Turbulências políticas, crises econômicas, ascensões e quedas de indivíduos, grupos, comunidades e países, tudo isso a história reduz a capítulos, parágrafos ou linhas. Tudo passa, lembram sábios de diversas tradições de conhecimento. Quando compreendemos isso, passamos a nos interessar por temas mais perenes, que vão, de fato, estimular nossa evolução interior e nos fazer progredir, como indivíduos e membros da sociedade. Ao longo de sua história, PLANETA tratou de várias faces dessa busca, todas plenas de significado. A vertente espiritual do Islã, o sufismo, foi uma das primeiras apresentadas, em texto de Eva Meyerovitch (“O sufismo”, PLANETA 8, abril de 1973), do qual foi extraído o excerto ao lado.

Tudo é prova de Deus

Deus é a única realidade, o único objetivo da busca incansável da alma, e pouca importância tem o caminho que leva a Ele. Os sufistas sempre foram os apóstolos da grande tolerância. “Existem muitos caminhos para a procura, mas o objeto da procura é sempre o mesmo”, escreveu Jalal-ad-Din Rumi (um dos grandes mestres do sufismo). “Não vês que os caminhos que conduzem a Meca são diversos, um vindo de Bizâncio, outro da Síria e outros ainda passando pela terra ou pelo mar?”

“A distância dos trajetos é diferente, mas quando eles terminam, desaparecem as discussões, as controvérsias e as divergências, porque os corações se unem… Esse sentimento de união não decorre da fé nem da falta de fé, mas do amor.”

Para o sufista, o amor é a alma do universo. É graças a ele que o homem retorna às origens de seu ser. A música e a dança, a rotação das estrelas e o movimento dos átomos, a ascensão da vida, da pedra à planta, do animal ao homem, passando pelo anjo – tudo é devido ao amor, o “astrolábio pelo qual se revelam os segredos ocultos”. A alma afastada de sua realidade última acaba descobrindo que o amante e o amado são um só.
Certo dia, segundo uma parábola do Masnavi (obra escrita por Rumi), um homem veio bater à porta de seu amigo.

– Quem és tu? – perguntou esse.
– Sou eu.
– Vai embora, eu não te conheço.
Um ano depois, o mesmo homem voltou a bater à porta do amigo.
– Quem és tu? – perguntou novamente o amigo.
– Eu sou tu – respondeu dessa vez o homem.
– Então, entra, já que tu és eu – disse o amigo. – Não há lugar aqui para dois eus.
O objetivo do sufi, como de todo místico, é morrer a si mesmo para viver em Deus, reencontrando assim a origem do seu ser.


19PL520_Retro2Extraído da matéria “O sufismo”, da Planeta 8, de abril de 1973