O número de planetas extrassolares descobertos já ultrapassou a casa dos 3.300 e segue crescendo, mas a tecnologia para descobrirmos formas orgânicas alienígenas ainda tem de ser muito desenvolvida, avalia o astrônomo da USP

Em tempos passados, a Terra era considerada o centro do universo e, como tal, o único lugar onde poderia existir vida. Mas as descobertas astronômicas foram progressivamente minando a soberba humana, e hoje bem poucas pessoas concordariam com essa exclusividade defendida pelos antigos. Calcula-se que uma a cada seis estrelas do universo possuiria em sua órbita um planeta rochoso como a Terra – e, segundo as estimativas, existem nada menos do que 70 sextilhões de sóis. Um estudo divulgado por dois astrônomos americanos no início deste ano, na revista Astrobiology, indica que a chance de a humanidade estar sozinha na imensidão cósmica é de uma em 10 bilhões de trilhões. A lista de exoplanetas confirmados já ronda a casa de 3.300, segundo a Nasa, a agência espacial americana, e pesquisas recentes comprovam que meteoros e cometas também podem ser veículos para a propagação da vida no universo. Encontrar formas de vida alienígenas, portanto, é um trabalho de paciência, que aguarda o desenvolvimento dos recursos tecnológicos hoje disponíveis para aumentar suas chances de sucesso.

A vida fora da Terra é um dos temas abordados por Jorge Melendez na entrevista a seguir. Peruano radicado no Brasil, onde é professor do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo, Melendez – cujo currículo inclui cursos de pós-doutorado no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), na Australian National University e no Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, em Portugal – tornou-se mais conhecido do grande público ao liderar a equipe brasileira que, no ano passado, descobriu um “gêmeo” de Júpiter na órbita da estrela HIP 11915, a cerca de 186 anos-luz do Sistema Solar.

PLANETA – A presença de hidrogênio, oxigênio e carbono (principais elementos presentes nas formas de vida terrestres) em ivários exoplanetas pode indicar abundância de vida fora da Terra?

Melendez – Os elementos básicos para a vida estão presentes em praticamente todo o universo. Esses elementos são muito abundantes, então existiriam as condições básicas para desenvolver vida fora da Terra. Isso não significa, porém, que necessariamente a vida se desenvolverá em todos esses lugares. Por exemplo, em um planeta muito próximo da sua estrela, não adiantaria muito ele ter carbono, oxigênio e hidrogênio se outras condições não permitirem o desenvolvimento de vida ali.

PLANETA – Como está atualmente a pesquisa sobre “irmãos” da Terra? Apesar das descobertas mais recentes, o Kepler 452b, identificado no ano passado, segue sendo o candidato preferencial?

Melendez – Infelizmente, esse tipo de pesquisa esbarra em uma dificuldade: em muitos casos não sabemos exatamente qual é o tipo de planeta, inclusive em relação a Kepler 452b. Há chance de ele ser rochoso, como a Terra, mas ele também poderia ser um mini-Netuno (o menor dos planetas gasosos do Sistema Solar). Precisamos ter medidas da massa e do raio desse astro para poder determinar a densidade e saber que tipo de planeta ele é. Então, Kepler 452b é um candidato interessante, mas não temos nada conclusivo ainda sobre ele, pois existe apenas a estimativa do seu raio.

“o que temos para observar em astros de outros sistemas
são evidências indiretas
de vida, como a presença
de oxigênio 
na atmosfera”

PLANETA – Há um indiscutível desejo de se encontrarem no espaço formas de vida semelhantes às terrestres, mas a própria Terra tem microrganismos incomuns, capazes de viver a temperaturas enregelantes ou de centenas de graus acima de zero. Já teríamos condições científicas de ampliar o leque de nossa busca por vida extraterrestre ou, por enquanto, é melhor nos limitarmos ao que está sendo procurado hoje?

Melendez – Dentro do Sistema Solar, podemos procurar formas de vida incomuns. Fora do Sistema Solar, porém, é mais complicado, pois não deve ser observada uma evidência direta de vida. O que temos para observar, no caso, são evidências indiretas, como a presença de oxigênio na atmosfera do exoplaneta.

Kepler 452b: desse possível “irmão” da Terra só conhecemos o raio
Kepler 452b: desse possível “irmão” da Terra só conhecemos o raio

PLANETA – Ter um planeta como Júpiter no Sistema Solar é fundamental para a existência de outras Terras, pela “proteção” que ele oferece aos planetas interiores? O Júpiter que o sr. e sua equipe encontraram no ano passado, na órbita da estrela HIP 11915, está num sistema que poderia ter uma Terra?

