O extraordinário potencial da energia solar – em seis horas os desertos da Terra recebem mais energia do que todos os países consomem em um ano –, ainda carece de tecnologia comercialmente viável. As alternativas disponíveis esbarram sempre na questão do preço. Libertar-se da dependência dos combustíveis fósseis continua a ser um desafi o para a humanidade. Nada, no atual quadro, consegue competir com o petróleo, o carvão ou o gás natural.

Conseguia, na verdade. O quadro já mudou. Quando se fala em energia solar, imaginam-se painéis escuros enfi leirados em desertos ou em telhados , feitos com placas de materiais semicondutores, como o silício, que captam a luz solar incidente e usam fótons (partículas elementares de luz) para gerar eletricidade. A evolução dessa tecnologia já chega a atingir, em laboratório, índices de eficiência de 40% de conversão da luz solar em eletricidade. Ainda assim ela resulta cara, devido aos custos de produção que demandam uso de silício com mais de 99,9% de pureza.

As novas linhas de pesquisa com céluas solares abriram alternativas revolucionárias para aproveitar essa energia de maneira barata. Em dezembro passado, a empresa japonesa Sphelar-Power anunciou a confecção de um tecido composto por fi os de células de silício esféricas, que permite a fabricação de roupas, cortinas e tapetes geradores de eletricidade. Amanhã, o seu suéter também poderá carregar baterias.

Desenvolvidas desde 1995 pela Kyosemi Corporation (controladora da Sphelar-Power), as células esféricas, com 1,2 milímetro de diâmetro, contornam um obstáculo importante ao aproveitamento da energia solar nos painéis de silício, o ângulo de incidência da luz do Sol. Como são redondas podem converter luz solar em qualquer ângulo, desde que haja sol.

O novo tecido abre o caminho para a fabricação de “roupas elétricas”, capazes de gerar energia e carregar aparelhos como celulares ou notebooks – inclusive biquínis. Os pesquisadores da Sphelar-Power aguardam apoio governamental para aprimorar o produto e planejam confeccionar as primeiras peças feitas até 2015.

Outra linha de pesquisa avança com novas células solares de película fi na feitas de polímeros orgânicos (compostos químicos com unidades estruturais que se repetem com as mesmas características). Bem mais leves, fl exíveis e fi nas – com espessura de até 1 mícron, ou milionésimo de metro, ante 350 mícrons das células de silício dos painéis fotovoltaicos tradicionais –, as células finas produzem energia a custo mais barato, oferecem uma ampla variedade de confi gurações e podem ser fabricadas em escala maciça, permitindo alcançar viabilidade comercial com um percentual de eficiência de apenas 10% de conversão de luz solar em eletricidade.

Estudos sobre células solares de polímeros são desenvolvidos, atualmente, em vários países, como Áustria, Alemanha, Reino Unido, Austrália, Estados Unidos, Canadá, China e Japão. Os EUA abrigam algumas das estrelas da área, como o grupo comandado pelo professor de física David Carroll, da Universidade de Wake Forest, na Carolina do Norte, que criou, em 2011, o primeiro polímero a absorver simultaneamente o calor e a luz do Sol.

Na Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), a equipe liderada pelo professor de engenharia e ciência dos materiais Yang Yang conquistou notoriedade ao anunciar na revista Nature Photonics, em fevereiro de 2012, a criação de uma célula solar de plástico que converte mais de 10% da luz solar captada em eletricidade.

Dois andares

 

O feito de Yang Yang foi conseguido com o acoplamento de duas camadas de material (uma absorve a luz no espectro visível, enquanto a outra absorve raios infravermelhos), entre as quais é colocada uma camada intermediária. A ideia, que já havia rendido ao grupo da Ucla um desempenho recorde de 8,62% de efi ciência, em julho de 2011, foi aprimorada a partir de um novo polímero de absorção de infravermelho desenvolvido por uma empresa japonesa. Com ele chegouse a 10,6% de eficiência, segundo o Laboratório Nacional de Energia Renovável do Departamento de Energia dos EUA.

“Imagine um ônibus de dois andares”, disse Yang Yang, na ocasião. “O ônibus só pode transportar um certo número de pessoas num dos andares, mas se incluir um segundo nível, você pode ter mais pessoas no mesmo espaço. Foi o que fizemos com a célula solar de polímero.”

O custo da célula com camadas acopladas é reduzido porque os polímeros podem ser dispostos numa superfície por meio de um processo de impressão parecido com o utilizado por impressoras a jato de tinta. O maior problema dessa técnica é o risco de que as camadas se misturem, mas Yang não se preocupa com isso. Para ele, o fato de a tecnologia empregada ser muito barata e compatível com a indústria existente torna factível alcançar a viabilidade comercial em alguns anos.

