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“Me sinto como uma bola durante um jogo de tênis”, desabafa o padre Patricio Murphy, sentado em seu escritório na Casa del Migrante. O religioso é alto, tem olho azuis e cabelos e barba grisalhas, da cor do moletom folgado que veste como se estivesse em casa. Atrás dele, pendurado na parede está um retrato do bispo italiano Juan Bautista Scalabrini, missionário católico do século 19, conhecido como “o padre dos imigrantes”. “Sou scalabriniano, por isso estou aqui.”

Na verdade, Padre Murphy está em casa. Há quatro anos, ele vive no quarto e último andar da Casa del Migrante Scalabrini de Tijuana, cidade no extremo noroeste do México, na fronteira com os Estados Unidos. Murphy divide o abrigo com dez voluntários e cerca de 160 imigrantes centro-americanos e mexicanos deportados que ali se hospedam provisoriamente.

Com fala suave, o americano de 65 anos se diz cansado das políticas dos EUA e do México em relação à problemática migratória. “É triste, porque sinto que vivo entre dois países”, conta ele. “São muito poucos os que têm o bem-estar do povo em mente. A maioria trabalha como políticos. ‘Como vou ganhar dinheiro para meu partido? Para minha família?’ E nada de ‘como melhorar os direitos humanos, ou ajudar essas pessoas a viver com justiça?’”

A Casa del Migrante recebe do governo, mensalmente, 25 mil pesos (cerca de R$ 4.400,00), uma quantia ínfima. São as doações enviadas pelos parceiros, civis e filantrópicos, que garantem o funcionamento da casa. Em 1952, Patricio Murphy nasceu em Nova York, para onde seus avós irlandeses haviam migrado. Frequentava uma igreja scalabriniana que ficava a cinco minutos de sua casa. Aos 14 anos, entrou para o seminário da Congregação de San Carlos, seguiu a formação scalabriniana, estudou teologia na Universidade de Chicago. Durante 20 anos foi diretor do Ministério Hispano-Americano para Dioceses, em Kansas City.

Era uma vida corrida: visitava várias paróquias, dava missas em espanhol, formava líderes e, sobretudo, coordenava organizações para ajudar os imigrantes a defender seus direitos. Em seus 36 anos de sacerdócio, Murphy trabalhou com a comunidade mexicana em Chicago, Los Angeles e Kansas City. Em junho de 2013, cruzou a fronteira para dirigir a Casa del Migrante. “Nunca pensei que aos 65 anos estaria em Tijuana, lutando por imigrantes do mundo inteiro”, afirma. “Mas estou feliz.”

Novos programas

Fundada em 1987, a Casa del Migrante Scalabrini existe em 34 países. Em geral os abrigos acolhem imigrantes e refugiados. Em Tijuana, contudo, nos últimos dez anos, os hóspedes são na maioria deportados – os mexicanos já correspondem a 90% dos abrigados. Por isso, os scalabrinianos desenvolveram novos programas para ajudá-los na reintegração à sociedade na terra natal.

“Eles precisam começar uma vida nova”, diz Murphy. Ele cita o caso de um senhor mexicano que cortava o cabelo no abrigo católico (um avô que passara nos EUA boa parte de seus 60 anos e recentemente foi expulso para o México) e observa que o governo Obama deportou 3 milhões de imigrantes, grande parte mexicanos, mas nos primeiros meses da gestão Donald Trump o cenário é diferente. “Antes, deportavam mais presidiários. Mas agora isso acontece com pessoas que nunca imaginavam que seriam deportadas.” Os recém-chegados contam com assistentes sociais, psicóloga, advogada. Além disso, um departamento de trabalho os ajuda a conseguir emprego, geralmente em call centers de empresas americanas.

Quando se hospedam por mais de uma noite, prossegue Murphy, um voluntário da Casa del Migrante senta para conversar e entender se alguém está com depressão ou outro problema específico. Se o hóspede apresenta quadros psicológicos mais graves, os scalabrinianos buscam outra casa mais adequada para recebê-los. “Às vezes, conforme apresentamos opções, a pessoa pode mudar a atitude, a mentalidade, tudo. Queremos ajudá-las a não cair na armadilha do álcool, das drogas, de dizer ‘minha vida não vale nada.’”

Quase metade dos deportados que chegam à Casa del Migrante em Tijuana pensa em voltar para os EUA, acredita Murphy. Alguns entendem depois que não é tão fácil retornar. Os coiotes (atravessadores) cobram em torno de US$ 8 mil pela jornada, e é alto o risco de ser detido por policiais da fronteira durante a travessia.

Reconstrução

“Muitas vezes o homem está aqui [no México] e a mulher e os filhos lá [nos EUA]”, observa o padre. “Os filhos são documentados e podem visitar o pai. Não é uma situação perfeita, mas é melhor que os deportados estejam aqui trabalhando, reconstruindo, para decidirem como será o futuro.” Para os que decidem ficar no México, seja em Tijuana ou na cidade de origem (com transporte pago pelo governo), um desafio é obter a documentação mexicana. Na Casa del Migrante, eles têm ajuda para tirar a certidão de nascimento, que custa 300 pesos e, posteriormente, permite a emissão da cédula de identidade e da carteira de trabalho.

É o caso de Adolfo Tomaz, mexicano do estado de Guerrero. Ele vivia em Nova Califórnia desde os 12 anos, mas foi deportado pela segunda vez ao ser detido na rua, alcoolizado. Em três meses, passou por três penitenciárias até ser enviado a Tijuana, em março. O Grupo Beta, do governo mexicano, encaminhou-o para a Casa del Migrante. Chegou apenas com a ficha de deportação e as roupas que vestia no cárcere. Seus pais, cidadãos dos EUA, moram ora em Guerrero, ora nos EUA. Tomaz, pai de duas filhas americanas, agora quer tirar os documentos para trabalhar e morar em Tijuana.

Já Juan Carlos Cortes, 34, deseja voltar aos EUA. Há quatro anos, ele se divorciou da esposa americana e obteve a guarda da filha de 16 anos e do filho de 14. Quando saía para o trabalho, foi detido e deportado no mesmo dia. Ele não havia cometido nenhum crime, mas já tinha passagem pela polícia – característica das primeiras vítimas das deportações em massa prometidas por Trump. Os filhos de Cortes ainda nem sabiam que o pai fora deportado. “Não vou ligar para eles. Não quero preocupá-los. Eu vou voltar”, afirma.