O Acre vai receber 16 milhões de euros – cerca de R$ 50 milhões – por controlar o desmatamento e deixar de emitir 4 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) nos últimos anos. É o primeiro Estado brasileiro a captar investimentos em conservação alavancados pelo mecanismo de desenvolvimento limpo Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), credenciado pelo Protocolo de Kyoto.

O dinheiro, fornecido pelo banco alemão KfW, será utilizado para valorizar os ativos florestais estaduais, entre os quais se encontram cinco reservas extrativistas, criadas em 1990. Esse é o último desdobramento das tentativas governamentais de subsidiar a produção econômica das florestas acreanas, maiores produtoras de borracha natural brasileira, em sintonia com os pressupostos de uma “economia verde”.

Na década de 1980, o Acre atingiu picos de desmatamento, mas ainda detém 87% de sua cobertura florestal. Para preservar esse patrimônio, nos últimos dez anos o Estado formulou um modelo de desenvolvimento que busca combater a pobreza e promover a sustentabilidade florestal. O acordo com o banco alemão só foi possível porque o Acre já criou uma legislação específica para subsidiar esse tipo de iniciativa, o Sistema de Incentivo aos Serviços Ambientais do Acre (Sisa), existente desde 2010, projetado em parceria com ONGs ambientalistas, como a WWF-Brasil.

Desde 2009 está em curso o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento do Acre, resultado de parceria firmada entre os governos estadual e o federal, com apoio da Embaixada da Noruega. O plano tem como objetivo garantir reduções nas taxas de perda florestal, assumindo uma meta de diminuição de 80% – equivalente a 3.649 km2 de desmatamento evitado até o ano de 2020 e a 165 milhões de toneladas de CO2 equivalentes em gases de efeito estufa não emitidos.

Segundo o governo acreano, os 16 milhões de euros do KfW serão investidos em projetos ambientais com foco em produção sustentável e conservação dos recursos naturais. Por força de contrato, 70% do valor será destinado à ponta das cadeias produtivas – beneficiando diretamente os provedores de serviços ambientais, como seringueiros, indígenas e produtores rurais familiares. Outra parte do recurso será destinada ao fortalecimento institucional dos órgãos que compõem o Sisa.

 

Cadeia produtiva

Alberto Tavares, coordenador da WWF-Brasil no Acre, afirma que outros Estados com florestas nativas, especialmente da região amazônica, também podem receber dinheiro proveniente do REDD+. Para ele, o Acre se destaca pelo esforço sistemático de estruturação de políticas públicas voltadas ao combate do desmatamento e de incentivos ao desenvolvimento sustentável. Entre elas destacam-se o Zoneamento Econômico Ecológico e Cultural e o apoio a iniciativas de manejo florestal madeireiro e não madeireiro, como a construção de uma fábrica de pisos em madeira, outra de preservativos masculinos com látex nativo (Natex) e de duas indústrias de beneficiamento e exportação de castanha-do-pará.

Tavares explica que, na produção de borracha nativa, o WWF-Brasil apoia a estruturação da cadeia produtiva oferecendo treinamento, fortalecimento institucional e apoio logístico, inclusive na preparação da borracha com tecnologia FDL (folha de defumação líquida). Nesse caso, três associações de produtores extrativistas comercializam a produção diretamente com a empresa de calçados francesa Veja.

O governo federal também incentiva a extração da borracha natural na Amazônia, berço da seringueira, que sustenta cerca de 2 mil famílias. No Acre, o governo estadual ajuda os extrativistas a formar cooperativas e a diversificar as culturas da borracha e da castanha em busca de novos mercados.

 

Seringal plantado

Apesar do apoio às famílias extrativistas, para a melhoria da condição de vida e da subsistência, os seringueiros têm muitas queixas. “A borracha já deu muito dinheiro na Amazônia, mas só enriqueceu os patrões. Hoje, o seringal cultivado produz em média 50 kg de borracha por dia e, o seringal nativo, entre 8 kg e 10 kg. A diferença é muito grande, não dá para competir”, afirma Manoel Cunha, presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas.

