Por que a música tem um poder tão grande de mexer com o nosso íntimo? O que explica, por exemplo, o frenesi causado por shows dos Beatles, de Michael Jackson ou de Ivete Sangalo? As modernas tecnologias de imagens do cérebro têm levado o conhecimento sobre essa área a um novo patamar. Já é possível, segundo os cientistas, entender como a música nos proporciona tais emoções e nos conecta a outras pessoas.

“A música afeta centros emocionais profundos no cérebro”, diz a neurocientista Valorie Salimpoor, do Rotman Research Institute, de Toronto (Canadá). “Uma simples tonalidade sonora não é agradável por si só; mas se esses sons são organizados ao longo do tempo em algum tipo de arranjo, isso é incrivelmente poderoso.”

Para dimensionar esse poder, em 2011 a equipe de Valorie conectou voluntários a um aparelho de imagens por ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês), que registrou sua atividade cerebral enquanto eles ouviam músicas de sua preferência. As gravações, abordadas na revista PNAS, mostraram que, nos trechos mais emocionantes para os ouvintes, o hormônio dopamina era liberado no núcleo accumbens (estrutura ligada à parte mais antiga do cérebro e associada à música num estudo de 2005 do neurocientista canadense Daniel Levitin, da Universidade McGill). Associada ao prazer, a dopamina é liberada em ocasiões como fazer sexo, comer ou drogar-se.

Para Valorie Salimpoor (acima), a dupla liberação de dopamina durante a execução explica nosso amor à música. Crédito: McGill University

O mesmo hormônio surgiu um pouco antes dos momentos de pico em outra área cerebral, o núcleo caudado, ligado à antecipação do prazer. Essa antecipação pode se originar de um conhecimento prévio da música – ela ficou gravada no cérebro e, assim, o ouvinte poderia “prever” seu ápice. De acordo com Valorie, a soma de antecipação e prazer e a força do efeito resultante indicam que a raça humana é induzida biologicamente a ouvir a música que aprecia.

A conclusão provoca outra pergunta: e quanto às músicas que não conhecemos? Valorie testou essa condição apresentando aos participantes uma lista com 60 trechos de músicas inéditas para eles e dando-lhes dinheiro para baixar os itens da lista que apreciassem. O estudo foi divulgado em 2013 na revista Science.

As imagens revelaram que, quando os participantes gostavam de uma canção a ponto de comprá-la, o núcleo accumbens recebia dopamina. Além disso, ocorreu uma interação crescente entre o núcleo accumbens, o córtex auditivo, no lobo frontal, e outras estruturas situadas sobretudo no hemisfério direito, relacionadas ao reconhecimento de padrões, ao processamento emocional e à memória musical.

Previsibilidade bem-vinda

Valorie concluiu que, quando ouvimos peças pela primeira vez, os sons são processados através de circuitos de memórias, que buscam padrões reconhecíveis para nos ajudar a antecipar o rumo seguido pela peça. Em geral, se a música soa estranha aos ouvidos, não conseguimos antecipar sua estrutura e a dopamina não é liberada – portanto, não gostamos dela. Já se alguns padrões são reconhecidos, como a melodia, o ritmo ou determinados acordes, nos sentimos mais aptos a “prever” os momentos de pico emocional e a apreciar mais a música.

A liberação de dopamina tem origem na confirmação dessas expectativas ou de uma leve distorção delas – uma pequena variação num ambiente familiar. “É um tipo de passeio de montanha-russa”, compara a neurocientista. “Você sabe o que vai acontecer, mas ainda pode ser agradavelmente surpreendido e gostar disso.”

Para Valorie, a liberação de dopamina na antecipação do momento mais apreciado e no seu auge explica por que as pessoas amam tanto a música. Revela também por que alguém pode ouvir a mesma canção diversas vezes sem deixar de apreciá-la. O impacto emocional de uma música no ouvinte chega a ser tão grande que, mesmo depois de anos, pode ser reativado. “Se eu lhe pedisse para me contar uma lembrança do ensino médio, você poderia me contar”, afirma Valorie. “Mas se ouvisse uma canção da época do ensino médio, você realmente sentiria as emoções.”

