“E agora, o que devo fazer?” Praticamente todos nós já nos fizemos uma pergunta como essa, ao nos depararmos com uma situação difícil de superar. A dúvida, o dilema e o medo de tomar a decisão errada, ou a aparente falta de opção podem aparecer como principais entraves para qualquer iniciativa. Quando a própria vida nos desafia, é muito comum ficarmos paralisados, perplexos, impotentes diante do que momentaneamente se impõe como obstáculo.

Como dividir com os amigos essa aflição, quando muitas vezes nossos entes queridos estão implicados na questão e tememos machucá-los ou decepcioná-los? Como levar nossos problemas aos outros, se não queremos expor nossas vidas e nossas fraquezas? Além disso, mesmo que as outras pessoas apontem soluções, não conseguimos enxergar em nenhuma delas a verdadeira saída. Pensamos que “falar é fácil, fazer é que é difícil”. Nosso desespero se agrava mais ainda quando, além de termos de tomar uma decisão, ainda nos preocupamos com as consequências de nossos atos – com os efeitos deletérios de uma escolha ruim ou de uma ação incorreta. Sentimo-nos sozinhos e impotentes para agir e para reagir contra as vicissitudes que desafiam a vida.

Quem, então, pode nos socorrer? Os amigos, os parentes, o padre, o pastor, os guias espirituais, os orixás, os santos, o anjo da guarda, Deus…? Como fugir das próprias prisões psicológicas? Como sair da sinuca do jogo existencial? Todas essas questões vêm à mente quando somos confrontados por grandes problemas de saúde, dificuldades financeiras, relacionamentos amorosos complicados, dramas familiares e profissionais conturbados. Só então somos naturalmente obrigados a pensar em nossa vida – forçados, na verdade, a repensá-la.

Viver é ter de tomar decisões e agir sempre. Decidir nada fazer já é uma ação que terá implicações, inevitavelmente. Por isso, quando diante da nossa vida abrem-se novas possibilidades, quando as portas se fecham para nossos objetivos e quando a vida parece dizer “não” aos nossos sonhos, é preciso que não estejamos acelerados demais; é preciso pisar no freio e reduzir a marcha. Eis aí uma estratégia que poderá promover a grande mudança de que precisamos, que nos porá de volta à estrada e desencadeará nosso turning point. Tal estratégia exigirá de nós desaceleração, introspecção e tempo para pensar e decidir. Porém, nem sempre sabemos como fazer isso ou pior, nem sempre há tempo para isso.

Parar para pensar

Vivemos em época de grande correria e estresse. Há muito já não somos mais visitados por grandes mestres, em carne e osso ou em aparições, mesmo quando oramos ou meditamos. Entretanto, ainda podemos recorrer aos ensinamentos legados por aqueles que já deixaram um rastro de sabedoria e de bênçãos visível do Oriente ao Ocidente. A coragem que nos fará reagir contra os obstáculos, ou a sabedoria que nos ensinará a esperar pacientemente uma resposta ou solução do problema, poderá encontrar ali sua fonte de inspiração. Grandes mestres como Krishna, Buda e Jesus são, sem dúvida, os mais procurados nas horas difíceis, mas não estão sozinhos no rol dos conselheiros dos homens em seus momentos de aflição. O sábio chinês Lao Tsé, que viveu entre os séculos 7 e 6 a.C, deixou seus ensinamentos registrados em 81 aforismos, no livro intitulado Tao Te King (O Caminho do Sábio), no qual podemos encontrar: “Quem de boa vontade carrega o difícil supera também o menos difícil. Quem sempre conserva a quietude é senhor também da inquietude. Por isso o sábio carrega de boa mente o fardo da sua jornada.”

O taoísmo, a doutrina baseada nos ensinamentos de Lao Tsé, assim como todo o sistema filosófico oriental, fundamenta-se não no raciocínio lógico da filosofia ocidental e sim em intuições ou percepções sutis que desafiam nossa racionalidade. O wu-wei (“ação na inação”, prática encontrada no zen-budismo) é um de seus princípios: “Agi pelo não agir! Sede ativos na inatividade! (…) Achai gosto no desgosto! O sábio prevê as dificuldades, por isso as supera”, diz o aforismo 63 do Tao Te King. Isso significa enfrentar o obstáculo na quietude estratégica de simplesmente “esperar passar”.

