O ator e comediante analisa sua participação no filme Bezerra de Menezes: o diário de um espírito, um “docudrama” cujo DVD acaba de ser lançado

Sucesso de bilheteria – com público de mais de meio milhão de espectadores em todo o Brasil -, o filme Bezerra de Menezes: o diário de um espírito acaba de chegar às lojas e locadoras de todo o País em formato DVD. Nos extras, o DVD traz o making of das gravações, comentários dos diretores e um depoimento do ator sobre o médico cearense Bezerra de Menezes (1831-1900). Além do humorista, o elenco é integrado por Carlos Vereza, Ana Rosa, Paulo Goulart Filho, Nanda Costa e Caio Blat. Produzido pela Trio Filmes e ONG Estação da Luz, tem direção de Glauber Filho e Joe Pimentel. Baseado em fatos reais, o longa de 70 minutos conta a trajetória de Bezerra de Menezes a partir de uma sequência cronológica das experiências vividas pelo médico cearense e narradas pelo personagem principal, representado por Carlos Vereza. Os dramas pessoais, o rompimento com a família pela opção religiosa (tornou-se kardecista convicto) e o conflito com as oligarquias no combate à escravidão são alguns pontos altos da vida do médico que foi o precursor de Chico Xavier. Aos 82 anos e mais de 60 anos de profissão, o ator, humorista e também espírita conta, nesta entrevista, quem é Bezerra de Menezes, o motivo de o médico cearense acreditar que este é o País do evangelho e o fato de o Brasil ter um carma a cumprir. Também fala sobre Chico Xavier e o mentor Emmanuel, revelando ainda como analisa a sua participação no longa, que foi uma das surpresas nas bilheterias do cinema nacional em 2008.

Na sua opinião, quem foi Bezerra de Menezes? Na ordem espiritual, ele foi de fato o brasileiro mais proeminente, mais importante porque, antes de se tornar um espiritualista, estudou profundamente o espiritismo e recebeu um manual muito forte deixado por Allan Kardec (O livro dos espíritos), de quem era admirador. Bezerra lia tudo de Kardec. A ponto de ter compilado todas as mensagens que o Kardec deixou antes de desencarnar nas quais dizia que o Brasil tinha sido escolhido pela espiritualidade como o País do evangelho.

O que significa o Brasil ser o país do evangelho? Segundo Kardec, o Brasil iria abrigar todas as religiões. Aqui, não haveria guerras nem problemas com qualquer seita nem com ordens religiosas. Essa opinião incentivou ainda mais o médico cearense a seguir adiante, porque a sua grande preocupação não era apenas com a alma dos indivíduos, mas sim com o sofrimento, as necessidades e o desespero do povo, com a fome, com a escravatura. Bezerra tomou essas preocupações para si e fez delas a sua bandeira, tornando-se um defensor do povo.

Bezerra de menezes não resistiu muito tempo como político porque viu muitas desigualdades e contradições, tantas coisas que os políticos poderiam fazer para o bem e faziam para o mal

Esse foi o principal motivo de seu ingresso na política? Se foi, por que acabou se afastando dela? Ser político contrariava a sua própria vontade e a sua personalidade. Mas, vendo o sofrimento das pessoas, Bezerra entrou para a política. Até porque também precisava de uma tribuna para defender o povo. Contudo, não resistiu muito tempo como político porque viu muitas desigualdades e contradições, tantas coisas que os políticos poderiam fazer para o bem e que faziam para o mal. Essas coisas a que até hoje a gente assiste na política. Às vezes, a gente se ilude com um candidato porque ele é bonito, porque é simpático, porque é inteligente e acaba cometendo erros, pois, na hora que esse político deveria defender a população, ele se omite e só luta pelos seus próprios interesses. E isso aí foi uma agressão para Bezerra, que se desgostou e abandonou a política.

Mas ele continuou lutando pelas causas sociais… Bezerra tinha o dom da palavra e se tornou um grande orador espírita. Como tal, participou da luta social do País, mas não foi apenas o religioso que fazia preces e reuniões, não. Era ecumênico, tinha uma personalidade fantástica. Basta ver que morreu pobre porque dava tudo que tinha e, como médico, não cobrava consulta de ninguém. Ao falecer, deixou uma escola preparada para que os novos seguidores dessem continuidade à doutrina espírita no Brasil, mas muitos espíritas acabaram decepcionando porque trocaram a espiritualidade por favores materiais, passando a ganhar dinheiro com facilidade, a ganhar presentes. Por coincidência – embora o espiritismo não acredite em coincidência -, quase todos esses médiuns morreram novos, com 40 anos, 30 e poucos anos, em desastres e acidentes. Tiveram mortes violentas, porque era preciso que isso acontecesse para servir de exemplo para os outros e também para abrir caminho para os que viriam trabalhar o espiritismo com seriedade. Sem contar que a escravidão no Brasil exigia médiuns sérios e comprometidos com a doutrina espírita, espíritas capazes de lutar de modo mais contundente pela libertação dos negros.

Bezerra dizia que o Brasil tem um carma a cumprir? Qual É? Ele afirmava que não eram apenas as pessoas que tinham um carma, que vinham destinadas a passar por um determinado problema, a ter uma doença incurável. Ele acreditava que os países também tinham um carma. No caso do nosso, dizia que o Brasil tinha um carma muito forte, que iria se tornar a maior potência de mundo, mas que também iria passar por períodos muito tristes e violentos, de muita fome, pestes e desgraças. Quanto ao seu papel, costumava dizer que não estava aqui para alicerçar o povo nem para apontar o espiritismo como a melhor educação para o ser humano. Não, ele não queria isso, mas sim o amor, a compreensão e que aqueles que tinham responsabilidade de governar o País se preocupassem com as crianças e com os idosos, cumprindo o seu dever.

