Quem, numa noite fria de junho, não pulou fogueira, comeu canjica, bebeu quentão? Quem não dançou quadrilha, soltou rojão e subiu num pau-de-sebo? As festas juninas estão profundamente gravadas no imaginário de todos nós, brasileiros. Elas são os mais alegres e populares festejos de fundo religioso, sobretudo em cidades do interior e zonas rurais.

Organizadas ao redor de três santos benfazejos e bonachões – Santo Antônio, São João e São Pedro –, essas festas constituem um período único no qual ruas, clubes, igrejas, praças e escolas são enfeitados com bandeirolas multicoloridas e mastros com as figuras pintadas dos santos colocadas no alto. No Nordeste, sobretudo, junho é um mês musical, vivido ao som de canções sertanejas, baião, xaxado e forró. Duas cidades não medem esforços para promover o melhor São João do mundo: Caruaru (PE) e Campina Grande (PB).

É ao Sudeste, porém, que estão mais atreladas as origens das festas juninas. Aquele personagem de chapéu de palha, dente cariado, calça rancheira remendada e camisa xadrez é um típico caipira do interior paulista e mineiro. As comidas típicas também são da região: pé-de-moleque (rapadura com amendoim), canjica, curau e pamonha (variedades de pudim de milho), pipoca, batata-doce assada e quentão (infusão de cachaça ou vinho com gengibre, limão, cravo e canela).

Ritos ligados à fertilidade

As danças juninas, como a nossa quadrilha, reproduzem os festejos pré-cristãos que eram realizados nessa mesma época do ano, e continham vários ritos ligados à fertilidade. Dança e música, desde sempre, estiveram conectadas a tais comemorações.

Trazidas ao Brasil pelos jesuítas e pelos portugueses, as festas juninas rapidamente caíram no gosto popular. Os índios as adoravam a tal ponto que, até hoje, a culinária tradicional dessas festas denuncia sua influência. A canjica de milho verde, por exemplo, deriva da papa de água e milho, bem como outras guloseimas da terra de Pindorama, como amendoim cozido, cana-mirim, batata-doce, inhame, jenipapo, aipim. Com o tempo, ingredientes das culturas africana e europeia enriqueceram os pratos de base indígena: açúcar, leite de coco, erva-doce, cravo e canela, sal.

As fogueiras de São João têm origem nas antigas festas pré-cristãs em comemoração ao solstício de verão no Hemisfério Norte – a noite mais curta do ano. Pular a fogueira significa purificar-se dos malefícios e dos erros cometidos no período anterior.

Outra tradição gastronômica das festas juninas são os licores. Dizem os especialistas que o mais famoso deles, o de jenipapo, só fica realmente bom depois de passar um ano enterrado no quintal. Também são muito apreciados os licores de jabuticaba, araçá, umbu, banana, coco e outras frutas. Aspecto um pouco menos preservado da tradição, a degustação de licores mantém-se ainda viva, sobretudo na Bahia.

Se os folguedos, as comidas e as bebidas são mais ou menos os mesmos em todas as festas juninas, a cada um dos santos patronos são atribuídas virtudes e capacidades bem específicas.

Santo casamenteiro

Comemorado a 13 de junho, Santo Antônio é reconhecido no mundo católico como santo que ajuda na recuperação de objetos perdidos. No Brasil, virou santo casamenteiro de poder quase infalível

Santo Antônio, comemorado a 13 de junho, é reconhecido no mundo católico como santo que ajuda na recuperação de objetos perdidos. No Brasil, porém, esse grande doutor da Igreja – que nasceu de família nobre em Lisboa, em 1195, fez-se monge franciscano e morreu em Pádua (Itália), em 1231 – virou santo casamenteiro de poder quase infalível. “Talvez porque encontrar noivo é também um milagre que exige paciência de santo”, brincou o folclorista Câmara Cascudo.

No seu dia consagrado, muitas moças fazem promessa para Santo Antônio para arrumar noivo. Se o santo demora para atender, muitas submetem sua imagem a vários suplícios, na esperança de uma resposta mais rápida e efetiva. Algumas moças do interior, segundo Câmara Cascudo, “chegam até mesmo a tirar o Menino Jesus dos braços de Santo Antônio para restituí-lo somente depois de realizado o milagre; viram o santo de cabeça para baixo, tiram-lhe o resplendor e colocam sobre a tonsura uma moeda pregada com cera; e, por fim, quando tarda a graça, cansadas de tanto esperar, atam o santo com uma corda e deitam-no dentro de um poço”. O que já fez muitas estátuas do santo desaparecerem, pois eram de barro e derreteram-se ao contato com a água.

Chamado de “Santo de Todo o Mundo” em 1895 pelo papa Leão 13, por conta da sua sabedoria, bondade e tolerância, Santo Antônio parece não se importar com essas afrontas. Se pudesse, talvez pedisse a essas moças um pouco mais de prudência. E as lembraria daquele sábio provérbio: “Cuidado com o que pedes, pois teu desejo pode ser atendido”…

Mas pedir prudência a moça casadoira é como pedir à criança que não chore quando tem fome.

