Indicação de Bolsonaro para o STF estava empacada há meses na CCJ do Senado. Ultraconservador bolsonarista, Mendonça foi indicado para afagar eleitorado evangélico do presidente.O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou nesta quarta-feira (24/11) que vai pautar para a próxima semana a sabatina de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Mendonça, que chefiou o Ministério da Justiça e a Advocacia-Geral da União (AGU) sob Jair Bolsonaro, foi indicado pelo presidente ao STF em julho, para preencher a vaga deixada por Marco Aurélio Mello.

A escolha de Mendonça foi feita pelo presidente para agradar o eleitorado evangélico conservador e de extrema direita. Nos dois cargos no governo Bolsonaro, Mendonça se destacou pela fidelidade canina ao chefe, chegando a requisitar a abertura de inquéritos contra jornalistas críticos do bolsonarismo e a produzir um dossiê contra centenas de servidores “antifascistas”.

Ainda em 2019, Bolsonaro prometera preencher uma das vagas no STF com um nome “terrivelmente evangélico”.

Mas a indicação de Mendonça estava empacada. O processo inicialmente não avançou em parte por causa do recesso parlamentar de julho, mas posteriormente ficou paralisado diante da resistência de Alcolumbre em pautar a sabatina do pastor e advogado bolsonarista.

Bolsonaro já conta com um aliado dentro do STF, o ministro Kássio Nunes Marques, que tomou posse na Corte em novembro de 2020. “Tenho 10% de mim dentro do Supremo”, disse Bolsonaro recentemente sobre a presença de Kássio na atual composição do STF, que está reduzida a dez ministros enquanto o substituto de Marco Aurélio não toma posse.

Agora, a indicação de Mendonça deve ser analisada pelos parlamentares junto com outras nove indicações pendentes de deliberação na CCJ. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, convocou um esforço concentrado entre os dias 30 de novembro e 2 de dezembro para que a Casa analise todas as indicações de autoridades para cargos públicos.

“Vou seguir integralmente a decisão do presidente Rodrigo Pacheco de, no esforço concentrado, com o quórum adequado, fazermos a sabina de todas as autoridades que estão indicadas na comissão. Como temos dez autoridades na comissão e outras autoridades em outras comissões, vamos fazer um calendário para não atrapalhar as sabatinas da CCJ, da Comissão de Assuntos Econômicos, da Comissão de Relações Exteriores e do plenário”, disse Alcolumbre.

Pelo regimento do Senado, após a sabatina pela CCJ, o nome de um indicado ao STF é colocado em votação no plenário da Casa, cabendo aos 81 senadores aprovarem ou não a indicação.

Pressão e antissemitismo

Durante uma reunião nesta quarta-feira, Davi Alcolumbre classificou como “um embaraço” os apelos feitos por parlamentares para a realização da sabatina de André Mendonça. Para o senador, a definição sobre a pauta das comissões e do plenário do Senado cabe aos respectivos presidentes.

“Há um apelo constante. Tenho sido criticado pela não deliberação da comissão. Mas o próprio STF decidiu sobre a prerrogativa de cada instituição do Senado Federal quando questionado sobre prazos de deliberação. Cabe aos presidentes das comissões fazer a pauta. Cada presidente tem autonomia e autoridade. Cada um faz sua pauta”, afirmou.

O presidente da CCJ ainda disse que se sentiu-se pessoalmente ofendido pelas cobranças em algumas situações. O senador, que é judeu, chegou a ser alvo de insultos antissemitas lançados por ativistas bolsonaristas por causa da demora em pautar a indicação de Mendonça.

“Confesso que pessoalmente me senti ofendido. Chegaram a envolver a minha religião. Chegaram ao cúmulo de levantar a questão religiosa sobre a sabatina de uma autoridade na CCJ, que nunca teve o critério religioso. Minha origem é judaica. Um judeu perseguindo um evangélico? O Estado brasileiro é laico. Está na Constituição”, disse o senador.

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, senadores apontaram que o principal motivo pelo qual Alcolumbre vinha segurando a sabatina foi o fato de ele ter perdido o controle sobre a distribuição de emendas parlamentares no âmbito do “Orçamento Secreto” do governo. Já outros senadores afirmaram que Alcolumbre preferia que o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, tivesse sido o indicado para o STF.

Ainda segundo a Folha, Alcolumbre também advertiu nos últimos meses que somente pautaria a sabatina de Mendonça se tivesse votos suficientes para barrá-la. Segundo o jornal, o presidente da CCJ tem afirmado que conta com 49 votos contra o indicado de Bolsonaro.

Alcolumbre ainda não definiu quando especificamente será votada a indicação de André Mendonça. Mas os senadores Álvaro Dias (Podemos-PR) e Eduardo Girão (Podemos-CE) sugeriram que a sabatina ocorra na próxima terça-feira (30/11), quando se celebra o “Dia do Evangélico”.

Também nesta quarta, Alcolumbre se defendeu das acusações de segurar a indicação de Mendonça, afirmando que a demora para votar em plenário as indicações de figuras para cargos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e no Tribunal Superior do Trabalho (TST) não geraram a mesma cobrança

“Há quatro meses, eu sou o grande responsável por não fazer a sabatina de um indicado. Mas não vejo ninguém cobrando CNJ ou TST. Parece que só tem uma indicação na comissão. Temos dez indicações, e há uma ânsia coletiva de fazer a cobrança de uma única indicação para um único tribunal”, disse.

PEC

O agendamento da indicação de Mendonça ocorre em meio a uma ofensiva bolsonarista para ampliar o controle da extrema direita no STF.

Na terça-feira, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, presidida pela ultrabolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), aprovou por 35 votos a 24 a admissibilidade de uma Proposta de Emenda à Constituição que determina que ministros do STJ se aposentem compulsoriamente aos 70 anos de idade. Atualmente, a idade é de 75 anos.

Caso aprovada e promulgada antes de 2023, a nova PEC permitiria que Bolsonaro fizesse mais duas indicações para o STF, já que os ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que têm 73 anos cada, teriam de se aposentar de imediato.

Mas analistas apontam que a chance desse projeto prosperar é mínima, e que a PEC é mais um instrumento de retaliação para pressionar a atual composição da Corte, que recentemente travou a execução do chamado “Orçamento Secreto”.

jps/ek (Agência Senado, ots, DW)