Resistência cívica

Mohandas Karamchand Gandhi, o Mahatma Gandhi, como ficou conhecido, lutou incansavelmente para libertar a Índia do domínio britânico. Sua vitória política foi parcial, mas sua vitória existencial foi total. Embora seu país liberto tenha sido dividido em Índia e Paquistão, sua atuação como seguidor de ahimsa (não violência) ficou para sempre nos anais da história e inspira tanto grandes líderes políticos quanto homens comuns em busca de vida íntegra e consciência tranquila. Gandhi deixou exemplos em ações e palavras. Dele ouvimos: “O tempo dos milagres não acabou. Com alguma fé em Deus e em sua proteção, estamos garantidos contra os sofrimentos insuportáveis. Aquele que resiste civicamente pode ter a certeza de que Deus o protegerá no momento difícil.”

Aos que se sentem impotentes diante da adversidade, Gandhi reservou uma frase certeira: “Minha religião ensina-me que, quando a dor é insuportável, é preciso jejuar e orar.” Foi exatamente assim que o Mahatma (palavra que significa “Grande Alma”) derrotou um império.

Oceano de sabedoria

Vivendo exilado em Dharamsala (Índia) desde 1959, Tenzin Gyatso, o 14º dalai lama (dalai quer dizer “oceano” e lama, “sabedoria” – portanto, “oceano de sabedoria”), resiste contra o regime político ditatorial da China e, de lá, manda mensagens de paz e resistência aos seguidores do budismo tibetano e a todos que simpatizam com sua causa, seu trabalho ou sua vida harmoniosa e disciplinada.

O dalai lama sempre é visto sorridente e sereno, como um verdadeiro “oceano de sabedoria”. Suas palavras servem como fonte de revigoramento e alívio a milhões no mundo inteiro. Dentre elas, temos: “Desenvolver força, coragem e paz interior demanda tempo. Não espere resultados rápidos e imediatos, sob o pretexto de que decidiu mudar. Cada ação que você executa permite que essa decisão se torne efetiva dentro de seu coração.” Outro exemplo: “Só há dois dias no ano em que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã. Portanto, hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e, principalmente, viver.”

Sabemos muito bem que, mundo afora, há pessoas travadas no hoje simplesmente porque se ocupam em lembrar o ontem ou se preocupam demais com o amanhã. E outras tantas que deliberam em suas vidas mudanças radicais que jamais podem ser efetivadas, em vista de fatores que muitas vezes (ou quase sempre) independem delas mesmas.

Literatura inspiradora

Nascido em 1926, o guru indiano Sathya Sai Baba tem muitos de seus dons e proezas descritos no livro O Homem dos Milagres (Editora Record), do escritor australiano Howard Murphet. O professor e escritor José Hermógenes de Andrade Filho, um dos pioneiros no ensino de ioga no Brasil, ficou tão impressionado com o mestre indiano que se tornou seu discípulo. Um de seus ensinamentos é: “Sempre existirão a dor e a preocupação de um tipo ou de outro. Ponham sua fé no Senhor, cumpram seu dever e dediquem a Ele, e desaparecerão tristezas e inquietudes.” Outro conselho: “A fé não é uma garantia de que não haverá morte ou maldade no mundo, nem dores na vida. A vida não foi criada para ser um mar de rosas e um depósito de riquezas. A fé habilita o devoto a ver o que a vida é, qual o plano de Deus, e melhorar a própria maneira de encarar a vida.”

A boa literatura, mesmo a mais despretensiosa em questões espiritualistas, também serve de força transformadora da vida de muitos que não professam nenhuma fé, mas sentem necessidade de uma palavra encorajadora. Um dos livros que cumprem muito bem esse papel é A História de Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach. A gaivota Fernão não se contenta em ser mais uma no bando; quer conhecer novas paisagens, ampliar seu horizonte existencial. Quantos de nós não sentimos ímpetos de voos mais audaciosos? Quantos não se sentem presos, acorrentados a uma existência pequena e inexpressiva, enquanto a vida parece chamar para grandes aventuras?