Segundo Cunha, com o estabelecimento do preço mínimo de compra do quilo da borracha e dos incentivos estaduais e municipais, o governo está tentando manter as famílias na floresta, evitar o êxodo rural e conservar a biodiversidade da Amazônia. “A discussão que temos levado aos governos é no sentido de a extração de borracha natural conversar legalmente com os esforços da redução do desmatamento e da conservação da biodiversidade. Se o governo quiser tornar o Brasil autossuficiente na produção da borracha, terá de investir nas duas pontas: cultivo e extração. Terá de disponibilizar uma política que deixe as famílias seguras em retomar essa atividade”, enfatiza o líder seringueiro.

Ele lembra que existem áreas degradadas que poderiam ser reflorestadas com seringueiras, pois a atividade conserva a floresta. “Essa é a melhor solução para o cultivo. Nosso receio é que a floresta primária deixe de existir para dar espaço ao cultivo, como aconteceu nas décadas de 1970 e 1980, quando houve investimento mal gerenciado com poucos resultados”, assegura.

O líder explica que, para as populações da Amazônia, a extração da borracha é uma das atividades mais importantes, além da pesca e da coleta de outros produtos. “Devido ao preço mínimo e à subvenção estadual, é possível que uma família viva da extração da borracha no período de seis meses, pois se trata de uma atividade sazonal, desenvolvida na época da seca. No restante do ano, terá de desenvolver outras atividades, como a safra da castanha-do-pará e a coleta do açaí”, explica Manoel. Em média. um seringueiro “sangra” entre 80 a 120 árvores por dia, coletando entre 10 a 20 litros de látex numa estrada de seringueiras com 120 árvores.

Para os extrativistas melhorarem a produção e terem acesso a benefícios do governo, é preciso promover a regularização fundiária das unidades de conservação e das reservas extrativistas. Isto é, reconhecê-las e legalizá-las. “Trata-se da coluna vertebral do processo. Sem a regularização não é possível acessar as políticas públicas, como o crédito subsidiado, pois o Incra não reconhece os moradores das unidades de conservação como assentados da reforma agrária”, esclarece.

 

Chico Mendes

Dercy Teles é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Acre, organização à frente da qual o sindicalista Chico Mendes, assassinado em 1988, lutou contra o desmatamento promovido pela pecuária. “Espero que o dinheiro vindo do banco alemão seja também usado para beneficiar o seringueiro, pois, apesar de todos os incentivos, a situação das famílias nas reservas continua precária”, assegura Dercy.

Segundo o líder sindical, desde as alterações nas leis ambientais promovidas pelo novo Código Florestal, Brasileiro as populações extrativistas vivem em incerteza, pois existem proibições legais às atividades que praticavam em seu cotidiano. Além disso, a legislação se posiciona contra o manejo florestal organizado que prevê o corte e comercialização da madeira de lei. “A retirada da madeira causa a transformação da vegetação e contribui para o êxodo da fauna. Na verdade, não temos certeza da regeneração da floresta. Existe ainda, no entanto, a questão da exploração dos moradores, que ganham muito pouco com essa atividade. Conversei com um que entregou 100 m3 de madeira em 2012 e recebeu R$ 6 mil. Ou seja, R$ 500 por mês, menos até que o salário mínimo oficial.”

Quanto ao cultivo da borracha, Dercy Teles afirma que se trata de atividade viável apenas para grandes produtores, uma vez que os pequenos agricultores não têm condições de fazer o cultivo da seringueira em menor escala, pois as mudas requerem cuidados especiais, como irrigação artificial. Isso acaba tornando os produtores inadimplentes, pois o cultivo exige também o uso de equipamentos como tratores, que estão fora do seu alcance.

“As condições para o pequeno extrator também não mudaram. Para ter acesso a subsídios e incentivos do governo, é preciso ter conta em banco e apresentar nota fiscal fornecida pelo comprador da borracha. Isso é quase impossível, na medida em que a produção é vendida para atravessadores que trabalham na informalidade”, lamenta Dercy.