Antigas comunidades da Amazônia fortificavam terras valiosas, que passavam anos tornando férteis, para protegê-las de conflitos, mostram escavações arqueológicas conduzidas por uma equipe internacional de pesquisadores. Agricultores que viveram na atual Bolívia construíam defesas de madeira em torno de solos tropicais antes pobres em nutrientes, que eles enriqueciam por gerações, para mantê-los seguros durante tempos de agitação social. Essas estratégias de longo prazo de manejo do solo permitiram que os amazônicos cultivassem safras que demandam nutrientes, como milho, mandioca e árvores frutíferas, e isso era fundamental para a subsistência da comunidade.

Um artigo sobre esse estudo foi publicado na revista “Geoarchaeology”.

Essas Terras Negras da Amazônia, ou Terra Preta de Índio, foram criadas por meio de queima, cobertura morta e deposição de lixo orgânico. Sabia-se que algumas comunidades construíam valas e aterros, conhecidos localmente como zanja, ao redor de seus assentamentos, o que sugeria que eles atuavam como estrutura defensiva. Os exemplos da Bolívia foram construídos especificamente para incluir também o solo enriquecido. Essa é a primeira evidência de uma fortificação adicional construída na vala, e demonstra como as comunidades sentiam que era importante proteger seu investimento na terra.

Dois furos de postes achados na escavação. Crédito: Mark Robinson
Primeira evidência

Escavações no sítio arqueológico de Versalles, ao longo do rio Iténez, na Amazônia boliviana, fornecem a primeira evidência arqueológica de que as comunidades da região construíram paliçadas de madeira junto com aterros. A construção circunda o perímetro externo da aldeia, envolvendo e protegendo as casas e o solo enriquecido e a floresta.

Os pesquisadores há muito especulavam sobre a função das zanjas e se também havia uma estrutura de paliçada. Até agora, porém, nenhuma evidência direta de uma construção de madeira havia sido encontrada. O clima tropical é desfavorável à preservação da arquitetura em madeira. Mas, por meio de escavação cuidadosa, os restos decompostos dos postes de construção foram detectados no solo. Não é possível saber como seria a estrutura.

Análises arqueológicas mostram que aqueles que viviam em Versalles começaram a enriquecer os solos por volta de 500 a.C. Depois de quase dois milênios, a zanja foi construída por volta de 1300 d.C., ao mesmo tempo que a agitação social se espalhou pela Amazônia. As fortificações foram mais tarde remodeladas, incluindo a adição da paliçada, por volta de 1628 a 1803 d.C.

Dois membros da equipe mostram a profundidade de uma vala, um no topo e outro na base. Crédito: Mark Robinson
Impacto grande

As escavações arqueológicas sugerem que a comunidade continuou a prosperar durante essa época, criando cerâmicas elaboradas e produzindo uma diversidade de alimentos, de cultivos básicos a frutas e nozes, junto com peixes e animais caçados.

A pesquisa foi conduzida, em colaboração com a comunidade moderna de Versalles, pelo dr. Mark Robinson e o prof. Jose Iriarte, da Universidade de Exeter (Reino Unido), pela drª Carla Jaimes-Betancourt, da Universidade de Bonn (Alemanha), pela drª Sarah Elliott, da Universidade de Bournemouth (Reino Unido), e pelo dr. Yoshi Maezumi, da Universidade de Amsterdã (Holanda), com alunos do Reino Unido e da Bolívia em escavações.

“Esta é mais uma prova de que a Amazônia não é um lugar imaculado, intocado por mãos humanas”, disse o dr. Robinson, primeiro autor do estudo. “As pessoas tiveram um grande impacto na ecologia da floresta tropical. As comunidades investiam pesadamente, geração após geração, para enriquecer os recursos naturais ao seu redor. À medida que a agitação social se espalhou por toda a Amazônia, a comunidade sentiu a necessidade de proteger os recursos nos quais ela e seus ancestrais haviam investido tanto.”