Como ele conciliava o kardecismo com a medicina, uma área que é normalmente integrada por pessoas céticas quanto à espiritualidade? Bezerra se dedicou ao estudo da medicina porque também queria ser um “instrumento material”, não só espiritual, para poder amenizar o sofrimento das pessoas. E se tornou um humanista espetacular, um médico extraordinário. Passava praticamente o dia todo receitando, atendendo e curando as pessoas, ensinando como deviam proceder e, rapidamente, se tornou o líder da espiritualidade na América Latina.

O ator e comediante analisa sua participação no filme Bezerra de Menezes: o diário de um espírito, um “docudrama” cujo DVD acaba de ser lançado

Bezerra dizia que o Brasil tinha um carma muito forte, que iria se tornar a maior potência do mundo, mas que também passaria por períodos muito tristes e violentos, de fome e desgraças

É verdade que ele teve como mentor Emmanuel, um dos espíritos protetores do Chico Xavier? Sim. Ele dizia que o oficial romano Emmanuel era quem o orientava sobre como devia proceder, como devia encaminhar os novos espiritualistas. Chico Xavier foi um dos seus fiéis seguidores e teve como um de seus principais mentores Emmanuel. Intrigado, Chico começou a estudar a história dos romanos. Queria entender como aquele oficial que havia sido preparado para a violência e para comandar exércitos havia se tornado um religioso. Emmanuel dizia para o Chico que havia se tornado um religioso exatamente por ter sido em sua vida terrena um oficial, um militar que tinha travado muitas lutas e participado de várias guerras. Por isso, os enfermos, os feridos e os desesperados procuravam por ele, pedindo salvação e cura. Isso fez com que Emmanuel refletisse no motivo de ele ser tão procurado pelas pessoas, e não os outros oficiais. Por intermédio de seus dons mediúnicos (tinha um poder auditivo impressionante e ouvia as conversas do “alto”), ele concluiu que havia sido escolhido para ser um doutrinador espírita no Brasil porque o nosso País era o campo mais fértil para a proliferação dessa filosofia que não era bem religiosa, mas era um princípio de vida, uma educação, um comportamento.

Por usar métodos de cura não ortodoxos, Bezerra foi acusado de ser curandeiro. Sim. Essa história começou quando ele foi procurado por uma mulher que tinha câncer, uma doença que ainda não era muito conhecida. Os médicos diziam que ela estava com uma grande infecção, mas não tinham um diagnóstico mais preciso. Porém, Bezerra diagnosticou o câncer e receitou um remédio que não era vendido no Brasil, só na Europa, alertando a paciente sobre a dificuldade que teria para obtê-lo. “Enquanto não o encontrar, vá tomando esses chás, mas não deixe de tomar o medicamento porque seu câncer está muito arraigado e precisamos combatê-lo.” Chorando, a mulher disse: “Doutor, então o meu caso não tem jeito, pois não tenho dinheiro para comprar o remédio.” Na época, Bezerra já estava pobre e o único bem que ainda lhe restava era o seu anel de formatura, que ele deu para que a doente vendesse e comprasse o remédio. Pelos seus gestos, foi acusado de ser um curandeiro. Muitos médicos também o recriminaram, dizendo que a ciência ainda não tinha diagnosticado o câncer e perguntando como ele se aventurava a fazer isso. O cearense respondeu: “Sou apenas um porta-voz dos espíritos. Eles mandaram eu receitar isso, que eu próprio desconheço. Entretanto, se desejam me acusar, esperem o fim do tratamento, daqui a dois, três meses. Depois, podem me prender, me condenar, fazer o que quiserem.”

O que aconteceu? Depois do dois meses, a mulher estava completamente curada do câncer, o que provocou uma discussão muito grande no Vaticano (Itália), já que muitas pessoas consideraram o episódio como um milagre, mas a Igreja Católica não.

Como ele encarava essas situações? No último discurso que fez como deputado, Bezerra dizia que os exemplos da intervenção e do auxílio dos espíritos eram muitos, tantos que era desnecessário enumerá-los, pois o povo ia acabar sabendo da existência deles.

Como Bezerra viveu seus últimos dias? Ele sofreu muito no final da vida. Na época em que viveu, as pessoas morriam cedo, mas ele viveu bastante, até quase os 70 anos. Porém, com muito sofrimento: ficou quase cego, tinha problemas no coração. Mesmo assim, continuou ajudando os pobres, as crianças e os velhos, o que o tornou um líder espiritual.

Como ator, como você analisa o filme sobre Bezerra de Menezes? Para mim, significa a oportunidade de recompensar a dignidade desse homem, desse ser humano maravilhoso que foi Bezerra de Menezes. Aliás, há muito tempo isso já deveria ter acontecido, mas tudo tem o seu tempo e agora chegou o momento de homenageá-lo com esse filme. Tenho certeza de que essa é uma mensagem de Deus, uma chance para que as pessoas conheçam melhor quem foi o médico cearense. Quero aproveitar para dizer que estou muito feliz por ter participado de um filme sobre ele, de ter integrado seu elenco, mas também por saber que esse longa é o segundo maior trabalho espiritualista já realizado no Brasil – o primeiro foi Além da vida, peça baseada em textos psicografados por Chico Xavier. Participar do filme foi uma enorme alegria, porque eu, alguns atores e diretores somos pioneiros nesse tipo de trabalho, de produção espiritualista, o que significa que o nosso nome vai ficar na história.

SERVIÇO

Informações sobre o DVD:

Estação da Luz, www.estacaluz.org.br