Para ex-comandante das forças dos EUA na Europa, Exército russo já passou do auge de sua eficácia na Ucrânia, e até o fim do ano, Kiev poderia recuperar o território perdido − se o Ocidente fornecer armas suficientes.Em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, os combates entre os exércitos russo e alemão no sul da Ucrânia duraram meses, até que os alemães finalmente se retiraram para o lado oeste do rio Dnieper no início de novembro. O Exército alemão já havia sido derrotado em Stalingrado e se reuniu no que ficou conhecido como Grupo de Exército Sul, sob o comando do marechal de campo Erich von Manstein, um nazista convicto.

“A Wehrmacht (Forças Armadas da Alemanha nazista) teve que enviar centenas de milhares de soldados apenas para proteger as linhas ferroviárias na Ucrânia e em Belarus”, lembra-se o general da reserva dos EUA e ex-comandante supremo das forças americanas na Europa Ben Hodges, em entrevista à DW. A logística é, em última análise, decisiva para a guerra, enfatiza.

Hodges faz uma comparação com a guerra da Rússia contra a Ucrânia e os ataques ucranianos bem-sucedidos. Como foi o caso recentemente no aeródromo de Saki, na península da Crimeia, anexada pela Rússiaem 2014. Ou quando a artilharia ucraniana atingiu mais de 50 depósitos de munição russos e unidades de comando nas áreas da Ucrânia ocupadas pelos russos nas últimas semanas.

“Os russos nem sequer têm pessoal ou habilidades suficientes para proteger sua logística operacional”, afirma Hodges. “Isso mostra que eles são vulneráveis. Também mostra que seu sistema logístico está esgotado.”

Reabastecimento é tão crucial hoje quanto foi na 2ª Guerra

A comparação histórica é difícil. Naquela época, a Wehrmacht estava travando uma guerra brutal de extermínio, impulsionada pela ideologia nazista. E as dimensões também são diferentes: o Exército Vermelho perdeu 1,2 milhão de soldados, mortos ou feridos, somente ao avançar sobre o rio Dnieper.

No início de sua invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, o Kremlin levou 150 mil soldados até a fronteira ucraniana. Mas as enormes dimensões geográficas da Ucrânia por si só representam hoje para os militares problemas semelhantes aos enfrentados na Segunda Guerra Mundial quando se trata de garantir suprimentos.

A Rússia agora é extremamente vulnerável nesse ponto, diz Hodges. Junto com outros ex-militares, políticos e analistas do governo dos Estados Unidos, ele pleiteia para a Ucrânia sistemas de armas de curto alcance ainda mais inteligentes, como o ATACMS (Army Tactical Missile System), com alcance de 300 quilômetros. Esse míssil também pode ser disparado pelas armas de artilharia Himars dos EUA, que recentemente foram as mais bem-sucedidas na Ucrânia contra as forças russas.

No fim de julho, congressistas democratas e republicanos sinalizaram seu apoio a essa medida. Em meados de agosto, no entanto, o ministro da Defesa ucraniano, Oleksiy Resnikov, deixou claro que Washington ainda não havia entregado nenhum míssil ATACMS. A suspeita de que isso já tivesse ocorrido surgiu após o bombardeio bem-sucedido de alvos russos na Crimeia − a 210 quilômetros da linha de frente mais próxima em Kherson.

Ataque nuclear russo é “improvável”

Sobretudo o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, até agora se mostrou relutante sobre entregar tais sistemas de armas, por medo de uma escalada.

Mas a Rússia não tem outra maneira de escalar o conflito do que usanddo uma arma nuclear, argumenta Hodges, o que ele considera “extremamente improvável”. Simplesmente porque não há alvos na Ucrânia “que mudariam o campo de batalha de maneira favorável para os russos”, diz. Hodges acredita que o uso de um míssil nuclear tático ainda menos destrutivo na Ucrânia resultaria imediatamente na entrada dos Estados Unidos e do Reino Unido na guerra.

Assim, a guerra da Rússia contra a Ucrânia será decidida convencionalmente, acredita. É por isso que a Ucrânia precisa de equipamentos militares mais modernos e treinamento para soldados.

