Ceticismo, cinismo, estoicismo e epicurismo eram ramos de um único caudal filosófico, que contestava o idealismo de Platão e seu discípulo Aristóteles (personagens centrais de A Escola de Atenas, de Rubens).

Quase 2.500 anos depois, as escolas filosóficas que floresceram na Grécia Antiga estão de volta, reinterpretadas, influenciando pensadores e fazendo novos seguidores em todo o mundo.

Mas por que reinterpretadas? Porque, com o passar dos séculos, todas sofreram deformações que mudaram muito o sentido de seus conceitos. O cinismo, por exemplo, não tem nada de cínico ou vigarista: deve seu nome à praça de Cynosarge, em Atenas, onde se reuniam os adeptos da escola, na falta de um lugar construído para esse fim.

O epicurismo andou em moda no último pós-guerra por sua ideia de que felicidade é viver intensamente o presente, e foi o bastante para cair no gosto dos movimentos libertários da Europa e dos Estados Unidos, onde a geração beat começava a despontar. Mas o pensamento de Epicuro (341- 270 a.C.) não tinha nada a ver com o conceito de fruição e libertinagem, associado à sua filosofia pela turma da contracultura do século 20. No século 21, o epicurismo volta a seus termos de origem: a felicidade está, sim, em viver o presente, só que não na esbórnia, mas com disciplina e moderação.

E por que estão reaparecendo filosofias tão antigas? Uma resposta, simples e direta, é que o mundo ocidental cansou das filosofias modernas. É tudo muito complicado, muito difícil, polêmico, contraditório, compreensível somente por iniciados e, mesmo para eles, em boa parte ininteligível.

Quando vislumbram caminhos no meio do matagal, elas acabam levando a becos sem saída. E não dão tréguas à dor: são pessimistas, quase sempre niilistas e atormentadas pela falta de sentido da vida e da morte.

Não há nada disso em nenhum dos grandes autores das velhas fi- losofias. Epicuro, Diógenes, Zenon de Chipre, Pirro, Sêneca, Marco Aurélio (sim, o imperador romano), Epiteto e outros tinham em comum a clareza e a simplicidade de suas ideias, nem por isso ralas ou reles. Pensavam e ensinavam para as grandes massas. Mas com boa formulação e fundamentação.

A morte, por que temê-la? A vida nos deve inspirar mais cuidado do que ela, pois enquanto estamos vivos é que podemos fazer alguma coisa por nós. Se pouco ou nada fizermos, pouco ou nada seremos. Tudo o que somos devemos a nós mesmos, graças à vida que soubermos construir. Quanto à morte, ela é simplesmente o fim – e que mal tem isso, se a vida foi bem vivida?

E os deuses, por que temê-los? Pois os deuses, se existem, estão ocupados demais com os assuntos divinos para se interessarem pelos nossos. Portanto, não têm tempo nem interesse em nos julgar e, se não nos julgam, não nos condenam. Por outro lado, se os deuses não existirem, por que temer o que não existe?

O racionalismo dos epicuristas, estoicos, cínicos e céticos vai por aí e tem tudo a ver com o pensamento histórico europeu, de Descartes a Diderot ou Wittgenstein, de Schopenhauer a Martin Heiddeger, de Nietzsche a Jean-Paul Sartre e dezenas de outros pensadores. Mas, passe numa livraria em Paris e pergunte pelos filósofos mais vendidos na atualidade. Pensées pour moi-même é um best-seller, não traduzido para o português, mas que aqui poderia chamar-se “Meus pensamentos, por mim mesmo”. É de Marco Aurélio, imperador romano, nascido no ano 121 e morto em 180, depois de um reinado de 19 anos, dos quais passou 17 em cima de um cavalo em campanhas que expandiram ainda mais o vasto império que herdara.

Marco Aurélio era estoico e escreveu já na velhice. Em seu livro há uma cena em que um ancião obser va o campo de batalha de cima de uma colina e espera até o último momento por um gesto de paz do inimigo, que não acontece. Começa o combate e, ao cair da noite, a vitória está assegurada. Volta-se, então, para seu general, Máximo, e diz: “Quando um homem sente que seu fim está próximo, ele se pergunta se sua vida teve um sentido. Vou passar à história como um filósofo, um guerreiro ou um tirano?” Dois mil anos depois, Marco Aurélio é festejado pela primeira alternativa. Seu livro faz companhia às Cartas de Sêneca, ao Manual de Epiteto, estoicos como ele, e às obras de outros pensadores da Antiguidade, dessas e de outras escolas.