“Tens alguma ideia de por quantas vidas tivemos de passar até chegarmos a ter a primeira intuição de que há na vida algo mais do que comer, ou lutar, ou ter uma posição importante dentro do bando?” Eis uma das questões importantes dessa obra. Infelizmente, para muitos, “comer” e “ter uma posição social de destaque” ainda são as preocupações mais relevantes. Muitos nem se deram conta de que “podemos subtrair-nos à ignorância, podemos encontrar-nos como criaturas excelentes, inteligentes e hábeis. Podemos ser livres! Podemos aprender a voar!” Fernão foi repreendido, discriminado e enxotado do bando por causa dessa busca maior, desse afã indomável em sua alma, mas retornou vitorioso, realizado e feliz.

Arte transcendental

A música também é uma aliada nos momentos de tristeza ou solidão, preenchendo tanto o vazio interior quanto o exterior com acordes benfazejos e palavras revigorantes. Não somente a música erudita, mas qualquer música popular pode elevar o espírito. Por exemplo, a música “Let it be”, dos Beatles, não inspiraria uma espécie de wu-wei no ouvinte abatido in times of trouble (em tempos difíceis), em sua hour of darkness (hora da escuridão), como diz a canção? As palavras usadas pelo compositor Paul McCartney na canção não seriam verdadeiras words of wisdom (palavras de sabedoria)?

Na verdade, a arte como um todo, tanto sua criação quanto sua apreciação, pode fazer ascender mesmo aqueles que momentaneamente se sentem os mais ínfimos dos mortais. A arte aponta para a transcendência e transcende a realidade opressora, colocando o observador diante do sublime.

Voz interior

Outra fonte de ajuda é a prática da meditação e dos exercícios de ioga, que causa um salutar mergulho em nós mesmos. Nesse mergulho somos como gotas d’água que se atiram sem temor ao Grande Oceano do qual fazem parte. Assim, nossas identidades como ‘gotas’ se perdem na imensidão das águas, mas é exatamente ali que encontraremos a força e a orientação necessárias para voltar às nossas pequenas existências e realizar vidas gloriosas, pois a grande realização de cada coisa e de cada ente no universo é ser integralmente o que é – nem mais, nem menos (como defendia o filósofo grego Aristóteles) – e se conduzir no mundo sob os auspícios do Supremo Instrutor Interior.

Precisamos muitas vezes dessa voz interior. Helena Blavatsky, a criadora da teosofia, nos diz em seu A Voz do Silêncio que essa voz será sempre mais útil do que todas as vozes que entram por nossos ouvidos constantemente: “Podes criar ‘hoje’ tuas oportunidades de ‘amanhã’. Na ‘Grande Jornada’ as causas semeadas a cada hora produzem cada qual sua colheita de efeitos, porque uma rígida Justiça governa o mundo. Com o potente impulso de sua ação infalível, ela traz aos mortais vidas de felicidades ou aflições, que são a progênie cármica de todos os seus anteriores pensamentos e atos.” (Parágrafo 148) Na doutrina budista e na hinduísta, carma é a lei universal de ação e reação, que faz com que cada ato, vontade ou pensamento retorne a quem os gerou. Blavatsky também diz: “Os ramos da árvore são sacudidos pelo vento; o tronco permanece imóvel.”

A vida é um exercício-aprendizado perpétuo, em que uma lei insuperável nos impõe a necessidade de aprender fazendo. A vida não tem gabaritos ou respostas prontas e úteis sempre que uma situação semelhante advém à mesma pessoa ou a outrem. Mesmo quando estamos convictos de que fizemos o errado, a vida nos surpreende, mostrando-nos que nada foi tão errado assim; mas também nos assusta, ao deixar claro que aquela decisão tomada, com tamanha consciência de que era a mais acertada, nos trouxe consequências desagradáveis. Todos os resultados serão sempre parciais. O jogo sempre estará aberto a desafios e revanches. Vivemos a incerteza do que a vida quer de nós porque talvez também ela espere por um próximo lance, uma jogada inusitada desses bilhões de rebentos que nascem sobre a Terra.