Melendez – Sim, segundo cálculos de outros grupos, Júpiter protege a Terra da migração de planetas gigantes da zona externa para a zona interna do Sistema Solar. No sistema planetário encontrado pelo meu grupo existem, sim, as condições de abrigar uma Terra. Porém, tecnologicamente, ainda não é possível detectá-la.

“ainda se debate se a vida evoluiu aqui de modo independente
ou se veio de fora da Terra”

PLANETA – As desco­bertas sobre o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko indicam que cometas, além de meteoros, podem conter elementos que permitem o surgimento da vida como na Terra?

Melendez – Esses elementos básicos existem também no meio interestelar. Ainda é debatido se a vida foi trazida para a Terra ou se ela se desenvolveu aqui de modo completamente independente. Talvez alguns componentes básicos possam ter sido trazidos, e depois ela se desenvolveu aqui na Terra. Esse tipo de pesquisa ainda está completamente em aberto.

PLANETA – Como o sr. avalia o novo planeta do Sistema Solar proposto este ano pelos astrônomos Konstantin Batygin e Mike Brown? Planetas com órbitas excêntricas como a dele seriam mais comuns no do que se imagina?

Melendez – Para mim, isso está completamente em aberto. Deveriam ser obtidos mais dados observacionais para, no futuro, confirmar a existência desse planeta. Por enquanto, para mim, essa é apenas uma proposta que vale a pena verificar. Não sabemos se esse planeta existe, então não podemos dizer nada ainda sobre a frequência desses astros hipotéticos.

Telescópio do ESO: país ainda não integra o consórcio
Telescópio do ESO: país ainda não integra o consórcio

PLANETA – Chama atenção o elevado número de planetas extrassolares gigantes descobertos orbitando muito próximos de suas estrelas. Esse é um fenômeno comum no universo ou um reflexo dos nossos recursos ainda precários de encontrar exoplanetas?

Melendez – É sobretudo um viés observacional. É bem mais fácil detectar planetas orbitando próximos às suas estrelas.

PLANETA – Qual é a expectativa no meio astronômico em relação à busca de exoplanetas e vida alienígena, com a entrada dos conjuntos de telescópios do deserto do Atacama, no Chile, e do telescópio espacial James Webb (que a Nasa, a agência espacial americana, pretende lançar em 2018) em pleno funcionamento? Os números de exoplanetas e de “irmãos” da Terra crescerão exponencialmente?

Melendez – O James Webb­ ou os novos telescópios gigantes, como o Telescópio Europeu Extremamente Grande (ELT, na sigla em inglês), do Observatório Europeu do Sul (ESO), não devem aumentar exponencialmente o número de exoplanetas. Observatórios desse tipo devem servir principalmente para caracterizar em detalhe planetas já descobertos. É bem possível que novos planetas sejam encontrados por meio desses observatórios, mas a quantidade deve ser muito pequena se comparada com o grande número de planetas descobertos pelo telescópio espacial Kepler ou por outras missões futuras (por exemplo, o Transiting Exoplanet Survey Satellite – TESS –, da Nasa, que deverá ser lançado no ano que vem).

PLANETA – Que prejuízos o atual­ momento econômico produziu para a pesquisa astronômica no Brasil? E qual é o impacto do adiamento do projeto de entrada do país no ESO, aprovada no Congresso em 2015, mas que ainda depende de sanção presidencial?

Melendez – Não é apenas o atual momento. Na verdade, nos últimos anos temos tido um prejuízo enorme. As verbas para pesquisa têm sido cortadas, o número de bolsas foi cortado, a possibilidade de estágios no exterior foi cortada. O nível de financiamento para a pesquisa no Brasil tem diminuído muito. Também as trocas no Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações não têm ajudado. As pesquisas científicas têm de ser encaradas como projetos de longo prazo. Não podemos ter mudanças contínuas apenas por critérios políticos. Para detectar um planeta como o Júpiter gêmeo descoberto pelo meu grupo, no ano passado, foram necessários mais de dez anos de observações. Quanto à entrada no ESO, o consórcio de 15 países europeus que tem três observatórios astronômicos no Chile, acho que o Brasil está se prejudicando muito com essa demora.