Saber o que podemos fazer e o que não podemos, o que cabe a nós e o que é do destino, são ensinamentos que estão na essência do estoicismo e do epicurismo, e também têm a ver com o cinismo e o ceticismo – todos eles ramificações de um mesmo caudal que se dedicava a contestar o idealismo dogmático de Platão e Aristóteles na Grécia Antiga.

Essas filosofias eram um modo de vida. Não brilhavam por fazer grandes construções teóricas, mas por seus ensinamentos para melhorar a vida de cada um. Eram mais socráticas (“a vida é uma preparação para a morte”), mais pedagógicas que metafísicas. Filosofar não era uma especulação abstrata, um devaneio, mas uma busca por respostas práticas para as questões da vida diária. Nisso residiria a felicidade.

Uns, pedagógicos, produziam filoso- fias para a existência; os metafísicos, para a alma, que habitava em outras longitudes. No século 20, a última grande filosofia da existência imitou os pedagógicos: fez um sucesso estrondoso menos por seu edifício teórico do que por sua literatura e dramaturgia. Como romancista em A náusea e teatrólogo em Entre quatro paredes, Jean-Paul Sartre deixou mais ensinamentos para o dia a dia do que como filósofo no monumental O ser e o nada, e isso explica em grande parte sua popularidade em todo o Ocidente por quase 40 anos. Foi na literatura e no teatro que ele mostrou como viver o existencialismo. Havia, nisso, um sentido utilitário, por mais inútil que lhe parecesse a existência humana, por ele definida, na última linha de “O Ser e o Nada”, como uma “passion inutile”. Depois dele, morto em 1980, os filósofos alternativos da Antiguidade reaparecem para suprir em parte essa falta. Embora tenham pouco a ver com o pensamento sartriano, mostram algumas incríveis coincidências.

O Epicurismo

Ansiedade e estresse já eram problemas sérios na época de Epicuro (341-270 a.C.). Tal como hoje, ninguém sabia o dia de amanhã e a incerteza era causa de angústia e sofrimento. O epicurismo propunha uma nova atitude contra essa dor: procurar a felicidade. E a felicidade, para Epicuro, não estava nem no luxo nem nos prazeres da vida, mas no que ele chamou de tranquilidade da alma, que significa não sentir nem dor nem perturbação.

E como conquistar essa tranquilidade? Eliminando a principal causa de angústia: o medo. Para Epicuro, o homem tem basicamente dois tipos de medo: o de Deus e o da morte. Ambos são vencidos pela razão. O primeiro, com a compreensão de que se os deuses existem, eles têm outras coisas com que se ocupar em seus próprios planos, muito mais elevados do que o humano. Não faz sentido, para Epicuro, o divino julgar ou tratar de assuntos que cabem aos mortais pensar e resolver. Portanto, não se deve temê-los porque estão muito distantes de nós.

Resta a morte. Antes de tudo, Epicuro avisa que não é possível viver sem a ideia da morte. Tirá-la de nossa cabeça é impossível, pois se trata de uma realidade inelutável que vemos ocorrer com todos e tudo à nossa volta. Mas podemos chegar à tranquilidade diante dela compreendendo que a morte é simplesmente o nosso fim. Primeiro, de nossas atividades vitais. Segundo, de nossa própria alma, que se desagrega ao retirar-se do corpo que habitou, pois não pode sobreviver sem seu invólucro protetor. Portanto, não se deve temer a morte porque nada mais existe após o fim derradeiro. Só os deuses, se existem, vivem a vida eterna. Jamais morrem, e isso deve ser um problema para eles. Para nós, é uma falsa questão.

Epicuro não se pergunta de onde vem, então, a alma que vive em nós. É uma questão difícil, e a felicidade não quer saber de problemas. Ela consiste em não nos desesperarmos com nosso fim, mas em transformar a vida em uma festa. Não parece a Paris dos anos 20? E que tal compreender que, sem ter o que temer (dos deuses) e o que esperar (após a morte), somos então seres totalmente livres? Não parece a Paris de Jean-Paul Sartre e dos existencialistas?

Livres da angústia, podemos finalmente nos dedicar a viver o presente com todas as nossas forças. Somos mortais, mas felizes. Só que, para nos mantermos assim, precisamos distinguir muito bem nossos desejos. Há os que são naturais e precisam ser satisfeitos, como comer, beber, copular; os que são naturais, mas não necessários, como as fantasias culinárias e sexuais; e os que são vãos, como a riqueza, o poder, as honrarias, a glória. As duas últimas categorias podemos evitar, em nome da nossa felicidade. Não é que Epicuro parece um asceta? A imagem do libertino é um engano, de fato, mas Epicuro tem o mérito de inocentar o desejo, e isso o distingue de Platão e Aristóteles, para quem o desejo é um mal. Epicuro recomenda moderação, e é só.