Uma equipe internacional de pesquisadores liderada pelo professor Lee Berger, da Universidade de Witwatersrand (mais conhecida como Wits University, na África do Sul), revelou o primeiro crânio parcial de uma criança Homo naledi encontrado nas profundezas remotas da Caverna Rising Star no Sítio do Berço da Humanidade, Patrimônio Mundial da Humanidade, perto de Joanesburgo.

A equipe de 21 pesquisadores da Wits University e de 13 outras universidades descreveu o crânio e seu contexto em dois artigos separados na revista de acesso aberto Paleoanthropology. Ali os cientistas falam da descoberta de partes do crânio e dentes da criança que morreu há quase 250 mil anos, quando tinha aproximadamente 4 a 6 anos.

O primeiro artigo, cuja autora principal é a professora Juliet Brophy, da Wits e da Universidade Estadual da Louisiana(EUA), descreve o crânio. Já o segundo artigo, que tem a drª Marina Elliott, exploradora da National Geographic, como autora principal, descreve o contexto da área e circunstâncias em que o crânio foi descoberto.

A criança foi encontrada em uma passagem extremamente remota do sistema de cavernas Rising Star, cerca de 12 metros além da Câmara Dinaledi, o local original da descoberta dos primeiros restos de Homo naledi, revelados ao mundo em 2015 .

Compreensão mais complexa

“O Homo naledi continua sendo um dos parentes humanos antigos mais enigmáticos já descobertos”, disse o professor Lee Berger, líder do projeto e diretor do Centro de Exploração da Jornada Humana Profunda da Wits University e explorador da National Geographic Society. “É claramente uma espécie primitiva, existindo em uma época em que pensávamos que apenas os humanos modernos existiam na África. Sua própria presença naquela época e nesse lugar torna mais complexa nossa compreensão de quem fez o que primeiro no que diz respeito à invenção de culturas complexas de ferramentas de pedra e até mesmo práticas rituais.”

Quase 2 mil fragmentos individuais de mais de duas dúzias de indivíduos em todos os estágios da vida do Homo naledi foram recuperados desde que o sistema de cavernas Rising Star foi descoberto, em 2013.

“Isso torna esse o local mais rico para fósseis de hominídeos no continente africano e torna o naledi uma das espécies de hominídeos antigos mais conhecidas já descobertas”, disse o professor John Hawks, antropólogo biológico e principal autor de um estudo anterior sobre o esqueleto fóssil de um naledi macho apelidado de “Neo”, também encontrado na caverna Rising Star.

O crânio da criança apresentado no presente estudo foi recuperado durante um trabalho posterior nos espaços apertados da caverna em 2017. O crânio da criança foi encontrado sozinho, e nenhum resto de seu corpo foi recuperado.

Visão de estágios de vida

A equipe chamou a criança de “Leti”, referência à palavra setswana letimela, que significa “a perdida”. O crânio de Leti consiste em 28 fragmentos de crânio e seis dentes. Quando reconstruído, ele mostra as órbitas frontais e o topo do crânio com alguma dentição.

“Não havia partes replicantes quando remendamos o crânio e muitos dos fragmentos foram reajustados, indicando que todos vieram de uma criança individual”, afirmou o dr. Darryl de Ruiter, paleoantropologista que já conduziu um estudo do crânio adulto de Homo naledi e é coautor do artigo.

“Este é o primeiro crânio parcial de uma criança Homo naledi já recuperado, e isso começa a nos dar uma visão de todos os estágios da vida dessa espécie notável”, disse a professora Juliet Brophy, que conduziu o estudo sobre o crânio e a dentição de Leti.

A descoberta de um crânio de criança hominídea é um achado extremamente raro no registro fóssil, uma vez que os restos jovens tendem a ser finos e extremamente frágeis. “Ter o crânio associado a dentes do mesmo indivíduo é extremamente importante para a compreensão do crescimento e desenvolvimento dessa espécie”, observou Christopher Walker, especialista em crescimento e desenvolvimento.

O tamanho do cérebro de Leti é estimado em cerca de 480 a 610 centímetros cúbicos. “Isso teria sido em torno de 90% a 95% da capacidade do cérebro adulto”, afirmou a drª Debra Bolter, coautora do artigo e especialista em crescimento e desenvolvimento. “O tamanho do cérebro de Leti o torna muito comparável ao de membros adultos da espécie encontrados até agora”, disse Bolter.

Marina Elliott explora o sistema de cavernas Rising Star em Joanesburgo. Crédito: Wits University
Passagem estreita

A idade dos restos mortais de Leti ainda não foi estabelecida. No entanto, como outros fósseis de Homo naledi foram encontrados na Câmara de Dinaledi, ali perto, e datados de 335 a 241 mil anos atrás, Tebogo Makhubela, parte da equipe geológica que investiga a descoberta, acredita que é provável que Leti seja de um período semelhante, com base na preservação e proximidade.

Os restos mortais de Leti foram descobertos em uma passagem estreita que mede apenas 15 centímetros de largura e 80 centímetros de comprimento e foi localizada um pouco além de uma área chamada “Câmara do Caos”.

“A área onde Leti foi encontrada faz parte de uma teia de passagens estreitas”, disse Maropeng Ramalepa, membro da equipe de exploração responsável por trazer os restos mortais à superfície.

A drª Marina Elliott, um dos “Astronautas Subterrâneos” originais da primeira expedição na caverna Rising Star que originariamente descobriu Homo naledi e líder da equipe de escavação que recuperou Leti, descreveu o desafio de escavar esse crânio como “muito difícil”. “Esse foi um dos locais mais desafiadores com fósseis de hominídeos que tivemos que encontrar no sistema Rising Star”, afirmou ela.

Enigmas adicionais

Desde sua descoberta, o sistema de cavernas Rising Star tornou-se um dos locais mais prolíficos de descoberta de fósseis de hominídeos no mundo. Segundo Berger, o trabalho está continuando em todo o sistema de cavernas e em breve novas descobertas provavelmente lançarão mais luz sobre se essas câmaras e passagens são de fato um cemitério de Homo naledi, como a equipe originariamente supôs.

“Não acredito que exista outro sítio como o Rising Star”, afirmou o professor Steve Churchill, paleoantropólogo e coautor dos dois artigos. “Esta é agora a terceira localidade que descrevemos desse sistema com vestígios de naledi, e sabemos através da exploração que existem outras localidades.”

Sem sinais de danos causados por carnívoros ou outros predadores, e sem evidências de o crânio ter sido arrastado para a passagem estreita, a equipe não sabe como o crânio de Leti parou, sozinho, em uma parte tão remota e inacessível do sistema. Os autores levantam a hipótese de que é provável que outros membros de sua espécie estivessem envolvidos no crânio, chegando a um local tão difícil.

“A descoberta de um único crânio de criança, em um local tão remoto dentro do sistema de cavernas, adiciona mistério sobre como esses muitos restos vieram a estar nesses espaços remotos e escuros do sistema da Caverna Rising Star”, disse Berger. “É apenas mais um enigma entre muitos que cercam esse fascinante parente humano extinto.”