Pesquisadores descobriram que um anestésico geral pode anestesiar também memórias emocionalmente perturbadoras. O que significa que um anestésico de rotina poderia se tornar uma ferramenta para tratar memórias traumáticas e distúrbios psiquiátricos, como fobias e ansiedade.

A ideia surgiu há cinco anos, quando Bryan Strange, neurocientista da Universidade Técnica de Madri, na Espanha, que liderou a nova pesquisa, conduzia outro estudo sobre como a terapia eletroconvulsiva usada em tratamento de depressão severa poderia prejudicar a memória. Como o procedimento requer anestesia – já que uma corrente elétrica atravessa o crânio induzindo uma rápida crise epiléptica -, Strange se perguntou quanto a memória tinha sido enfraquecida pela terapia e quanto teria sido pela anestesia.

Então, para a nova pesquisa, foram recrutadas 50 pessoas entre aquelas que participariam de um procedimento de endoscopia, gastroscopia ou colonoscopia. Cerca de uma semana antes do procedimento, foi apresentado a essas pessoas uma sequência de slides contando uma história. De um conteúdo emocionalmente neutro, a história chega a um clímax negativo antes de retornar ao ponto morto.

Uma mãe e seu filho saem de casa. Eles andam pela rua. Então os slides mostram um acidente de carro. “Quando atravessam a rua, o garoto é atingido por um carro fora de controle, que o fere mortalmente”, diz o narrador. Os próximos slides mostram o hospital, os médicos e os pés do menino morto. Os slides finais apresentam conteúdo emocionalmente neutro, como uma foto de uma rua vazia, novamente.

Pouco antes de os pacientes serem anestesiados para o procedimento de endoscopia, os pesquisadores reativaram as lembranças de alguns participantes, mostrando-lhes o primeiro slide da apresentação. Os pesquisadores tamparam parte do slide e perguntaram aos participantes o que havia na parte oculta do slide. Quando os participantes responderam, os médicos injetaram o anestésico em dois minutos. Nem todos os participantes tiveram essa memória emocional reativada.

No dia seguinte, todos os participantes foram convidados a responder perguntas de múltipla escolha sobre a história. Os participantes que reativaram a memória antes da sedação tiveram dificuldade em lembrar especificamente da parte emocionalmente carregada da história, relataram os pesquisadores na revista Science Advances. Participantes que não reativaram a memória antes da sedação relembraram a questão emocional, assim como partes neutras da história.

“A implicação é que a anestesia geral reduz a atividade nas áreas [cerebrais] que são críticas para a formação da memória emocional”, disse Strange. Ainda assim, o neurocientista adverte que eles ainda não sabem como a anestesia afetaria as memórias da vida real e que o uso de um anestésico para tratar um distúrbio de ansiedade ou fobia exigiria mais testes. Mas ele diz que, dados os resultados da pesquisa, “há motivos para suspeitar que haveria um benefício”.