Maioria dos cidadãos alemães se identifica como cristã. Mas quantos vão à igreja aos domingos? Quantos acreditam na existência de Deus? E por que têm que pagar um tipo de mensalidade a suas instituições religiosas?Sacro Império Romano-Germânico, local de nascença do protestantismo, campos de batalha da teologia cristã: as diversas regiões que compõem a Alemanha contemporânea já tiveram papéis-chaves nos processos mais significativos da história, tanto da Europa quanto da Cristandade.

Hoje em dia, essas raízes cristãs continuam bem visíveis: feriados públicos baseados nas crenças católica e protestante fornecem dias de férias ardentemente antecipados, para além do Natal e da Páscoa. E embora os partidos políticos “cristãos” – União Democrata Cristã (CDU), da chefe de governo Angela Merkel, e União Social Cristã (CSU) da Baviera – sejam considerados antes tradicionais do que religiosos, seus nomes deixam claro que foram concebidos com base nos valores cristãos.

No entanto, a onipresença de campanários, crucifixos e santos engana: as naves das igrejas estão, em grande parte, vazias. Com um número crescente de cristãos rejeitando os dogmas nucleares da fé, incluindo até a existência de Deus, é correto considerar a Alemanha uma nação cristã?

A DW analisa seis fatos e estatísticas que iluminam a constituição da identidade e influência católica e protestante na Alemanha atual.

1. Maioria dos alemães se identifica como cristã

Segundo uma pesquisa, de uma população total de 80 milhões, cerca de 45,7 milhões (55%) de alemães se identificavam em 2019 como cristãos, fossem católicos, protestantes, ortodoxos ou sem denominação. A comunidade muçulmana compunha 5% (4,5 milhões) e a judaica, 0,1% (94,7 mil). Os mais de 35% restantes ou pertencem a outras religiões ou estão registrados como “sem religião”.

2. Apenas 10% dos católicos vão à igreja regularmente

A maioria dos cristãos está registrada nas prefeituras da Alemanha como católicos (22,6 milhões) ou como protestantes (20,7 milhões). A Igreja Protestante tem origem no luteranismo e outras denominações oriundas do movimento de reforma religiosa do século 16. (Apesar de seu nome oficial – Igreja Evangélica da Alemanha (EKD) – a instituição não deve ser confundida com o movimento evangélico do Brasil ou dos Estados Unidos.)

O que as cifras não revelam, é se os membros registrados das Igrejas estão praticando a fé cristã ou apenas preservando a tradição. Uma olhada nas taxas de frequência aos cultos sedimenta a noção de que a maior parte da sociedade é, na verdade, não religiosa.

Segundo a Conferência Episcopal Alemã, apenas 10% dos católicos registrados vão à igreja aos domingos; entre os protestantes, essa taxa nem chega a 3%. Não só isso, mas também estão se realizando menos batismos, matrimônios e – em relação aos protestantes – funerais. Entre 2010 e 2019, o número de casamentos na igreja caiu quase 20% entre os católicos e 19% entre os protestantes. Apenas em 2019, 272 mil católicos e 270 mil protestantes deixaram a Igreja.

3. Igrejas faturam bilhões, apesar dos números em queda

Na Alemanha, as Igrejas têm o direito de coletar uma “taxa de filiação” de fato, na forma de impostos A medida data do ano 1919, quando a República de Weimar introduziu medidas para compensar os prejuízos da separação entre Estado e Igreja. A taxa eclesiástica é, atualmente, de 9% da renda individual, se ela excede um determinado teto. A contribuição ajuda a financiar as paróquias, os salários de funcionários, creches e outros gastos.

Em 2019, as Igrejas Católica e Protestante recolheram as somas recordes de 6,76 bilhões e 5,95 bilhões de euros, respectivamente. E, como nenhuma das duas instituições disporia da infraestrutura necessária para tal arrecadação em massa, o Ministério das Finanças administra os impostos para elas, e também retém 3% do total, que em 2016 alcançou 380 milhões de euros.

4. Imóveis também aumentam prosperidade das Igrejas

Avaliar a fortuna das Igrejas é um empreendimento tortuoso e complicado, devido ao enorme volume de imóveis que possuem e aos pagamentos de reparações que recebem do Estado.

Juntas, a Católica e a Protestante possuem pelo menos 830 mil hectares (8.300 quilômetros quadrados) em terrenos, de acordo com uma estimativa de Carsten Frerk, um crítico das instituições religiosas cujas cifras costumam ser citadas pela mídia alemã.

As próprias Igrejas declararam dezenas de milhares de imóveis de sua propriedade, além de 21,1 mil igrejas protestantes e 24,5 mil católicas, no mínimo. Computando-se os edifícios relacionados a suas funções na saúde, educação e beneficência, a Igreja Católica possui mais outros 66 mil edifícios, e a Protestante, 50 mil. Elas também arrendam um número não revelado de imóveis para pessoas físicas e jurídicas, em todo o território alemão.

Além disso, recebem fundos estatais para compensar por perdas de propriedades datando do começo do século 19, quando Napoleão Bonaparte dispersou o Sacro Império Romano-Germânico. Segundo a emissora Deutschlandfunk, essas indenizações chegaram a quase 500 milhões de euros em 2017, e são financiadas pelos contribuintes, quer pertençam a uma religião, quer não.

5. Religiões têm papel significativo em questões públicas

Outro motivo por que os interesses católicos e protestantes são tão visíveis na Alemanha são os assentos que seus delegados ocupam nos conselhos de supervisão de uma grande variedade de organizações. Lá, enquanto representantes de um grande grupo populacional, eles sentam-se lado a lado com outros grupos de interesse como ambientalistas, sindicalistas e especialistas de um grande número de setores.

Por exemplo: as duas grandes Igrejas se pronunciam nos conselhos das emissoras públicas, desde as de âmbito federal ARD e ZDF, à regional WDR e a internacional Deutsche Welle, a qual recebe verbas federais. Entre as competências de supervisão desses conselhos, está a eleição do superintendente.

Devido ao gigantesco número de conselhos de supervisão por toda a Alemanha, é quase impossível saber quantos desses assentos são ocupados pelas Igrejas.

Alguns membros do Parlamento alemão estão envolvidos no Comitê Central dos Católicos (ZDK) ou no sínodo da Igreja Evangélica Alemã (EKD). Nomeados como cidadãos privados, e não representantes de seus partidos, esses indivíduos contam entre as centenas de laicos que ajudam a impor a agenda de sua própria Igreja.

6. Menos cristãos creem nos dogmas fundamentais de sua fé

Indagados em 2017, pelo instituto alemão de pesquisas de opinião alemão Insa, se acreditavam na ressurreição de Jesus Cristo, apenas 52% dos católicos e 48% dos protestantes declarados disseram que sim. No tocante à vida após a morte, o placar foi de apenas 40% para os católicos e 32% para os protestantes.

Numa outra consulta, o instituto Emnid perguntou a cristãos registrados se acreditavam em Deus: não mais que cerca de 24% dos protestantes e 11% dos católicos responderam positivamente, de acordo com o jornal Tagesspiegel.

Tais enquetes indicam claramente uma sociedade alemã em que, para muitos, identidade cristã não é sinônimo de crença doutrinária. Esse fato, por sua vez, coloca em questão a extensão do uso que as Igrejas Católica e Protestante fazem de suas influentes posições no Estado e na sociedade alemães para agir no interesse de seus membros, que totalizam quase 46 milhões.