O ano de 1626 foi de trabalho febril no porto de Estocolmo. Armadores, carpinteiros, escultores, ferreiros e pintores lançaram-se, dia e noite, ao desafio de construir o melhor navio de guerra da Marinha Real Sueca. A construção levou dois anos e envolveu 300 homens. Pela primeira vez, um galeão equipado com dois deques de canhões, de cada lado, despejaria salvas à direita e à esquerda, evitando manobras n’água, um grande trunfo tático. A Suécia era uma potência naval e estava em guerra com a Polônia. O rei queria bombardear a cidade de Gdansk.

O Vasa era um navio esplêndido, o orgulho dos estaleiros suecos e a joia da Marinha Real. Só o casco consumiu mil carvalhos. Centenas de esculturas na popa e na proa, pintadas de dourado, adornavam o barco. A construção era liderada por Henrik Hybertsson, um experiente carpinteiro naval. Mas Hybertsson adoeceu e morreu na primavera de 1627, sem ver o navio terminado. A responsabilidade, então, recaiu sobre o seu assistente, Henrik Jakobsson.

O navio possuía números superlativos: 69 metros de comprimento, 12 metros de largura e 50 metros de altura, da quilha ao topo do mastro. Deslocava 1.210 toneladas e funcionava com dez velas. Tinha nada menos do que 64 canhões de bronze (32 de cada lado) e levava 450 homens na tripulação. Evidentemente, era um navio pesado.

Os números inquietavam os mestres-armadores. Alguns o achavam muito estreito e alto para a quantidade de canhões a bordo. Os rumores se espalharam e chegaram até o rei Gustav Adolf II, que ordenou a finalização rápida do navio, sob risco de os armadores serem postos em desgraça. Pouco antes do término da construção, mais canhões foram agregados por ordem real, chegando a 64, agravando o desequilíbrio do lastro. Havia uma guerra a ganhar.

Vida dura

Para os marinheiros do Vasa, os salários eram baixos e os riscos, altos. Muitos eram alistados à força. O medo de doenças contagiosas mortais era maior do que o de ferimentos em batalha. A péssima higiene e a má alimentação eram os maiores fatores de risco, e a aglomeração de homens a bordo, extrema. Muitos dormiam no chão do convés, a céu aberto. A comida era ruim, mas garantida. A tripulação estava preparada para enfrentar meses sem provisões frescas, alimentando-se de mingau, ervilhas secas e carne salgada, tudo cozido junto, com pouco sal, como de costume. O escorbuto grassava e era fatal.

A disciplina era rigorosa e as punições, severas. Um homem que começasse uma briga poderia ser preso ao mastro com uma faca atravessada na mão. Queixar-se da comida podia acarretar banimento ou cadeia a pão e água. Incêndios a bordo eram punidos atirandose o responsável ao fogo. Desrespeitar o almirante implicava ser rebocado pela quilha do navio.

No domingo, 10 de agosto de 1628, diante da cidade inteira aglomerada no porto, o Vasa ficou pronto para o lançamento no mar. Havia centenas de tripulantes a bordo, além de mulheres e crianças. A tripulação teve permissão para levar familiares e convidados ao longo do primeiro trecho da navegação pelas ilhas de Estocolmo.

Em poucos minutos, após percorrer 1.300 metros, o navio adernou violentamente para um lado. Recuperou o equilíbrio, mas tornou a balançar para o lado oposto. Então, a parte inferior da lateral tocou a água, que entrou vertiginosamente pelas portinholas de canhões, todas abertas. Rapidamente, o Vasa afundou. As testemunhas divergem sobre os números, mas se aceita que 40 pessoas tenham morrido e o restante todo foi salvo. O capitão se salvou, foi preso mas logo libertado. Nesse dia, o navio iniciou um longo período de 333 anos submerso no fundo da Baía de Estocolmo.

Culpa de quem?

A notícia do naufrágio chegou a Gustav Adolf quando o rei estava na Prússia. Numa carta ao Conselho Real, o monarca atribuiu o desastre à “loucura e incompetência” dos armadores e ordenou punição para os culpados. Mas a suspeitada falta de estabilidade do navio tornou-se patente. A parte submersa do casco era pequena e o lastro, insuficiente para a pesada plataforma de canhões. As autoridades que abriram um inquérito acreditavam que o navio tinha sido bem construído, porém sabiam que ele fora incorretamente proporcionado.

