As águas que irrigam o Parque Nacional Kakadu, no norte da Austrália, favorecem a existência de uma rica biodiversidade na área, que inclui várias espécies endêmicas.

Bacias hidrográficas, bem como sistemas costeiros e marinhos influenciados por descargas de captação, são importantes unidades geográficas a considerar na gestão de áreas protegidas, tanto dos sítios listados no Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) quanto das Reservas da Biosfera, dos parques nacionais e das áreas úmidas abrigados na Convenção de Ramsar – o tratado sobre as áreas úmidas de relevância global assinado

 

 

Os recursos hídricos são elementos importantes

das unidades de conservação e o desenvolvimento insustentável das áreas úmidas e das bacias hidrográficas em que se assentam pode levar à interrupção dos ciclos hidrológicos naturais que sustentam a vida e a biodiversidade excepcional dos sítios do Patrimônio Mundial.

 

Em muitos casos isso tem resultado em inundações, secas e poluição graves. A degradação das áreas úmidas leva a grandes prejuízos ecológicos, econômicos, sociais e culturais, e onera as comunidades ligadas às bacias.

Desse modo, a proteção e a alocação adequada de água para os ecossistemas de áreas úmidas do Patrimônio Mundial são essenciais para permitir que sobrevivam e continuem a fornecer bens e serviços ambientais importantes. Hoje em dia, mais e mais pessoas reconhecem que, na sociedade e na natureza, tudo está interligado. Compreender a conectividade entre a terra e o mar, sobretudo por meio da rede de áreas úmidas ribeirinhas e costeiras, é um aspecto fundamental do trabalho da Convenção de Ramsar. Mas o acordo não basta para mostrar essas correlações. A gestão eficaz requer o estabelecimento de mecanismos para acompanhar as mudanças. Infelizmente, é raro haver dados suficientes para apoiar essas análises, mas podemos fazer progressos por meio de parcerias.

É importante assegurar a manutenção da conectividade dos ecossistemas de águas interiores com os ecossistemas terrestres e marinhos e, quando preciso, restaurá-la, para lidar com os impactos adversos da mudança climática e minimizar a degradação da biodiversidade. Compreender e administrar essa conectividade é essencial para os sítios do Patrimônio Mundial, como o Parque Nacional dos Everglades (Flórida, EUA), que está na interface entre a América temperada e a subtropical, a água doce e a salobra, as baías rasas e as águas costeiras mais profundas. A conectividade entre águas interiores e áreas úmidas costeiras também é vital para todas as áreas de mangue, como o manguezal de Sundarbans, no delta dos rios Ganges, Bramaputra e Meghna, no Golfo de Bengala (1.400 km2, um dos maiores do mundo), com sítios no Ramsar e no Patrimônio Mundial em Bangladesh e na Índia.

 

 

A Baía de Ha Long, no Vietnã , é um sítio do Patrimônio Mundial valorizado por seu ecossistema aquático.

Como o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) mostra, a relação entre mudança climática e recursos hídricos é uma questão preocupante porque a qualidade e a disponibilidade da água serão severamente afetadas pela mudança climática. Os ciclos do carbono e da água são, talvez, os dois mais importantes processos biogeográficos de grande escala para a vida na Terra e, em geral, estão ligados.

Mas acordos ambientais multilaterais também devem considerar outro tipo de conectividade, em que a quantidade e a qualidade da água são elementos-chave. Um estudo do Programa Global de Espécies Invasoras mostra que as espécies invasoras e a mudança climática estão ligadas. A água é um ingrediente importante e muitas das ações necessárias para compensar a ameaça de espécies invasoras aos serviços dos ecossistemas-chave estão relacionadas à gestão da água, tais como controle da erosão, da poluição e esquemas de alocação de água doce.

Importância mundial

Há forte congruência entre as convenções de Ramsar e o Patrimônio Mundial da Unesco quanto à consciência da importância da água e das áreas úmidas. Atualmente, 45 áreas úmidas de importância internacional estão inscritas (total ou parcialmente) em 38 sítios integrantes da lista do Patrimônio Mundial. Os ecossistemas ligados à água são as características comuns entre eles.

