Uma nova pesquisa publicada na revista “Journal of Vertebrate Paleontology” descreve um mamífero bizarro de 66 milhões de anos que fornece novos e profundos conhecimentos sobre a história evolutiva dos mamíferos do supercontinente meridional de Gondwana – reconhecido hoje como África, América do Sul, Austrália, Antártida, o subcontinente indiano e a Península Arábica.

A descoberta recebeu o nome Adalatherium, que, traduzido das línguas malgaxe e grego significa “besta louca”. O animal é descrito com base em um esqueleto quase completo e primorosamente preservado, o mais completo para qualquer mamífero já descoberto no hemisfério sul antes da extinção dos dinossauros.

A pesquisa, realizada ao longo de 20 anos, demonstra que o adalatério era um “gigante” em relação à maioria dos mamíferos do tamanho de musaranhos ou camundongos que viveram durante o período Cretáceo.

Suas características “bizarras” incluem mais vértebras do tronco do que a maioria dos outros mamíferos e membros posteriores musculosos colocados em uma posição mais ampla (semelhante aos crocodilos modernos). Elas se somam a pernas dianteiras fortes e rápidas que eram dobradas debaixo do corpo (como visto na maioria dos mamíferos hoje), dentes da frente como os de um coelho e dentes de trás completamente diferentes dos de qualquer outro mamífero conhecido, vivo ou extinto. Além disso, havia uma estranha lacuna nos ossos na parte superior do focinho.

Grandes diferenças

Uma equipe de 14 pesquisadores internacionais liderados pelo dr. David Krause (Museu de Natureza e Ciência de Denver, EUA) e pela drª Simone Hoffmann (Instituto de Tecnologia de Nova York, EUA) publicou a descrição abrangente e a análise desse mamífero do tamanho de um gambá que viveu entre dinossauros e crocodilos enormes perto do fim do período Cretáceo (145 a 66 milhões de anos atrás) em Madagascar. O anúncio inicial da descoberta foi feito na revista “Nature” no começo deste ano.

O adalatério pertence a um grupo extinto de mamíferos conhecidos como gondwanaterianos. Descobertos pela primeira vez na década de 1980, até recentemente eles eram representados apenas por alguns dentes isolados e fragmentos de mandíbula. Mas mesmo esses parcos restos já indicavam que os gondwanaterianos eram muito diferentes de outros mamíferos contemporâneos. Tantos mistérios cercavam os gondwanaterianos que não estava claro como eles se encaixavam na árvore genealógica dos mamíferos.

Agora, os pesquisadores apresentam o primeiro esqueleto desse misterioso grupo que já percorreu grande parte da América do Sul, África, Madagascar, o subcontinente indiano e até mesmo a Antártida.

A integridade e a excelente preservação do esqueleto do adalatério abrem novas janelas para a aparência dos gondwanaterianos e como eles viviam. Mas as características bizarras do animal ainda deixam a equipe perplexa.

Fósseis do adalatério: esqueleto em excelente estado de preservação. Crédito: Simone Hoffmann e Kathrine Pan
Normalidade superficial

“Sabendo o que sabemos sobre a anatomia esquelética de todos os mamíferos vivos e extintos, é difícil imaginar que um mamífero como o Adalatherium pudesse ter evoluído; ele dobra e até quebra muitas regras”, explica Krause.

Embora a reconstrução natural do adalatério seja superficialmente semelhante à de um texugo comum, sua “normalidade” é superficial. Abaixo da superfície, seu esqueleto é nada menos que estranho.

“O Adalatherium é simplesmente estranho”, diz Hoffman. “Tentar descobrir como ele se movia, por exemplo, foi um desafio, porque sua parte frontal está nos contando uma história completamente diferente da parte posterior.”

As musculosas patas traseiras e as grandes garras nas patas traseiras podem indicar que o adalatério era um escavador poderoso (como texugos). Mas suas patas dianteiras eram menos fortes e são mais semelhantes às dos mamíferos vivos que podem correr com rapidez.

Os membros do adalatério também indicam que sua postura era um híbrido entre mamíferos vivos e parentes mais antigos. Seus membros anteriores eram dobrados sob o corpo (como visto na maioria dos mamíferos hoje). Já seus membros posteriores eram mais extensos (como nos crocodilos e lagartos).

Estranheza ainda maior

Os dentes do adalatério, reconstruídos por meio de microtomografia computadorizada de alta resolução e modelagem digital extensa, são indicativos de que ele era herbívoro. Mas vão além em termos de bizarrice.

Não só ele tinha dentes frontais sempre crescentes, semelhantes aos de coelho ou roedor. Seus dentes de trás diferiam completamente dos de qualquer outro mamífero conhecido, vivo ou extinto. Se apenas esses dentes tivessem sido encontrados, o mistério do que era esse animal provavelmente não teria sido resolvido. Somado ao aparente caos, há um buraco no topo do focinho para o qual simplesmente não há paralelo.

Mais ou menos do tamanho de um gambá-da-virgínia (Didelphis virginiana), o adalatério de 3,1 kg era muito grande para a época. Embora não seja particularmente grande para os padrões atuais, era um gigante comparado à maioria dos mamíferos do tamanho de musaranhos e ratos que viviam no Cretáceo.

Pistas geológicas

A história geológica de Gondwana fornece pistas sobre por que o adalatério era tão bizarro. Ele foi encontrado em rochas datadas de quase o final do Cretáceo, cerca de 66 milhões de anos atrás. Nessa época, Madagascar já era uma ilha separada da África havia mais de 150 milhões de anos e do subcontinente indiano havia mais de 20 milhões de anos. “As ilhas são estranhas”, diz Krause, “e, portanto, houve bastante tempo para o Adalatherium desenvolver suas muitas características extraordinariamente peculiares de forma isolada.”

“O Adalatherium é uma peça importante em um quebra-cabeça muito grande sobre a evolução dos primeiros mamíferos no hemisfério sul, no qual a maioria das outras peças ainda está faltando”, acrescenta Hoffmann.

Mais do que tudo, a descoberta do adalatério ressalta o quanto ainda falta aprender com as novas descobertas dos primeiros mamíferos em Madagascar e em outras partes do hemisfério sul.