Em segundo lugar na lista dos agrotóxicos mais comercializados no Brasil, o 2,4-D (ácido 2,4-diclorofenoxiacético) pode ser mortal para animais expostos ao produto. Aplicado contra ervas daninhas em cultivos de soja, cana-de-açúcar e milho, entre outros, o 2,4-D afeta principalmente a mortalidade de aves e peixes.

A conclusão é de um estudo publicado nesta quarta-feira (15/06) na revista científica Environmental Pollution por pesquisadores da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, o primeiro que analisou o impacto do agrotóxico em animais.

A pesquisa utilizou a técnica da metanálise, que avalia resultados de diferentes estudos já publicados sobre um mesmo tema e que gera, com uso de estatística, um dado global.

“Para que o resultado não fosse superestimado, consideramos os estudos que analisavam concentrações realísticas de 2,4-D, que não fossem nem muito baixas ou exageradas. E com isso vimos que as concentrações encontradas no meio ambiente estão de fato afetando os animais”, detalha Ana Paula da Silva, primeira autora do estudo, que usou os dados de 87 pesquisas prévias para chegar a conclusão.

Segundo a metanálise, a exposição dos animais ao herbicida desencadeou efeito tóxico capaz de aumentar as taxas de letalidade. No caso dos peixes, é possível que estruturas mais sensíveis como mucosas e brânquias funcionem como uma porta de entrada para o produto químico.

“Mesmo quando o componente não chega ao ponto de ser letal para os animais, ele pode trazer outros danos, como no comportamento ou na reprodução, o que pode levar a um desequilíbrio ecológico”, diz Silva.

Efeito em humanos

Em entrevista à DW, Nédia Ghisi, professora da UTFPR e uma das autoras, explica que a pesquisa que analisou o efeito do 2,4-D em animais surgiu a partir de dois outros estudos que começaram com humanos.

“Eles mostram que as pessoas expostas a pesticidas como o 2,4-D têm uma taxa maior de linfoma não-Hodgkin do que pessoas que têm um contato muito raro”, detalha Ghisi.

Esse tipo de câncer tem origem nas células do sistema linfático e se espalha de maneira não ordenada. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), existem mais de 20 tipos diferentes de linfoma não-Hodgkin.

A exposição pela pele, como durante a permanência no local onde o produto é pulverizado, é mais perigosa que a oral. “O uso rotineiro, como no caso de jardineiros e outros profissionais, é muito preocupante. É preciso tomar muito cuidado, usar equipamentos de proteção para evitar que eles se contaminem”, afirma a pesquisadora.

Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apontam que de 2007 a 2015 foram registrados 619 casos de intoxicação por 2,4-D no país. A maioria deles (71%) eram em homens da zona rural que sofreram a exposição durante o trabalho, com destaque para atividade de pulverização em culturas de arroz e pastagem.

Após reavaliar o registro do agrotóxico em 2019, a Anvisa reconheceu os riscos para os trabalhadores rurais e mudou algumas regras referente à sua aplicação. Mas o órgão afirmou que o 2,4-D não causava câncer e que não oferecia riscos para os sistemas reprodutor e endócrino humanos, e optou por manter o produto no mercado.

Semelhanças com o glifosato

Nédia Ghisi tem uma trajetória marcante de pesquisas na área. Um dos estudos que ela publicou sobre o impacto do glifosato na saúde humana foi usado como base num caso histórico nos Estados Unidos, em 2018.

Naquela ocasião, um tribunal na Califórnia condenou a Monsanto, produtora do Roundup e adquirida pela Bayer, a pagar 289 milhões de dólares a um trabalhador rural que alegava que o câncer que sofria fora causado pelo uso do agrotóxico à base de glifosato.

“Nosso artigo, que também era uma metanálise, dizia que dava muito mais mutação genética em pessoas que se expunham rotineiramente ao glifosato”, detalha Ghisi.

No Brasil, o glifosato é o agrotóxico mais usado, segundo informações consolidadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Só em 2020, foram comercializadas 246 mil toneladas, bem superior às 57 mil toneladas vendidas de 2,4-D no mesmo ano.

“Pesquisas como a nossa mostram que o uso exagerado dos pesticidas pode provocar danos a outros organismos, ao meio ambiente, e não só à planta daninha. A aplicação na lavoura pode aumentar a produção, mas o descarte incorreto da embalagem, uso de concentração elevada, ou a forma como está sendo aplicado podem levar os resíduos ao ambiente aquático ou até aos nossos alimentos”, afirma Ana Paula da Silva.

Agrotóxico na comida

Campeão em uso de agrotóxico no mundo, o Brasil também passou a liberar mais produtos sob a presidência de Jair Bolsonaro. Em fevereiro, a Câmara dos Deputados aprovou uma lei, apelidada de Pacote do Veneno, que facilita regras de registros de novos agrotóxicos e aumentou o poder do Ministério da Agricultura nessa questão.

Para o consumidor, também ficou mais difícil saber o quanto desses produtos vão parar na mesa dos brasileiros. O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), da Anvisa, não divulga suas análises há três anos.

Em seu último relatório, em 2018, a laranja apresentou o maior risco de contaminação por agrotóxico entre os alimentos analisados, que incluem também alface, arroz, beterraba, cenoura, chuchu, tomate e uva.