Menos poluentes, mais inteligentes e ultra conectados. Uma nova geração de carros promete revolucionar o trânsito. Apesar da aura de ficção científica, a era dos automóveis autônomos está mais próxima do que imaginamos.

Em 1939, acontecia em Nova York a New York World’s Fair, que reunia as principais tendências tecnológicas de um futuro não muito distante: cerca de 20 anos. Entre as ideias apresentadas estava um modelo de trânsito com carros que dispensavam condutores e se mantinham a distâncias seguras, guiados por ondas de rádio. Bem, os anos 1960 chegaram e nada. No século XXI os motoristas ainda estão por trás dos volantes de carros. Mas veículos que andam sozinhos já existem por aí.

No começo do ano, a empresa francesa Induct colocou à venda o primeiro automóvel totalmente autônomo disponível no mercado. O Navia foi concebido para transportar pessoas em áreas fechadas por distâncias específicas – como campi de universidades e pátios de indústrias. Trata-se de um cruzamento entre carro de golfe e mini ônibus, com capacidade para oito pessoas, 100% elétrico e com velocidade máxima de 20 km/h, já em uso na Europa e na Ásia. 

No lugar do volante, há um tablet com tela sensível ao toque. O passageiro programa o trajeto, entra e o veículo anda sozinho. De acordo com a fabricante, também será possível configurá-lo por meio de smartphones e tablets pessoais. No caminho, um sistema de sensores a laser identifica obstáculos, incluindo os pedestres incautos, e evita colisões. O Navia passou em todos os testes e está funcionando bem.

Sem barulho e sem poluição

“Imagine uma cidade sem barulho e ônibus poluentes substituídos por veículos robóticos ecologicamente corretos comandados pelo seu celular”, propõe Pierre Lefevre, CEO da Induct. No lançamento do Navia, Lefevre destacou a preocupação ambiental e a incorporação de tecnologia de informação como as principais tendências da indústria. Cientes da necessidade de poluir menos, as empresas têm investido no desenvolvimento de motores elétricos e na digitalização dos veículos.  

A maioria dos protótipos, como o EN-V, da General Motors, tem como meta motores 100% elétricos. No entanto, na prática o desafi o é considerável. O badalado Toyota Prius, por exemplo, tem um motor híbrido, elétrico e à combustão. Ele é mais econômico e polui menos, mas é menos potente. Em fevereiro de 2014, a fabricante anunciou um recall global. Uma falha no sistema híbrido provoca perda de potência enquanto o carro está em movimento, colocando em risco os passageiros. 

Uma pesquisa recente conduzida pela consultoria Accenture em 12 países, entre eles o Brasil, revelou que a grande maioria das pessoas gostaria de contar com direção automática e com serviços de internet integrados aos carros, confortos que já são encontrados e que conquistam cada vez mais adeptos.

Piloto automático

Gradualmente, funções autônomas vêm sendo incorporadas aos automóveis disponíveis no mercado. Sistemas como o Brake PRE-SAFE, da Mercedes- Benz, são capazes de evitar colisões com o auxílio de sensores de radar e de velocidade. Na iminência de um choque, o carro freia sozinho e ajusta a tensão dos cintos de segurança. A evolução desse mecanismo vai permitir, por meio de conexões Wi-Fi, que os carros troquem informações entre si e previnam acidentes. Dessa maneira, quando um veículo percebe uma alteração repentina de velocidade no automóvel à frente, ele já se prepara para a frenagem. 

Outra tecnologia disponível e que deve se aprimorar é a do autoestacionamento, já presente em carros como o Toyota Prius. A operação ainda não é totalmente automática: o motorista precisa deixar o carro na posição conveniente, engatar as marchas e controlar o freio, mas a leitura do espaço e a manobra são feitas pela inteligência do veículo.  

Nos laboratórios das grandes montadoras já se veem carros 100% autônomos. Alguns já foram fl agrados em estradas, como a frota de dez Toyotas Prius do Google, equipada com câmeras externas, radares e sensores a laser, que já rodou cerca de 480 mil quilômetros na Califórnia sem incidentes. 

Desempenho similar teve o S-Class da Mercedes-Benz, com a vantagem de dispensar a parafernália requerida pelo protótipo do Google. O sistema da Mercedes é simples e está integrado à fuselagem do veículo. O S-Class percorreu com sucesso um trajeto complexo de 100 quilômetros na Alemanha, portando- se bem com pedestres, cruzamentos, semáforos, desvios e demais veículos. 

Marcha lenta

Se as previsões de Adam Jonas, analista da Morgan Stanley, se concretizarem, 2026 será o ano em que a transição para os veículos autônomos começará. Duas décadas depois, 100% dos automóveis no mercado serão capazes de guiarem-se sozinhos, o que geraria uma economia global de US$ 5,6 trilhões pela redução dos custos de infraestrutura e acidentes. 