Essa teoria fornece uma base fisiológica para a imensa penetração da música popular. Nesse gênero, as estruturas são mais repetitivas e, assim, encontram mais facilmente associações nos arquivos cerebrais de cada um. Existe, porém, um efeito colateral – é mais fácil o ouvinte se cansar dessas canções, por serem previsíveis. Já o jazz, música de improviso, vai na direção contrária. Com ritmos e melodias mais variados, suas peças não se encaixam de imediato no arquivo musical de cada um, e quem gosta de jazz em geral “aprende” a apreciá-lo.

O psicólogo Ed Large, da Universidade de Connecticut (EUA), utiliza fMRI para verificar como mudanças na dinâmica da música (como acelerar ou ralentar o tempo, ou tocar determinados trechos com mais ou menos força) influenciam a resposta emocional e o prazer do ouvinte. Numa das pesquisas, realizada em 2014, sua equipe executou duas versões de uma peça de Chopin: uma com as variações e o colorido natural das músicas do compositor polonês, e a outra, mecânica e uniforme. No primeiro caso, os centros de prazer dos ouvintes iluminaram-se durante os trechos dinâmicos da peça, o que não aconteceu na execução da desbotada versão dois. Para os cientistas, retirar a dinâmica da música equivale a extrair sua ressonância emocional. “Quando perguntamos aos ouvintes após o fim da experiência, eles nem reconheceram que estávamos tocando a mesma peça”, afirma Large.

Sintonia rítmica

Outro detalhe que ele destacou na primeira versão foi a atividade dos neurônios-espelho, relacionados à nossa capacidade de experimentar internamente o que observamos externamente. Ela aumentava nos trechos mais rápidos e diminuía nos mais lentos. Na opinião do psicólogo, os neurônios-espelho provavelmente têm papel importante no processamento da dinâmica musical e na forma como fruímos a música. “Ritmos musicais podem afetar diretamente os ritmos cerebrais, e estes respondem pela forma como você se sente em um momento específico”, afirma Large.

Isso explica, segundo ele, a sincronia do público que vai a um concerto num teatro ou a um show num estádio. Ao sintonizarem-se simultaneamente nas fórmulas rítmicas apresentadas, essas plateias partilham uma mesma experiência emocional. Daniel Levitin concorda: “Não é nossa tendência natural nos espremermos em uma multidão de 20 mil pessoas, mas, por um concerto do Muse ou do Radiohead, faremos isso. Existe uma força unificadora que vem da música, e não a obtemos de outras coisas”.

Em um estudo de 2013, publicado no European Journal of Neuroscience, Levitin e sua equipe executaram canções de estilos variados para ouvintes, cuja atividade cerebral foi registrada. O grupo notou que as músicas influenciam ao mesmo tempo diversas áreas do cérebro, mas cada estilo criava seu padrão específico – por exemplo, canções lentas, rápidas, vibrantes, etc. A atividade cerebral é sempre a mesma, goste ou não o ouvinte do que é tocado.

O que explica, então, as reações diferentes dos ouvintes à mesma música? Para Valorie Salimpoor, elas têm origem na formação cultural e musical de cada um, que começa antes do primeiro ano de vida e vai sendo arquivada no córtex auditivo. “Essa parte do cérebro será única para cada indivíduo, porque todos nós ouvimos diferentes músicas no passado”, diz ela. Quem tem mais informação na área, como os músicos, possui um gosto mais variado e assimila mais músicas diferentes e/ou inovadoras do que quem não tem acesso a esse material. “Gostar é muito subjetivo”, afirma Large. “A música pode não soar tão diferente para você quanto para outras pessoas, mas você aprende a associá-la com algo de que gosta e experimenta uma resposta prazerosa.”