No fim de julho, Yang Yang e sua turma reapareceram no noticiário com outra inovação de impacto, divulgada pela revista ACS Nano: células que absorvem apenas a luz infravermelha para gerar eletricidade e apresentam quase 70% de transparência. As propriedades do novo material permitem que ele seja laminadas em qualquer vidro ou janela, o que permitiria a edifícios, automóveis e até monitores eletrônicos se tornar fontes de energia.

“Uma película solar coleta luz e a converte em eletricidade”, observa Yang. “Em nosso caso, coletamos somente a parte infravermelha.” Graças a isso, o material não precisa ser escuro ou azul, como a maioria dos painéis de silício. Pode ser claro. Outra novidade está no eletrodo, o condutor elétrico usado para fazer contato com a parte não metálica de um circuito. Yang inventou um eletrodo novo para sua célula, composto por nanofios de prata com cerca de 0,1 mícron de espessura e nanopartículas de dióxido de titânio. O resultado é um artefato tão pequeno que o olho humano mal consegue registrá-lo. Aplicado a uma superfície plana e dura, ele fica praticamente invisível aos olhos.

Já existem películas solares aplicáveis a janelas, utilizáveis apenas naquelas que podem ser escurecidas. Vários prédios usam janelas escurecidas como forma de reduzir a radiação infravermelha e, assim, evitar o excesso de calor. Como absorve especificamente a luz infravermelha, a nova película transparente da Ucla mata três coelhos com uma só cajadada: corta as contas de ar-condicionado, gera eletricidade e ainda deixa as janelas claras.

A opção por obter energia usando radiação infravermelha não tem apenas vantagens. A tecnologia desenvolvida pela equipe de Yang converte apenas 6% da luz solar em energia. Mas o pesquisador observa que seu polímero capta menos de 1/3 da luz infravermelha disponível. “Nossa eficiência pode dobrar ou quase triplicar no futuro. Existem algumas limitações, mas deveremos chegar a 10% nos próximos três ou cinco anos.”

Eficiência e baixo custo

 

Um mês depois do anúncio da invenção da nova célula solar da UCLA, pesquisadores da Universidade de Tecnologia do Sul da China (Scut, na sigla em inglês), em Guangzhou, trabalhando em conjunto com as empresas americanas Phillips 66 e Solarmer, divulgaram na revista Nature Photonics a construção de uma célula solar de polímero que atingiu eficiência certificada de 9,31% de conversão, com boas chances de evoluir rapidamente.

A inovação conseguida pelo grupo reside não apenas na célula, mas também na tecnologia desenvolvida para a interface das camadas, que reduz a instabilidade comum das células e aumenta sua eficiência. O novo artefato também é compatível com a produção industrial, o que facilita a obtenção de alta eficiência e baixo custo.

De acordo com o professor Hongbin Wu, líder da pesquisa, a tecnologia tem custo tão baixo que nem exige que a efi ciência aumente muito; um índice de conversão da luz solar entre 5% e 8% já bastaria para viabilizá-la comercialmente. Mas, segundo os pesquisadores, a marca de 10% de efi ciência deve ser atingida ainda este ano. Além disso, a semitransparência do produto o torna aproveitável em pontos como janelas e cortinas.

Em novembro, pesquisadores da Universidade de Princeton (EUA) liderados pelo professor de engenharia Stephen Chou divulgaram na edição online da revista Optics Express a criação de outra tecnologia capaz de triplicar a efi ciência das células solares orgânicas. Com o auxílio da nanotecnologia, os pesquisadores criaram um “sanduíche” de metal recheado por uma película ultrafi na de células que reduz a refl exão e otimiza a captura da luz recebida. O novo composto permite a confecção de uma célula capaz de absorver até 96% da luz solar, mesmo quando não direcionada diretamente para o Sol.

No balanço geral, o índice de conversão geral da tecnologia de Princeton é 175% superior ao de suas concorrentes. De acordo com Chou, o sistema criado pela sua equipe está praticamente pronto para a utilização comercial – descontando-se, ressalta, um “período de transição” necessário para adaptar a pesquisa do laboratório para a produção em massa.

A versatilidade das células de polímeros e a rapidez com que sua tecnologia evolui delineiam um futuro em que o aproveitamento da energia solar na geração de eletricidade será generalizado e corriqueiro. Para chegar lá, porém, ainda serão necessárias transformações substanciais no modo como a energia é produzida.

“Para o futuro, devemos pensar em como coletar energia quando e onde for possível”, avalia Yang Yang. “Se pudermos mudar o conceito de que a energia tem de vir de uma única fonte, da empresa de energia, e aceitarmos que o suprimento não deve ser sujeito às limitações da rede elétrica, uma série de coisas novas poderá acontecer.”