Desde os recentes ataques terroristas na Europa – Paris, em novembro, e Bruxelas, em março –, a crise migratória foi para o segundo plano das discussões sociais e das manchetes da imprensa no Velho Continente. Ela só é lembrada, com alguma dose de preocupação, justamente no ponto em que cruza com a tensão gerada pelo terrorismo, já que os deslocamentos em massa são apontados como uma camuflagem para jihadistas.

O sossego europeu se agarrou a um acordo controverso que nem de longe resolve os problemas, seja de ações terroristas iminentes ou do contingente de pessoas que não tinham opção exceto fugir.

De olho na entrada na União Europeia, a Turquia concordou em receber os refugiados que chegam à costa da Grécia em troca de € 6 bilhões (cerca de US$ 6,8 bilhões) até o fim de 2018, como compensação financeira pelos mais de 3 milhões de sírios em solo turco, e uma possível avaliação positiva para o aceite do país como membro do bloco europeu, como compensação política. Assim, desde 20 de março, todos os refugiados que chegam a solo grego devem ser enviados à Turquia.

O acordo definiu que para cada refugiado chamado migrante econômico enviado da Grécia à Turquia, um sírio refugiado de guerra em território turco será alocado na Europa. A regra vale até serem concedidos 72 mil asilos.

Segundo grupos de defesa dos direitos humanos, o acordo fere as leis da própria União Europeia e a convenção da ONU para refugiados criada após o Holocausto, que diz que os países signatários não podem expulsar quem busca asilo em seu território sem uma avaliação individual do caso. Pelo novo acordo, eles serão enviados em massa para a Turquia.

“Os refugiados são vistos como um grande problema que cada um dos signatários tenta jogar para o outro”, lamenta Marcelo Haydu, diretor-executivo da Adus, instituto que dá assistência aos refugiados que chegam ao Brasil. “E esses países vão elegendo argumentos para suas ações. A entrada da questão dos ataques do Estado Islâmico na Europa levanta o problema da segurança nacional, de que seria prioridade. Assim, as pessoas acabam sendo massa de manobra nessas negociações.”

Ao deus-dará

Apesar da propagação da ideia de que esses refugiados serão acolhidos na Turquia, a realidade, dizem os opositores da proposta, é que esse acolhimento limita-se a instalá-los em acampamentos, abandonados à própria sorte. Pesam contra dois aspectos: a Turquia chegou a enviar alguns refugiados de volta à Síria, descumprindo leis internacionais, e não facilita o acesso dessas pes­soas ao trabalho geral, impulsionando os subempregos, inclusive de crianças. “Existe uma política clara de transferência de problema, já que ‘vale a pena’ dar dinheiro para os outros acolherem”, afirma Haydu.

Por outro lado, a União Europeia alega que o acordo fecha uma das principais rotas de tráfico humano usadas pelos refugiados sírios, por onde já passaram cerca de 850 mil deles. Mas para a Anistia Internacional e outros órgãos de defesa dos direitos humanos, o acordo, na prática, apenas formaliza o “comércio” de vidas fragilizadas.

Especialistas apontam ainda para os padrões históricos de migração, ou seja, quando uma rota é obstruída ou fechada, novas surgem. Merecem atenção especial as potenciais ligações entre Turquia e Bulgária, Turquia e Itália, Líbia e Itália, Marrocos e Espanha e Rússia e Finlândia.

No lado grego, a situação também se agrava. Se antes bastava aos gregos empurrar a massa fugitiva continente adentro, em especial pela Macedônia, agora precisam abrigar essas pessoas por alguns dias e lidar com a burocracia jurídica e logística da transferência delas para a Turquia.

A Grécia pede que a UE envie mais 2.500 profissionais, entre juí­zes, oficiais de justiça, seguranças e tradutores, para ajudar nessa tarefa, enquanto tem de lidar com os mais de 40 mil refugiados presos em seu território após o fechamento da fronteira com a Macedônia e que não entrarão na lista de passageiros para a Turquia.

Menos de um mês após o acordo ter entrado em operação, havia boatos de que a Comissão Europeia reconhecera o fracasso da política e anunciara que lançaria as bases de um novo sistema. Semanas depois, não havia mudanças na política – e, pelo menos por enquanto, a rota turca virou uma incógnita para os migrantes.

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