes estão em crescimento acelerado, emitindo muito GEEs, e a recessão econômica nos países industrializados travou os investimentos para a descarbonização. Essas são as verdadeiras razões da timidez do avanço do “espírito de Kyoto”.

 

 

Na cerimônia de encerramento da COP-16, o presidente do México, Felipe Calderón, disse que a conferência rompeu a inércia e mudou o “sentimento de incapacidade coletiva” diante da crise climática.

Suando a camisa

Apesar de eventuais erros cometidos e das tentativas de desqualificação promovidas pelos setores contrariados pela agenda climática, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) – o órgão da ONU encarregado de estudar e fornecer dados sobre o assunto, formado por 2.500 cientistas – consolidou um consenso científico sobre o aquecimento global. Simultaneamente, a opinião pública vem se mostrando cada vez mais sensível a eventos climáticos perturbadores, como enchentes devastadoras no Paquistão e calores de 38ºC em Moscou.

Para o IPCC, o aquecimento do planeta é “inequívoco”. No século 20, o mundo esquentou 0,7ºC em decorrência da atividade humana, afirma. A cultura contemporânea já vem antecipando, há anos, um futuro mais quente, como indicam filmes como Blade Runner. Diante do esquentamento, deve-se lembrar que desde o início dos tempos as criaturas se adaptaram às mudanças no ambiente e a evolução não foi interrompida. Certamente agora não será diferente. Mas os riscos em jogo são inéditos.

O último relatório do IPCC afirma que a temperatura está aumentando mais no Hemisfério Norte, onde há mais massa de terra e menos água profunda e fria, como nos oceanos do Hemisfério Sul. De 1970 a 2004, as emissões de GEEs aumentaram 70%. Atualmente estima-se que a atmosfera contenha 386 partes por milhão (ppm) de gás carbônico (CO2), contra 286 ppm antes de a Revolução Industrial decolar, em 1750 – um aumento de 40%.

A matemática climática registra que em 2008 o mundo emitiu 9,4 bilhões de toneladas de carbono, geradas sobretudo pelo transporte, pelo desmatamento, pela indústria e pela agricultura. Desse total, 5 bilhões foram naturalmente absorvidas pelos oceanos e florestas, e 4,4 bilhões de toneladas foram bombeadas para a atmosfera. Este é o total aproximado de CO2 que vem sendo adicionado, a cada ano, ao manto de gases que encobre a Terra e esquenta a temperatura.

 

 

Se o desenvolvimento econômico continuar enviando carbono para a atmosfera, o aquecimento aumentará. “Se ficarmos no cenário business as usual, será mais do que viável, neste século, a elevação da temperatura da Terra de 1,1 a 6,4 graus centígrados”, diz o IPCC. A COP-14 e a COP-15 tentaram, em vão, limitar a elevação da temperatura em 2ºC até 2030. Além desse limiar, aumentam as chances de eventos extremos, como tempestades, furacões, inundações, escassez de água, secas e elevação do nível do mar. Mas os especialistas consideram que a quantidade de carbono já acumulada na atmosfera gerará um esquentamento maior. “Um aumento de apenas 2ºC é otimismo fantasioso”, diz o cientista-chefe do Departamento de Ambiente, Comida e Assuntos Rurais da Grã-Bretanha, Robert Watson.

O efeito estufa segundo a Nasa

Mapas do Instituto Goddard de Estudos Espaciais, da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), divulgados em dezembro, mostram a mudança de temperatura entre as décadas de 1970-1979 e 2000-2009. As imagens não registram temperaturas absolutas, mas o quanto as regiões se tornaram mais quentes ou frias na comparação com os padrões regionais registrados no período 1951-1980.

 

Representantes de organizações não governamentais protestam, em Cancún, contra os países que, segundo eles, resistem a promover avanços na diplomacia climática que fortaleçam o “espírito de Kyoto”.

Desenvolvimento light

A parte mais difícil da equação climática é a associação direta das emissões históricas dos gases-estufa com a prosperidade das sociedades. Quanto maior o crescimento da economia, mais consumo, mais automóveis, mais fábricas, mais energia, mais agricultura e mais desmatamento e maiores emissões. O aumento da poluição gerada no século 20 deriva diretamente da arrancada de produtividade global dos últimos 50 anos que melhorou a vida de milhões de pessoas na China, na Índia e no Brasil. Mais de 300 milhões de chineses saíram da miséria em uma geração – um fato inédito na história.

O problema é que a conta do futuro não fecha. O Relatório do Crescimento, da Comissão sobre Crescimento e Desenvolvimento do Banco Mundial, afirma que há um “impasse conceitual” sobre como cortar as emissões de carbono em níveis seguros e acomodar o crescimento dos países em desenvolvimento. Na prática, os países emergentes dificilmente poderão crescer sem emitir mais GEEs. A solução é mudar o modelo de desenvolvimento, reduzindo a queima de energias fósseis e a emissão de carbono nas cadeias produtivas. Algo fácil de recomendar, mas difícil de fazer. Atualmente, quase todas as empresas se autoproclamam sustentáveis, mas poucas sabem como sê-lo.

