Menos de dez anos atrás, uma política educacional eficaz transformou Medellín, segunda maior cidade da Colômbia, em exemplo de metrópole civilizada e moderna, promovendo a autoestima dos moradores e a segurança nas ruas. Nas décadas de 1980 e 1990, porém, o quadro era muito diferente e, para muitos medelinenses, o mais importante era abandonar a cidade.

Reclusos sob o poder de narcotraficantes, de bandos guerrilheiros, de grupos paramilitares e de delinquentes que criaram um estado paralelo e impuseram suas leis, os moradores viam a opção de emigrar como a única luz no fim do túnel. Aqueles que se opunham à situação eram vítimas de sequestros, estupros e assassinatos por encomenda. Medellín apresentava, na época, uma taxa média anual de 440 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto a média mundial girava em torno de 10 para 100 mil. Em 1988, a revista Time classificou-a como “a cidade mais violenta do mundo”.

A criminalidade que se alojou em Medellín e incendiou o país cresceu a partir de 1948, com movimentos insurgentes disputando terras e camponeses se transferindo desordenadamente para a cidade. Os bairros pobres subiram os morros e a incapacidade do governo de frear a injustiça social fez a violência prosperar, deixando a cidade à mercê de criminosos que se apresentavam como “robin hoods” e políticos “salvadores da pátria”.

Em 40 anos, de 1948 a 1988, Medellín teve nada menos do que 40 prefeitos. Nesse período, a arrogância dos bandos armados, da guerrilha e dos cartéis das drogas se impôs diante da impotência dos políticos em resolver os problemas e combater o crime. Eles viam, mas fingiam não ver.

Depois de uma década de violência extrema, em 1992 o governo colombiano pediu ajuda aos Estados Unidos para enfrentar a criminalidade no país. Forças policiais especiais foram treinadas para enfrentar as quadrilhas de traficantes de cocaína, como os cartéis de Medellín, de Cali e do Vale do Norte, e os bandos paramilitares e as organizações de “vigilantes” formados, originariamente, para matar traficantes, seus familiares e associados.

Em 1993, Pablo Escobar, o lendário chefe do Cartel de Medellín, que era dado a iniciativas populistas e investimentos em melhorias das condições de vida da população pobre, foi morto pela polícia. Seu enterro atraiu 25 mil pessoas ao cemitério.

Em 2002, o presidente Álvaro Uribe declarou guerra total aos guerrilheiros e paramilitares, induzindo 3 mil homens a entregarem as armas. Em 2004, uma revolução foi deflagrada em Medellín, sob as bandeiras da educação, da cultura e da reurbanização. A criminalidade e os índices de violência começaram a despencar. Hoje, a metrópole de 3 milhões de habitantes apresenta uma taxa de homicídios que, embora alta, não passa de 40 mortes por 100 mil habitantes. A virada ficou clara em 2012, quando a ONG Urban Land Institute concedeu a Medellín o título de “Cidade Mais Inovadora do Mundo” .

Qual foi o milagre? “Meio milagre”, dizem os medelinenses, cientes de que o milagre completo precisa de mais alguns anos de êxitos. Para compreender como é possível romper com o banditismo e virar cidade modelo, é preciso entender a importância da liderança. Na própria comunidade nasceu a determinação de um grupo de sonhadores liderados pelo professor de matemática Sergio Fajardo, que em 2004 abandonou a cátedra para eleger-se prefeito. Só um grande programa de combate à exclusão social e uma reforma educacional profunda poderiam construir a igualdade social, recuperar a cidadania e reconquistar o que a população mais almejava: segurança. Dramas políticos requerem soluções políticas.

Autoestima

O receituário de Fajardo contra o crime nada tinha de populismo barato ou de arroubos ideológicos. Sua primeira medida foi aumentar o orçamento da educação, de 3% para 25% da arrecadação de impostos. “Coloquei ação onde havia mais necessidade”, diz o político de 57 anos, hoje líder do movimento Compromisso Cidadão e atual governador da Província de Antioquia, cuja capital é Medellín.

O projeto de inclusão virou realidade quando milhares de crianças começaram a frequentar centros culturais, bibliotecas e escolas construídas por arquitetos renomados, dotadas de equipamentos de última geração e edificadas em áreas degradadas, como favelas e antigos lixões. A iniciativa deflagrou um “movimento de arquitetura inclusiva”, impactando a autoestima dos moradores da cidade. Milhares de pessoas, antes sem oportunidades de lazer, passaram a frequentar os centros culturais.