Outros estudos divulgados no ano passado são mais cautelosos, mas preveem cenários parecidos. Para a consultoria Navigant Research, em 2035, 95 milhões de carros autônomos serão vendidos anualmente, representando 75% das vendas de veículos leves. A ABI Research, especializada em estudos do mercado de tecnologia, estima que em 2032 metade de todos os carros vendidos será autônoma.

Futurologia à parte, o fato é que grandes montadoras (GM, Toyota, Nissan, Honda, Volvo, Ford, Mercedes, Volkswagen) investem em linhas de pesquisas semelhantes e correm para emplacar um modelo que dispensa o motorista. Ao que tudo indica, os primeiros automóveis independentes devem ganhar as pistas na segunda década do século XXI. A Mercedes, que desenvolve um dos projetos mais avançados, pretende comercializar o S-Class por volta de 2020, mas admite a complexidade do processo.

“A direção autônoma vai se tornar realidade gradualmente. Há um aspecto legal que precisa ser resolvido. Existem leis internacionais que determinam que o motorista precisa estar o tempo todo no controle do veículo”, informou à reportagem da PLANETA a equipe de Pesquisa e Desenvolvimento da Daimler, empresa alemã que controla a Mercedes- Benz e a Chrysler. 

Outro desafi o é desenvolver um mecanismo totalmente seguro. “É essencial aprimorar ao máximo as capacidades de comunicação e a sensibilidade do sistema, que ainda não são 100% confiáveis, para oferecer aos usuários um produto seguro”, afi rmou Tomohiro Okada, coordenador- sênior de relações públicas da Honda Motor Co.

Melhor esperar pra ver. Até porque o principal objetivo dessa tecnologia é dar conforto aos motoristas e eliminar do trânsito a falha humana, responsável por 93% dos acidentes. 

Congestionamentos

Impossível ignorar nas projeções do futuro da indústria o que vai acontecer com o trânsito nas próximas décadas. Há um consenso de que o uso intensivo do carro é o principal responsável pelo caos no tráfego das cidades do século XXI. A cultura do automóvel individual não atrapalha apenas o fluxo das ruas, prejudica também a saúde, a economia, o meio ambiente e a vida.

No Brasil, os acidentes de trânsito causam 22,5 mortes a cada 100 mil pessoas, uma das taxas mais altas do mundo. De acordo com cálculos da Fundação Getulio Vargas, em 2012 a cidade de São Paulo deixou de ganhar cerca de R$ 40 bilhões enquanto os paulistanos estavam presos no congestionamento. 

Em 2011, 27 mil pessoas foram internadas na capital com problemas relacionados à poluição do ar. Do ponto de vista ambiental, o setor de transportes é um dos principais emissores de gases de efeito estufa do país, respondendo por 7% a 9% das emissões. Desse montante, 68% são emitidos por meios de transporte individuais.

Para reverter esse quadro caótico é preciso inverter a lógica que prioriza carros e motocicletas privados em lugar do transporte coletivo ou individual não motorizado (bicicletas). Não se trata de eliminar o automóvel da equação nem de demonizá-lo, mas de redistribuir o espaço das ruas. “O carro ocupa 85% das ruas e o ônibus, 15%. Se destinarmos 30% do espaço dos carros ao transporte coletivo, já sentiremos mudanças”, defende Eduardo Vasconcelos, sociólogo e engenheiro de trânsito da Associação Nacional de Transportes Públicos.

Ao menos no discurso, as montadoras parecem atentas à nova realidade. “Há uma tendência favorável à mobilidade individual com diferentes meios de transportes combinados: ônibus, trem, carro e bicicleta. Estamos virando não apenas fabricantes de carros, mas provedores de serviços de mobilidade”, afirma a equipe de Pesquisa e Desenvolvimento da Daimler. 

Projetos como os apresentados pela maioria das montadoras levam em consideração a nova necessidade. Resta saber quando e como sairão do papel. 

 

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BOX

 

Super Transporte Coletivo

Menos poluentes, mais inteligentes e ultra conectados. Uma nova geração de carros promete revolucionar o trânsito.

No século XIX, Nova York possuía uma frota de cavalos, para cavaleiros e carroças, calculada em 200 mil animais. A cidade fervia com acidentes, congestionamentos e poluição. Um estudo avaliou que o número de desastres fatais per capita causados por veículos equestres em 1900 era 75% maior que os provocados pelo trânsito atual. Além disso, havia graves problemas de saúde derivados do esterco lançado às ruas. A solução foram os automóveis, os atuais vilões do trânsito por motivos quase análogos. No século XXI, ônibus, metrô e bicicletas são a solução para o excesso da motorização individual e os acidentes decorrentes da alta velocidade. Já os ônibus carregam muita gente, mas emitem gases de efeito estufa. Veja alguns novos modelos elétricos amigáveis ao ambiente na Galeria de Fotos (acima).