De quem era a culpa? Em parte, era do vice-almirante Klas Fleming, que estava presente antes de o navio zarpar, quando o capitão Söfring Hansson demonstrou a precariedade do lastro, deslocando um grupo de homens de um lado e de outro do convés para revelar o desequilíbrio. O rei teve sua parcela de culpa ao ordenar que o navio fosse aparelhado com uma quantidade inusitada de canhões grossos, extrapolando a recomendação dos armadores. O mestre carpinteiro Henrik Hybertsson também era responsável, pois, apesar de talentoso, jamais havia construído uma embarcação com dois deques de canhões. O capitão Hansson, em última instância também, pois percebeu a instabilidade e mesmo assim partiu com as portinholas dos canhões totalmente abertas, acelerando o naufrágio. Havia muitos culpados e alguns eram claramente inimputáveis, como o rei. Ninguém foi oficialmente culpado pela catástrofe, apesar do escândalo.

Ao longo de séculos, alguns canhões foram recuperados com mergulhos rudimentares, anteriores à introdução do escafandro. Com o tempo, os sedimentos cobriram o casco e o navio foi esquecido, ignorando-se a sua posição na baía. Em 1956, o pesquisador Anders Franzén, que investigara naufrágios célebres, reuniu todas as informações e evidências e iniciou uma busca pelo Vasa. Com um dispositivo caseiro de mergulho e de escavação, achou um pedaço de carvalho escurecido embaixo do fundo argiloso da baía. Dias depois, encontrou duas portinholas: o lendário navio de guerra fora descoberto.

As peculiares características do Mar Báltico permitiram que o Vasa permanecesse três séculos submerso sem se decompor: as águas salobras e a baixa temperatura impedem o desenvolvimento de microrganismos e fungos devoradores de madeira, presentes em quase todos os oceanos. Em outros mares, o casco teria se desintegrado.

De volta do passado

O navio jazia a 32 metros de profundidade. Usando escaandros, mergulhadores da Marinha cortaram seis túneis sob ele, empregando jatos de água. Cabos de aço foram enfiados pelos túneis e usados para levantar o barco do fundo. A operação era incerta e ninguém sabia se o Vasa suportaria voltar à tona.

Lentamente, num processo de 18 etapas, ao longo do qual foi sendo continuamente reforçado, o navio aflorou. Em 24 de abril de 1961, um pedaço intacto do século XVII foi trazido de volta. Nesse grande dia, os habitantes de Estocolmo encheram o porto e a cerimônia foi a primeira transmissão ao vivo da tevê sueca para toda a Europa.

Quando o Vasa foi posto a seco, surgiu um monumental quebra-cabeça para montar. Não havia desenhos da época, e os restauradores trabalharam diretamente com pedaços da madeira original. Milhares de itens (pratos, roupas, armas, moedas, garrafas, remédios, etc.) foram recuperados. Hoje, o museu dispõe de 45 mil peças avulsas. Quando afundou, o Vasa tinha quatro velas enfunadas. As outras seis foram encontradas dobradas e armazenadas. A menor, de 32 m2, toda feita de cânhamo, está exposta no museu.

No trabalho de recuperação foram resgatados os restos mortais de 16 pessoas. Nenhuma pôde ser identificada. Os investigadores batizaram os esqueletos com iniciais como A, B, C e D, mas alguns puderam ser estudados e as fisionomias, recuperadas por modelagem virtual.

“Adão”, por exemplo, era um homem de 35 a 40 anos, 1,65 metro de altura e boa saúde, marcado por um severo corte na face. “Filip” foi um marinheiro de 30 anos, 1,63 metro e dentes em bom estado, que proporcionavam um sorriso especial. Sua localização na embarcação sugere que talvez pudesse ter se salvado, mas preferiu permanecer no posto para salvar o navio. “Ylva” foi inicialmente identificado como um menino, mas na verdade era uma garota de 16 anos, com a saúde debilitada pela subnutrição e várias lesões no esqueleto.

As reconstruções faciais das vítimas do naufrágio oferecem a intrigante possibilidade de se ficar frente a frente com os atores do grande drama da cidade de Estocolmo, no século XVII. Um povo de vikings e marinheiros.