Assim sendo, aqui estão duas orações casamenteiras para Santo Antônio. A primeira, radical, foi colhida sobre um altar pelo folclorista pernambucano Pereira da Costa:

“Padre Santo Antônio dos cativos, vós que sois um amarrador certo, amarrai, por vosso amor, quem de mim quer fugir; empenhai o vosso hábito e o vosso santo cordão, como algemas fortes e duros grilhões, para que façam impedir os passos de Fulano, que de mim quer fugir; e fazei, ó meu bem-aventurado Santo Antônio, que ele case comigo sem demora.”

A outra tem até “segundas” intenções:

“Meu Santo Antônio querido,

Eu vos peço, por quem sois;

Dai-me o primeiro marido,

Que o segundo arranjo depois.

Meu Santo Antônio querido,

Meu santo de carne e osso,

Se tu não me dás marido

Não tiro você do poço.”

Da severidade à alegria

A festa dedicada a São João Batista, em 24 de junho, tem folguedos, comidas, bebidas e fogos de artifício. Essa tradição foi trazida ao Brasil pelos portugueses

Comemorado a 24 de junho, São João Batista teve sua personalidade totalmente adaptada ao gosto dos fiéis brasileiros. Severo e muito sério, esse filho de Zacarias e Isabel foi viver no deserto tão logo saiu da adolescência, praticando a oração e o jejum. No ano 29, foi pregar nas margens do Rio Jordão e ali batizou Jesus, apontando-o como “Cordeiro de Deus”, o Messias. João Batista foi decapitado por Herodes, a pedido de sua mulher, Salomé, no ano 31.

No Brasil, seu suplício é esquecido e sua pregação, em tom áspero e intolerante, mas de alto nível moral, não é lembrada. São João Batista torna-se aqui um rapaz bonito e sadio, com cabelos encaracolados, vestido com pele de carneiro, segurando numa mão um cajado e levando nos braços um carneirinho.

Estudiosos explicam que as festas juninas são herança, assimilada pela Igreja Católica, de festividades pré-cristãs ligadas a cultos da fertilidade. No Hemisfério Norte, junho marca a chegada do verão, da abundância e da alegria. Nessa época, os pagãos europeus comemoravam o solstício de verão (no Brasil, país do Hemisfério Sul, as datas foram preservadas, embora caiam no mês do início do inverno) com rituais ligados às colheitas, dos quais faziam parte sacrifícios aos deuses da terra e da fertilidade. Mas essa tradição é ainda mais antiga: já existia nas culturas egípcia e grega, que a passaram aos romanos.

O 24 de junho assinalava uma das festas mais importantes dos celtas. Esse é o dia do solstício de verão no Hemisfério Norte, o momento culminante da viagem do Sol nos céus. A data era vista com especial reverência pelos antigos. A vida daquelas comunidades essencialmente agrárias era regida por fenômenos astronômicos, e a mudança do ciclo solar representava o início de um novo ano.

Significado litúrgico

Acreditava-se que, nesses momentos, abriam-se as portas entre o reino da terra e o dos céus. Por um lado, as almas dos mortos podiam revisitar os velhos lares para se aquecer junto às fogueiras e se reconfortar com as homenagens que lhes eram prestadas. Assim, quando o celta de antigamente dançava ao redor da fogueira, comia, bebia e cantava, não o fazia apenas para si, mas também para todas as almas amigas que, acreditava, estavam a seu redor. Deriva da crença na presença de espíritos amigos a grande variedade de artes adivinhatórias criadas para tais ocasiões.

Tal era a importância dessas festas que a primitiva Igreja cristã não conseguiu acabar com elas, embora as considerasse pagãs. Ela foi, ao contrário, obrigada a trazer essas celebrações para o calendário cristão e a revesti-las com um significado litúrgico. Estabeleceu, assim, em 24 de junho o aniversário de João Batista, e em 25 de dezembro (período do equinócio de inverno no Hemisfério Norte) o aniversário de Jesus. Declarou-se então que as fogueiras e a alegria geral aconteciam em sinal de regozijo pelo aniversário do santo que batizara Jesus.

Com a conversão de Roma ao cristianismo, a tradição de comemorar o solstício de verão foi preservada e incorporada às comemorações do aniversário de São João Batista. Ele passou a ser festejado com mesa farta, danças, música e bebidas. As fogueiras (antes acesas apenas pelos camponeses, que viam no fogo um elemento mágico para espantar pestes e pragas da lavoura, assim como a água é vista como símbolo da fartura e da purificação) foram um costume trazido pelos portugueses. Segundo a lenda, quando São João nasceu, Santa Isabel, sua mãe, mandou acender uma fogueira no alto de uma colina para avisar sua prima Maria, Nossa Senhora, que morava longe.