O Parque Nacional Kakadu, no norte da Austrália, sítio do Patrimônio Mundial e do Ramsar, é um exemplo notável de um complexo de ecossistemas que inclui planícies de maré, várzeas, baixadas e planaltos. As áreas úmidas desse notável ambiente fornecem hábitat para uma ampla variedade de espécies raras ou endêmicas de plantas e animais.

O delta dos rios Peace e Athabasca e o Whooping Crane Summer Range, no nordeste da província canadense de Alberta, ambos listados como sítios Ramsar e do Patrimônio Mundial do Parque Nacional de Wood Buffalo, embora não exatamente coincidentes, partilham de ecossistemas-chave relacionados à água que fornecem hábitats vitais no Canadá. Ambas as convenções reconhecem que as grandes concentrações de animais selvagens migratórios dali têm importância mundial.

Nas Filipinas, o Parque Nacional dos Recifes de Tubbataha, situado no centro do Mar de Sulu, foi listado como Patrimônio Mundial, em 1993, e sítio Ramsar, em 1999. Ambas as convenções o veem como um exemplo insubstituível de um atol com elevada densidade de espécies marinhas.

A importância da qualidade da água para os sítios do Patrimônio Mundial e de Ramsar é bem exemplificada pela inserção do Atol Aldabra, nas Ilhas Seychelles, nas duas listas. Ele é composto por sete tipos de áreas úmidas, incluindo águas marinhas rasas permanentes, lagunas salinas costeiras, sargaços aquáticos e manguezais. Os diversos tipos de hábitats dão suporte a muitas espécies diferentes.

O recife de Tubbataha , nas Filipinas, é ao mesmo tempo sítio do Patrimônio Mundial e de Ramsar.

Diversos sítios do Patrimônio Mundial são valorizados por ecossistemas aquáticos mesmo sem terem sido designados como áreas úmidas de importância internacional. Na fronteira Brasil-Argentina, a cascata semicircular denominada Garganta do Diabo está no coração do Parque Nacional do Iguaçu, um dos mais espetaculares conjuntos de cachoeiras do mundo. No Vietnã, a Baía de Ha Long, no Golfo de Tonquim, inclui cerca de 1.600 ilhas e ilhotas com uma espetacular paisagem submarina de pilares de calcário.

A Grande Barreira de Coral, na costa nordeste da Austrália, é um sítio de notável variedade e beleza. Tem a maior coleção do mundo de recifes de coral, com 400 tipos de corais, 1.500 espécies de peixes e 4.000 tipos de moluscos. No Brasil, o Complexo de Conservação da Amazônia Central (que inclui o Parque Nacional do Jaú, a Estação Ecológica de Anavilhanas, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Amanã e parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, somando mais de 60 mil km2 de área), no Amazonas, é um exemplo típico da interdependência entre uma rede de áreas úmidas e as florestas tropicais.

A Área de Conservação do Pantanal é composta por um conjunto de quatro regiões protegidas vitais para os processos ecológicos e biológicos em curso que ocorrem nas áreas úmidas do Pantanal brasileiro. Na República dos Camarões, a Reserva de Fauna Dja também sustenta as conexões entre a floresta e as áreas úmidas. Possui uma das maiores e mais bem protegidas florestas tropicais da África e 90% de sua área permanece intocada.

Patrimônios culturais abrigam áreas úmidas que provocam admiração pela beleza extraordinária ou pela eficiência incomum. Os Sistemas de Irrigação Aflaj, em Omã, são um bom exemplo. Cinco deles são representativos dos 3 mil sistemas ativos no país árido, nos quais, com a ajuda da gravidade, a água é canalizada de poços ou fontes subterrâneas para suprir o consumo agrícola e doméstico.

As convenções do Patrimônio Mundial e de Ramsar entendem que os sistemas naturais precisam de água de qualidade e em quantidade suficientes para suprir suas comunidades de plantas e animais. É fundamental que todos compreendam que a água estabelece fortes ligações entre a biodiversidade, as mudanças climáticas e a desertificação. É preciso trabalhar de modo a garantir que os governos se baseiem nessas relações para elaborar suas políticas nacionais e reforçar a coerência e as sinergias entre os acordos ambientais multilaterais.