Estudo aponta que a crise vem contribuindo para minar a confiança no sistema político e criando terreno fértil para teorias delirantes na Europa. Movimentos radicais podem persistir mesmo após o fim da pandemia. Lockdowns, restrições de viagens, escolas fechadas – a pandemia do coronavírus mudou dramaticamente o cotidiano das pessoas em toda a Europa, e alguns efeitos poderão persistir mesmo após o fim da crise. Teorias conspiratórias vêm se espalhando e há uma queda crescente de confiança no sistema político.

É isso que aponta um novo estudo conjunto da fundação alemã Amadeu Antonio, do British Hope Charitable Trust e da Fundação Swedish Expo, que entrevistou 12 mil pessoas em oito países sobre suas atitudes políticas.

A maioria dos entrevistados na França, Itália, Polônia e Hungria acredita que o sistema político em seu país está total ou parcialmente falido. Na Alemanha e na Suécia, cerca de um terço das pessoas compartilha dessa opinião.

O preconceito contra imigrantes, muçulmanos e outros grupos marginalizados está aumentando. Em todos os países pesquisados, cerca de um terço dos entrevistados tem uma opinião negativa sobre os imigrantes. Na Hungria, o percentual chega a 60%.

Conforto em explicações simples

A direita, em particular, está tentando capitalizar isso, aponta Joe Mulhall, do Hope Charitable Trust. “Embora grande parte da extrema direita europeia não tenha conseguido explorar a pandemia tanto quanto esperava, ela deu início a uma nova era de teorias da conspiração, à medida que as pessoas procuram conforto em explicações simples e monocausais para um mundo aparentemente fora de controle”, ele disse.

Em toda a Europa, houve protestos contra lockdowns e contra governos nos últimos meses – muitas vezes alimentados por teorias conspiratórias.

Originado nos Estados Unidos, o culto QAnon cruzou o Atlântico, se espalhando especialmente na Alemanha e no Reino Unido. A delirantes teoria envolve uma elite pedófila e satânica internacional que estaria sequestrando e abusando de crianças como forma de obter uma droga rejuvenescedora. Vários elementos do culto QAnon envolvem reciclagem de velhos preconceitos antissemitas.

Os autores do estudo acreditam que há risco de que esses preconceitos possam persistir mesmo após o fim da pandemia.

Terrorismo de direita

Os autores também alertam que o perigo de ataques terroristas de direita continua alto em toda a Europa. Entre os propagadores de teorias conspiratórias, está ocorrendo uma mudança de apoio, com o abandono dos principais partidos e organizações de extrema direita por movimentos transnacionais que são apenas vagamente organizados, aponta Mulhall.

“Agora, no conforto e segurança de suas próprias casas, ativistas de extrema direita podem se envolver com política assistindo a vídeos do YouTube, visitando sites de extrema direita, fazendo networking em fóruns, falando em chats de voz como Discord e tentando converter 'normies' (pessoas que seguem a mídia tradicional) nas principais plataformas de mídia social como Twitter e Facebook.”

Esses grupos normalmente não chegam a fazer planos concretos de ataques, de acordo com os autores do estudo, mas os encorajam e compartilham informações que podem ser úteis para ações violentas.

O engajamento contra essa rede de ódio é difícil porque os indivíduos não podem ser facilmente localizados fisicamente. Eles estão constantemente conectados internacionalmente.

Mas as três fundações envolvidas no estudo têm motivos para demonstrar algum otimismo. A solidariedade em muitas cidades e comunidades provocada pela pandemia é encorajadora: famílias, bairros e até estranhos estão se ajudando e apoiando uns aos outros em toda a Europa. Apesar do ódio, no ano passado viram-se exemplos emocionantes de sacrifício, amor e esperança.