Portador das chaves

“Porteiro do Céu”, patrono da última festa junina, a 29 de junho, São Pedro é o fundador da Igreja e considerado protetor das viúvas

A última festa junina, dedicada a São Pedro, ocorre em 29 de junho e também é comemorada com folguedos, comidas, bebidas e fogos de artifício. Como São Pedro é considerado protetor das viúvas, até hoje pode-se ver, nessa noite, em frente às casas dessas senhoras no interior do País, uma fogueira dedicada ao santo. São Pedro é também conhecido como “Porteiro do Céu”, devido a suas atribuições simbólicas de portador das chaves da Igreja Católica.

Na festa, tudo tem um significado

MASTRO – Diz a lenda que, quando São João Batista nasceu, Santa Isabel mandou erguer um mastro e acender uma fogueira para comunicar o nascimento do filho a Nossa Senhora. O rito do mastro origina-se da árvore de maio”, mito de origem celta. O mastro é também um símbolo fálico de fertilidade e a proclamação da abundância de alimentos produzidos pela terra.

PAU-DE-SEBO – Sua origem também se relaciona com a “árvore de maio” e o mastro de São João. É um símbolo da escalada que leva ao Paraíso e do esforço a ser despendido para alcançar a divindade.

FOGUEIRA – Acesa logo após o erguimento do mastro, a fogueira simboliza a vida humana e o conforto e a tranquilidade da alma. Movidas pela fé, as famílias participam de simpatias, rezas e, muitas vezes, atravessam a fogueira de pés descalços ou saltam sobre ela (símbolo de purificação).

FOGOS DE ARTIFÍCIO – Servem para espantar maus espíritos, protegendo os habitantes do lugar e a natureza. Nas festas juninas, esse rito é resgatado com a ajuda de rojões, busca-pés, bombinhas, etc.

BALÕES – Costume originário da China, o balão representa uma oferenda às divindades, uma mensagem da terra para o reino dos céus.

QUADRILHA – Contribuição deixada pela família real portuguesa no século 19, a quadrilha tem origem na dança aristocrática francesa da corte dos luíses. Ela tomou características populares com a animação nas fazendas de bailes caipiras. Sobrevive sobretudo nas noites de São João, nas quais figurantes fazem uma representação caricatural de um casamento na roça.

SORTES E ADIVINHAÇÕES – As sortes e adivinhações revelam possíveis casos de amor. São realizadas nas noites de São João ou de Santo Antônio.

BOI-BUMBÁ – Conhecido também por bumba-meu-boi e cavalo-marinho, esse folguedo é praticado principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Na festa, a devoção respeitosa ao animal é apresentada com dramaticidade temática, cores, músicas, cantadores, toadas e expressões populares.

CASAMENTO – A união de um homem e de uma mulher, em busca da procriação, estabelece um paralelo entre a terra fecunda e a força fecundante vinda do céu. Assim sendo, a representação de uma aliança conjugal no festejo alcança uma simbologia profunda e arcaica.

Sortilégios juninos

As festas juninas guardam sortilégios, crenças, lendas e manias – a maioria ligada a casamento e encontro amoroso, dinheiro e adivinhação do futuro:

• Enfiar uma faca virgem no caule de uma bananeira à meia-noite. Na manhã seguinte, a letra formada por conta do escorrimento da seiva será a inicial do nome do homem com quem a moça se casará.

• Escrever o nome dos pretendentes em pequenos pedaços de papel, dobrá-los bem e pô-los numa bacia com água. No dia seguinte, o papel que estiver aberto terá o nome do futuro marido.

• Jogar duas agulhas de costura em um prato cheio d’água e não olhar para trás. Se, no dia seguinte, as agulhas estiverem juntas, a pessoa se casará naquele ano; se estiverem separadas, vai demorar.

• Deixar uma nota de dinheiro ao sereno. No dia seguinte, dobrá-la o máximo possível e ir pedindo para o dinheiro não faltar. Pôr a nota no fundo da carteira.

• Na massa de bolo, pôr uma flor, uma agulha de costura e um pincel amarrados com fita. Depois de assado o bolo, o objeto que for puxado representa um sonho que se realizará: flor, casamento; agulha, sucesso profissional; pincel, êxito na carreira artística.

• Levar o pão para benzer no dia de Santo Antônio. Comer um pedacinho para ser feliz e dividir o restante em vários pedaços. Pôr nas latas de mantimento para não faltar comida em casa.

• Pegar três batatas: uma descascada, outra descascada pela metade, a terceira com casca. Pô-las sob o travesseiro na véspera de São João. Ao acordar, pegar uma: se tiver casca, casa com um homem rico; a meio descascada, com um remediado; a pelada, com um pobre.

• À meia-noite de 23 de junho, rezando uma Ave-Maria, pingar vela derretida num prato com água. As gotas de cera formarão no fundo do prato a inicial do nome do príncipe encantado.

• Sentar perto da fogueira com um espelho na mão direita e uma vela acesa na esquerda. Pôr a vela entre você e o espelho. O rosto do futuro par será revelado no espelho.