O arquiteto colombiano Camilo Restrepo foi uma das figuras-chave dessa renovação. “Atualmente, a pressão não é por projetos futuristas, e sim por edifícios funcionais genuínos”, diz Restrepo em seu escritório. “Agora, estamos empenhados em pensar o design de construções capazes de transformar comunidades inteiras.”

O ex-prefeito Sergio Fajardo explicou à PLANETA que tentou “criar uma ponte em duas direções”. A primeira visava levar centros culturais polivalentes aos bairros excluídos, e a segunda induzia à promoção de festivais de música, dança, teatro, livros, artesanato e artes com a presença maciça de celebridades e artistas. Um deles era o mundialmente famoso artista plástico medelinense Fernando Botero, criador de grandes e irônicas esculturas, exageradamente gordas, de homens, mulheres e animais, que hoje se espalham pela cidade.

“Tais eventos se tornaram frequentes nas comunidades antes excluídas”, conta Fajardo. “O objetivo era integrar o desenvolvimento cultural à vida urbana da periferia, em vez de isolá-lo em bairros centrais com população de maior poder aquisitivo.” No contexto de miséria e violência das favelas, Fajardo e os sucessores, Alfonso Salazar e o atual, Aníbal Gaviria, promoveram programas educacionais e culturais que levantaram a autoestima e desviaram os jovens das armas e das drogas.

Infraestrutura moderna

Para conhecer Medellín, é indispensável visitar as obras feitas após 2003. Uma delas é o Parque Biblioteca José Luis Arroyave, situado na Comuna 13, a área mais violenta da cidade há oito anos. Assentado junto a um extinto presídio feminino, o parque não funciona apenas como biblioteca: abriga um movimentado restaurante com refeições gratuitas, um centro comunitário, uma escola e um centro de computação, além de oficinas de tricô, cerâmica, creche e assistência jurídica.

Dezenas de Parques Bibliotecas e Casas de Cultura similares surgiram. Uma delas é a Casa de Cultura de Moravia, no bairro homônimo, projetada pelo arquiteto Rogelio Salmona e erguida num antigo lixão invadido por sem-teto. Essa região também virou referência de bairro civilizado. Outros bolsões de esperança se formaram, como os jardins de infância do programa Bom Começo, que também adotam linhas arquitetônicas de vanguarda.

Uma sucessão de edificações novas nos leva às escadas rolantes de Las Independencias, outro bairro, antes muito violento, que hoje vive um processo de pacificação. Inaugurada em 2011, a longa escada rolante, de seis lances, com 416 metros de extensão, substitui uma velha escada ziguezagueante de 350 degraus e transporta, diariamente, 12 mil pessoas.

Para envolver a comunidade nos projetos de reurbanização, a prefeitura também reassentou moradores de áreas de risco, entregou títulos gratuitos de propriedades em assentamentos, legalizou ocupações de terrenos informais e iniciou um inventário para reparar judicialmente as vítimas da guerra contra as drogas.

Outro aspecto da renovação de Medellín é a revolução no transporte público. A cidade dispõe de um extenso sistema de ônibus rápidos e de um metrô de superfície, dotado de duas linhas, norte a sul e leste a oeste, que funciona articulado a um sistema de teleféricos – los metrocables – sem igual no mundo. Inauguradas em 2004, duas linhas aéreas, com 1,8 quilômetro e 2,7 quilômetros de extensão, transportam, em gôndolas, 30 mil passageiros por dia, atendendo os bairros populares e as favelas. Outras quatro linhas estão em construção. Os metrocables já inspiraram sistemas similares em Caracas, La Paz e no Rio de Janeiro, onde foi implantado o Teleférico do Complexo do Alemão.

Em contrapartida, o Brasil também contribuiu para a reurbanização de Medellín com a adoção do Metroplus, um corredor de 12,5 quilômetros de extensão para ônibus expressos, dotado de 21 estações tubulares, inspirado na experiência de engenharia de trânsito desenvolvida pelo arquiteto Jaime Lerner em Curitiba.

Nenhum visitante pode ignorar o que acontece em Medellín, cuja renovação desenha um novo futuro e gera exemplos para as cidades latino-americanas. Na conquista do orgulho de ser medelinense, ressoa uma explicação de Sergio Fajardo: “Por que investir na educação contra o tráfico? Porque é a arma mais eficaz e importante no processo de mudança.”