O Banco Mundial recomenda aos países emergentes “alcançar” a renda per capita dos industrializados até 2050 por meio de um crescimento anual de 5,7% na China, 5,3% no Brasil e 7,4% na Índia. Mas não explica como acomodar os custos ambientais desse crescimento. Só a urbanização prevista para a China nos próximos anos é da ordem de mais de 600 milhões de pessoas. Ora, se centenas de milhões de indianos, brasileiros e chineses comprarem um Volkswagen, a emissão de carbono será colossal.

A crise econômica que deprime os países industrializados induz potências como Estados Unidos, China e Japão a agirem com extrema cautela, evitando o compromisso com as reformas de descarbonização. O momento é de corte de investimentos e desemprego. Além disso, a influência reformista do presidente Barack Obama foi contida pela ascensão do Partido Republicano, contrário à agenda climática, nas eleições de 2010. Sem os Estados Unidos, o espírito de Kyoto não evoluirá. Assim, a COP-17, a ser realizada em 2011, em Durban, na África do Sul, herdará todas as dificuldades não resolvidas das conferências anteriores.

 

Da esquerda para a direita, o representante sul-coreano na COP- 16, Shin Yeon-Sung; o economista inglês Nicholas Stern, autor do Relatório Stern; o ministro sul-coreano do Meio Ambiente, Lee Maanee; a ministra dinamarquesa para Clima e Energia, Lykke Friis; e os dirigentes da Global Green Growth Initiatives, os sulcoreanos Kim Sang Hyuo e Jung Tae Yong. A Coreia do Sul é um dos países mais ativos na diplomacia climática mundial.

O custo da descarbonização e o desacordo sobre quem vai pagar são grandes. Os Estados Unidos exigem compromissos obrigatórios de redução da China, da Índia e do Brasil, que não pensam em fazê-lo. Japão, Rússia e Canadá querem um Protocolo de Kyoto com a inclusão de todos, principalmente da China (atualmente, o maior emissor mundial de GEEs, responsável por 22% do total global) e dos Estados Unidos (19% do total). Em termos comparativos, o Brasil está em situação mais confortável. Em 2010 o País regulamentou a sua Política Nacional do Clima e, entre 2004 e 2009, baixou suas emissões em 33,6%, graças à queda do desmatamento na Amazônia. As emissões e queimadas da Amazônia tornam o Brasil o quinto maior emissor mundial.

Mapa da saída

O cenário é desanimador, mas há soluções. O economista Lester Brown, presidente do Earth Policy Institute, em Washington, é um dos muitos a defender a “descarbonização” das economias. Em seu último livro, Plano B 4.0, ele afirma que custaria US$ 187 bilhões por ano – 13% do orçamento militar global – cortar 80% das emissões mundiais até 2020, estabilizar a população do planeta em 8 bilhões de pessoas, erradicar a pobreza e recuperar os sistemas naturais do solo, água, florestas, pastagens e estoques pesqueiros. “Ninguém pode argumentar que não temos os recursos para realizar a tarefa”, diz. “Esse dinheiro seria mais do que o adequado para recolocar o planeta no caminho do crescimento sustentável.”

Para tanto, prega uma reestruturação econômica e uma reforma tributária que tornem o mercado “ecologicamente honesto”, embutindo nos preços os custos indiretos das “externalidades”, isso é, os impactos sociais e ambientais dos produtos e serviços. Sua ideia é aliviar a taxação sobre a renda e o trabalho e aumentar os impostos sobre atividades destrutivas, como a queima de combustíveis fósseis. “O socialismo falhou por não deixar o mercado dizer a verdade econômica. O capitalismo pode entrar em colapso por não deixar o mercado dizer a verdade ecológica”, afirma Brown.

Trata-se, portanto, de consertar a “falha” do sistema de preços que oculta o custo real dos produtos, uma falha “irracional, ineficaz e autodestrutiva”, segundo Brown. Um maço de cigarros, por exemplo, custa US$ 4 em Nova York, mas, para o Centro de Controle de Doenças do governo norte-americano, deveria custar US$ 10, a fim de cobrir o impacto das “externalidades”, isto é, os efeitos colaterais das despesas com doenças e perdas de produtividade no trabalho. O preço da gasolina, de US$ 3 por galão, deveria subir para pelo menos US$ 12, a fim de cobrir o custo das mudanças climáticas e do tratamento de doenças derivadas das emissões. “O custo da queima da gasolina é altíssimo, mas o mercado se apressa a afirmar que é barato, distorcendo brutalmente a estrutura da economia”, diz Brown.

Embutir o custo das externalidades nos preços não é tarefa simples. Talvez seja até mais difícil do que controlar o risco climático. Mas viver sobre seu impacto crescente não é sustentável.