Dois anos após incêndio que devastou a catedral em Paris, restauro de acordo com prédio original, envolvendo carvalhos centenários e chumbo, é visto como anacrônico. Governo defende planos e promete reabertura em 2024.Apesar de protestos desencadeados pelos planos de restauro da Catedral de Notre-Dame, em Paris, uma cerimônia recente para a derrubada de árvores para a reconstrução da igreja foi notavelmente solene.

Para o evento, realizado no início de março, tanto o Ministro da Agricultura francês, Julien Denormandie, quanto a Ministra da Cultura, Roselyne Bachelot, se dirigiram à floresta de Bercé, 200 quilômetros a sudoeste de Paris. Acompanhados por várias equipes de TV, eles pregaram etiquetas nas árvores que deveriam ser cortadas. Cerca de 2 mil carvalhos serão usados para reconstruir a estrutura do telhado e o pináculo da catedral.

“Eu acho que Notre-Dame, como símbolo de nosso passado, mostra até que ponto nossas florestas estão escrevendo regularmente a história”, declarou Denormandie.

Bachelot acrescentou: “Precisamos desta madeira pois decidimos reconstruir a catedral da mesma forma como ela era antes do incêndio”, ou seja, como foi concebida pelo arquiteto Eugène Viollet-le-Duc a partir de 1843.

No entanto, a promessa de reconstruir completamente o monumento dentro de cinco anos parece cada vez mais irrealista.

Incêndio chocou o mundo

Há dois anos, o incêndio que causou o colapso do pináculo da Notre-Dame e destruiu o telhado da catedral chocou a França e o mundo. Durante dias, equipes de TV de todo o mundo transmitiram ao vivo imagens do monumento, Patrimônio Mundial da Unesco.

O presidente Emmanuel Macron prometeu reconstruir a Notre-Dame dentro de cinco anos. Ele primeiro considerou ter o pináculo reformulado de forma contemporânea, mas acabou cedendo a especialistas pedindo para reconstruí-lo de acordo com os planos originais de Viollet-le-Duc.

Logo após o incêndio, doadores de todo o mundo prometeram quase 1 bilhão de euros para financiar a reconstrução. Até agora, 833 milhões de euros provenientes de 340 mil doadores de 150 países já foram arrecadados, de acordo com o órgão administrativo da Notre-Dame.

“Árvores seriam derrubadas de qualquer maneira”

Metade dos carvalhos necessários para a reconstrução da catedral virá de florestas públicas, e a outra metade, de florestas privadas, todas localizadas na França. A madeira será armazenada por 12 a 18 meses para reduzir seu nível de umidade.

De acordo com Guillaume Larriere, porta-voz da ONF, agência pública que administra as florestas da França, as árvores centenárias seriam derrubadas de qualquer forma.

“Derrubamos regularmente árvores grandes e velhas para fornecer madeira ao mercado, mas também para criar espaço para árvores mais jovens, que precisam de muita luz”, afirmou à DW, acrescentando que a França tem uma das diretrizes florestais mais rigorosas do mundo.

“Foi a decisão certa reunir toda a madeira em florestas francesas – dessa forma, temos total transparência sobre como ela está sendo derrubada”, disse.

Ambientalistas contra planos de reconstrução

Jacky Bonnemains, diretor do grupo ambientalista Robin des Bois, discorda do porta-voz da ONF. “Estamos amputando as florestas e arrancando delas carvalhos que são cruciais para a sua regeneração, pois eles são um habitat para muitos insetos e pássaros”, disse à DW.

Bonnemains classifica de “anacrônica” a decisão de reconstruir Notre-Dame em consonância com os planos de Viollet-le-Duc. “Nunca pensei que eles optariam novamente pela dupla infernal de madeira e chumbo, o que tornou o fogo possível e causou considerável poluição por chumbo.”

O Instituto Nacional de Meio Ambiente Industrial e Riscos (Ineris) de fato constatou que a área da Notre-Dame e alguns de seus arredores estavam altamente poluídos com chumbo após o incêndio.

Em 2019, o Robin des Bois havia processado as autoridades por colocar em risco a vida humana, não tomando medidas imediatas para limitar a exposição da população ao chumbo tóxico liberado no incêndio da catedral. Mas o caso foi arquivado há alguns meses.

Para Bonnemains, outros materiais de construção seriam mais contemporâneos e seguros: “A Catedral de Saint-Pierre-et-Saint-Paul em Nantes, por exemplo, tem a estrutura do telhado feita de concreto – um incêndio lá no ano passado só causou danos muito limitados.”

“Combinação de madeira e chumbo é ideal”

Mas o concreto não é uma opção para a Notre-Dame de Paris, disse um porta-voz da catedral à DW. “A estrutura do telhado do monumento precisa de um peso muito específico para que o edifício seja estável – uma combinação de madeira e chumbo é ideal”, disse ele, acrescentando que as autoridades estavam levando muito a sério possíveis questões sanitárias.

“A estrutura de madeira e chumbo não era o problema – o fogo tomou conta do lugar devido a um erro humano. Simplesmente precisamos de mais pessoal de segurança em determinados locais-chave”, considera. “E o projeto futuro incluirá portas de proteção contra incêndio.”

De acordo com o porta-voz, a madeira e seu armazenamento foram perfeitamente adaptados ao cronograma de reconstrução. Obras para garantir a segurança do edifício continuarão até julho, com licitações a serem lançadas no verão. As obras de reconstrução propriamente ditas devem começar até o final deste ou no início do ano que vem.

“É assim que Notre-Dame, de acordo com o desejo do presidente, reabrirá para as massas em 2024”, afirmou o porta-voz da catedral.

Mas há quem duvide que a reconstrução do monumento esteja concluída até lá. “Garantir a segurança do monumento levou muito tempo, e provavelmente teremos que continuar certas obras de restauro – nos arcobotantes na parte externa, por exemplo – após 2024”, afirma Yann de Carne. Ele é o chefe da associação industrial GMH, que representa 80% das empresas do país que realizam obras de restauro em monumentos nacionais.

“Entretanto, a abertura do edifício para os serviços da igreja ou de partes dele para os visitantes deve ser possível dentro de três anos”, acrescentou.

Bonnemains é menos otimista. “A reconstrução da Notre-Dame levará muitos anos mais – isso nos dará tempo para contestar a maneira como eles querem fazer isso.”

O Robin des Bois está agora relançando seu processo por poluição por chumbo, pois argumentos surgidos após o grupo ter entrado na Justiça em 2019 mostram que questões de saúde seguem relevantes.