Há meses, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, vem anunciando uma contraofensiva no sul da Ucrânia. Mas até agora o equipamento militar não é suficiente para isso, diz Nico Lange, especialista em Ucrânia e em segurança, que no último governo da chanceler federal alemã Angela Merkel assessorou a ex-ministra da Defesa Annegret Kramp-Karrenbauer.

A Ucrânia ainda não tem “veículos blindados suficientes e dispõe de tanques de batalha insuficientes para realmente reconquistar território decisivo neste vasto terreno da estepe no sul da Ucrânia com um grande contra-ataque”, considera. O Exército ucraniano está atualmente “criando as condições” para tal ofensiva, disse Lange à DW.

Acima de tudo, o especialista critica a relutância da Alemanha em enviar armas pesadas para a Ucrânia. “Perdeu-se tempo e, claro, você precisa de um prazo de logística e treinamento para a entrega de veículos blindados, por exemplo. Agora que a Ucrânia tem uma chance, não chegou ajuda suficiente. Isso é muito lamentável.”

“Alemanha perderá respeito se não deixar claro que está ajudando”

Então, os ataques com foguetes à logística ferroviária e a instalações de comando e comunicação do Exército russo nos territórios ocupados são preparativos para a grande manobra de libertação no sul da Ucrânia?

Em meados de agosto, o prefeito de Kiev, Vitaly Klitschko, escreveu no Twitter: “Não esteja onde seu oponente está esperando por você. Esteja onde seu oponente não está esperando que você esteja. Seja ágil.”

A comunicação das elites ucranianas aparentemente visa confundir o inimigo durante a preparação para a operação de libertação. Mas isso não pode acontecer sem o equipamento necessário, critica Lange.

“Na Alemanha, nos últimos meses, foi dito com frequência que os ucranianos não podem aprender rapidamente a operar sistemas de armas ocidentais, como os veículos de combate Marder, Fuchs e Gepard. Com o Himars americano, eles provaram que isso pode ser feito muito rapidamente. Agora eles precisariam de blindados como o Marder.”

De fato, muitos soldados ucranianos atualmente precisam se deslocar para as linhas de frente em picapes ou outros veículos comuns. Portanto, sem blindagem e, assim, sofrendo muitas perdas.

Hodges também pede mais tanques alemães. “A Alemanha deve deixar claro que está ajudando a Ucrânia a derrotar a Rússia”, diz. Caso contrário, ninguém mais respeitará o país: “A Rússia não respeitará a Alemanha. Outros países europeus não respeitarão a Alemanha.”

Vitória ucraniana até o fim do ano?

Hodges considera não é mais hora de ajudar a Ucrânia apenas com “porções de colher de chá”, mas de entregar tudo o que for possível. Só assim o país poderia libertar as áreas ocupadas desde 24 de fevereiro pelas tropas do Kremlin até o fim do ano, e depois a Crimeia e o Donbass, possivelmente por meio de negociações nos próximos um ou dois anos, diz o general da reserva.

Ele acredita que, enquanto para o exterior parece que a Ucrânia enfrenta um impasse, Kiev está usando o tempo para “montar uma tropa até que esteja preparada, treinada e poderosa o suficiente”.

Para Hodges, é claro que, de acordo com a teoria do major-general prussiano e teórico da guerra Carl von Clausewitz, as forças armadas de Putin na Ucrânia chegaram ao “ponto culminante”. O Exército do Kremlin passou do ponto em que “não pode mais avançar na ofensiva”. O Exército da Rússia não tem os recursos, nem pessoal, nem energia para outra grande ofensiva, “por qualquer que seja o motivo”, diz.

Cada ataque bem-sucedido a um depósito de munição ou posto de comando faz com que o Exército russo recue cada vez mais seus pontos de abastecimento, o que, segundo Hodges, “torna as coisas ainda mais difíceis para a Rússia porque os caminhões com a munição agora precisam andar mais”.

Quando o Exército ucraniano estiver forte o suficiente e a infraestrutura da Rússia estiver suficientemente enfraquecida, então, de acordo com o americano, a Ucrânia “lançará o grande contra-ataque”.