O mundo está atônito com as mudanças climáticas, o aquecimento global e a quantidade incalculável de lixo que criamos. Aos 76 anos, a artista Rolim mostra que a verdadeira revolução precisa ser antes de tudo divertida e cotidiana, e que todos nós podemos ser os heróis da salvação do planeta.Todo domingo sai de casa para salvar o mundo. Veste sua capa colorida, seus óculos especiais, sua touca protetora e vai pelas ruas de Curitiba. Não dá vôos rasantes sobre Nova York, como costumam fazer os superheróis americanizados, mas é numa banquinha na feira de artesanato do Largo da Ordem, no centro da capital paranaense, que cumpre sua difícil missão: tornar o mundo mais livre do lixo, um monstro que se acumula nos quatro cantos do planeta.

Descobriu seus superpoderes em 1991, quando viu um papel de bala jogado no chão e resolveu transformá- lo em arte. “Pensei que fosse uma jóia, mas vi que era um mísero papel caído, que merecia ser salvo”, conta. Foi assim que Ramos Rolim, na época com 61 anos, se transformou em , a Rainha do Papel. Com sua visão de raio X, onde todos só viam lixo, ela viu arte.

Com o tempo, foi descobrindo outras habilidades, como transformar sacos plásticos jogados na rua em bonecas, em dançarinas. Ou inventar músicas, poemas e histórias mirabolantes que vão dando vida a cada uma de suas peças.

Uma cobra feita de fitas de couro, anéis de latas de alumínio e papéis de bombom é Giboca, o gari da natureza. “Saio toda noite para recolher o lixo que os visitantes da floresta deixam durante o dia”, explica.

Um tubo de plástico, coberto com retalhos e tampinhas de garrafa, torna- se o Doutor Peneném, “pediatra e guardião da floresta”, que ao ser soprado emite um som estridente, um alerta da presença de traficantes de animais e destruidores da natureza.

Seus BONECOS fazem parte de uma grande FÁBULA que nos faz pensar em cidadania, MEIO AMBIENTE, ética e magia.

Elásticos e embalagens de Kinder Ovo tornam-se Nãoe, Nãoi e Nãoa, personagens de uma saga que ensina como acabar com o mosquito da dengue sem destruir a natureza. Um sapato velho enfeitado com papéis de bala transforma-se no Sapato Russo, que é jogado numa valeta e provoca uma grande inundação.

Na floresta imaginária da Rainha do Papel, príncipes e princesas, seres mágicos e monstros fazem parte de uma fábula que nos faz pensar em cidadania, meio ambiente e ética. Em pouco tempo, tornou-se uma artista respeitada, uma heroína convicta, longe de oportunismos.

NO AMONTOADO de barracas da feira, entre as quais no fim de semana passeiam milhares de pessoas, todos querem tirar uma foto com ela. Turistas querem conhecê-la, jornalistas querem entrevistá-la, estrangeiros querem levar sua arte mundo afora, crianças querem beijá-la, saber se ela é de verdade. Inquieta, ela canta, dá cambalhotas, declama poemas, faz rir e inventa histórias para cada uma de suas peças, histórias que brotam de sua cabeça com a força de mil kilowatts.

Quando perguntada sobre as suas roupas exóticas, não hesita em responder: “Eu uso isso porque assim mostro um pouco do planeta Terra. Esse é o valor da minha vida”, afirma.

Como todo super-herói que se preze, ela está nos jornais, nas revistas, na televisão, e sua vida também ganhou uma versão cinematográfica. No longa O Filme da Rainha, lançado no final de 2006, o cineasta argentino Sérgio Mercúrio nos presenteia com uma produção bem mais barata que as de Hollywood, que um Harry Potter, um Homem-Aranha, mas igualmente mágica. Conta um pouco da história de e de sua missão na terra. Mostra que, verdadeira heroína que é, cumpre seu papel dia após dia, como têm de ser as grandes mudanças e revoluções.

Em 2000, quando foi convidada a participar de uma exposição no Senado brasileiro, em razão das comemorações dos 500 anos do Brasil, criou o tema “Doce Floresta Paranaense”.

De suas mãos brotaram pequenas árvores, multicoloridas e delicadas, feitas com papel de bala. Ironia pura, num país que está acabando com suas florestas. A Rainha do Papel não tem frases de efeito, como “para o alto e avante”. Tudo está nas entrelinhas.

 

O mundo está atônito com as mudanças climáticas, o aquecimento global e a quantidade incalculável de lixo que criamos. Aos 76 anos, a artista Rolim mostra que a verdadeira revolução precisa ser antes de tudo divertida e cotidiana, e que todos nós podemos ser os heróis da salvação do planeta.

PARA SALVAR o mundo, ela também cruza os céus do Brasil ministrando workshops, dando cursos e palestras. É frequentemente convidada a mostrar sua arte nos quatro cantos do País, embora nada disso ainda tenha conseguido livrá-la de constantes problemas financeiros, mais comum em nós, simples mortais.

… Personagens do lixo

Na página oposta, acima, a cobra Giboca e uma das árvores da Doce Floresta Paranaense; abaixo, o Guardião da Floresta. Nessa página, acima, Sapato Russo e o Doutor Peneném; ao lado, o Principe Feliz; abaixo, outra árvore da Doce Floresta Paranaense.

Como quase todos os super-heróis, também foi vista com estranheza durante a infância. “Minha mãe pensava que eu estava ficando louca, chegou a jogar um caderno meu no lixo, dizendo que aquilo que eu escrevia era loucura, que eu era de outro mundo”, conta. Nessa época, ela já inventava histórias de reis que saltam e dão cambalhotas para se livrar dos inimigos.

Assim como Clark Kent, que é o super-homem, vivia no interior, até ir para a cidade grande salvar as pessoas, também nasceu no interior. Mas não naqueles campos belos do interior dos Estados Unidos, não. Ela nasceu em Abre Campos, em Minas Gerais, e somente depois de uma infância difícil, muito sofrimento e labuta, em 1964, mudou-se para Londrina, no Paraná.

A idéia era trabalhar na lavoura, mas perdeu tudo numa geada e, em 1990, busca de nova chance, acompanhada do marido doente, morto pouco depois, e nove filhos. Mais que uma super-heroína, tornou-se ex-bóia-fria, ex-analfabeta, ex-retirante. Provou que a verdadeira revolução precisa partir de nós.

Como todos os grandes super-heróis, a Rainha do Papel também tem dupla personalidade. Durante a semana ela é dona , uma senhora setuagenária, com pouco mais de um metro e meio, cabelos compridos, bem branquinhos, e aquele jeitinho de avó inofensiva. Segue com seu trabalho solitário, recolhendo papéis de bala, de bombons, em sua edificante sina heróica.

Para não ser reconhecida, quando não está salvando o mundo, ela passa a maior parte do tempo em seu ateliê improvisado, um lugar simples, onde o que poderia ser lixo aguarda para virar arte com um simples toque de suas mãos. É um lugar simples, num bairro da periferia de Curitiba, mas que você pode chamar de esconderijo secreto. É dali que faz seus planos mirabolantes para salvar o mundo, e dar um final feliz a essa nossa breve aventura na Terra.

Serviço

A Rainha do Papel está todos os domingos na Feira do Largo da Ordem, no centro histórico de Curitiba, no Paraná. Telefone para contato: (41) 3668-6637.