”Às vezes, eu perdia o fôlego com o ronco e parava de respirar. Era meu marido que me acordav”, relata Sônia Sidinéia Barzan Ribeiro, dona de casa de 52 anos, que percebeu que tinha problemas com o sono nove anos atrás. Após um exame de polissonografia, foi diagnosticado que ela sofria de apneia obstrutiva do sono, mal que acomete mais de 30% dos brasileiros. Por sorte, Sônia foi uma entre as 31 pessoas que participaram do estudo da fonoaudióloga Kátia Carmello Guimarães, que, sob orientação de Geraldo Lorenzi Filho, pneumologista e diretor do Laboratório do Sono do Instituto do Coração (InCor), da Universidade de São Paulo, elaborou uma série de exercícios destinados a fortalecer a musculatura da língua e do palato superior, melhorando o quadro de apneia do sono.

Do grupo de 31 voluntários da pesquisa do InCor, 16 fizeram os exercícios indicados por Kátia. Com o acompanhamento de um fonoaudiólogo, eles trabalharam a musculatura da garganta por 30 minutos ao dia. “No primeiro mês os pacientes já começaram a sentir alguma melhora, mas o resultado esperado veio depois de três meses de estudo”, conta Lorenzi Filho. Ao final da pesquisa, que durou três meses, todos os pacientes que fizeram os exercícios apresentaram melhora de cerca de 40%. “Melhorei bastante, consigo dormir mais”, garante Sônia.

Os pesquisadores constataram que após três meses de exercício contínuo o escore de qualidade de sono, na escala de Pittsburgh (a mais usada por especialistas), caiu de 10,2 para 6,9 pontos. Houve também a diminuição da intensidade do ronco: de um ruído muito alto, o ronco se tornou mais leve, quase semelhante à respiração normal. O índice de interrupções durante o sono também diminuiu, segundo os exames polissonográficos (o paciente passa a noite no hospital com um aparelho medindo a quantidade de interrupções durante as horas de sono). O número de paradas na respiração foi de 22,4 para 13,7 por hora de sono. Outra boa notícia é que, em 60% dos casos, o grau de apneia passou de moderado para leve. Lorenzi Filho observa: “Os resultados sugerem que a nova técnica é bastante promissora para tratamento desses casos e, o que é melhor, com baixíssimo custo.” Outra evidência de melhora da apneia foi que, em média, a circunferência do pescoço dos pacientes diminuiu um centímetro, fato que indica que os exercícios remodelam as vias aéreas superiores, de acordo com Kátia.

Lorenzi Filho adverte que os pacientes sempre devem ter o acompanhamento de um profissional e dar continuidade ao exercício mesmo após receberem alta. Senão, os músculos tonificados podem voltar a enfraquecer, comprometendo o fluxo de ar. Além disso, os exercícios não precisam ser feitos de uma vez. “Você pode fazer dez minutos no período da manhã, dez na hora do almoço e dez à noite”, diz.

As obstruções nas vias respiratórias de quem apresenta essa doença são causadas pela flacidez dos músculos da garganta, que dificulta o fluxo de ar durante o sono. A garganta humana é semelhante a um cano que transporta o oxigênio até os pulmões. Esse cano é composto por tecidos, mucosa, gordura e músculos.

“Durante a noite, assim como nossos braços relaxam, ficando ‘moles’, os músculos da garganta também relaxam, diminuindo o espaço por onde passa o ar”, explica o professor Carlos Carvalho, supervisor de pneumologia do Hospital das Clínicas. Então, quando a pessoa sofre de apneia, os músculos acabam diminuindo – mais que o normal – a passagem de ar ou até mesmo fechando-a. Seguindo esse raciocínio, ao fortalecer os músculos da garganta, eles não obstruirão tanto a entrada e saída de ar, fazendo com que o paciente tenha menos interrupções respiratórias durante o sono.

 

Apesar de ser um distúrbio aparentemente simples, a apneia incomoda muita gente. Segundo Carvalho, em geral, os pacientes não reparam no problema. Normalmente, quem percebe o distúrbio no sono, os roncos e as paradas respiratórias são aqueles que convivem com eles. O ronco é um dos sintomas que mais perturbam e um dos principais sintomas de quem sofre de apneia. “À medida que o espaço da garganta vai diminuindo, o ar passa por um orifício cada vez mais estreito, até que chega uma hora que ele faz um barulho alto quando passa, que é o ronco”, explica Carvalho.

Outro incômodo de quem não tem um sono tranquilo é a sonolência diurna. Dependendo da gravidade do caso, a pessoa mal consegue se concentrar e acaba dormindo no meio do dia. “Há pacientes que chegam a dormir até durante uma conversa, mas não percebem que isso tem origem na má noite de sono. Devido à sonolência, o raciocínio da pessoa se torna lerdo e ela começa a ter dificuldade em exercer sua profissão”, conta Carvalho. Além de receber algumas queixas do marido e dos filhos, Sônia também sentia que não tinha uma noite tranquila: “Eu acordava muito durante a noite, toda hora. Durante o dia, eu ficava cansada, irritada.”

 

Aqueles que sofrem de apneia devem ficar atentos. Embora seja um distúrbio do sono, ela pode acelerar o processo de aterosclerose nas artérias do corpo e aumentar a incidência de problemas cardiovasculares. “Quando se tem apneia do sono, se tem também uma baixa oxigenação sanguínea. Não chega muito oxigênio ao pulmão e, em consequência, não há oxigênio suficiente para o coração funcionar bem. Então, o coração é sobrecarregado. Em determinado momento o coração começa a ficar fraco e não aguenta trabalhar tanto”, observa Carvalho.

Assim como muitos distúrbios, a apneia do sono tem graus de gravidade que são constatados por meio de um exame de polissonografia. Acima de 30 interrupções, ela é considerada grave; entre 15 e 30, moderada; abaixo de 15, leve; abaixo de 5, já é vista como normal. Os exercícios desenvolvidos por Kátia são direcionados para pacientes de grau leve e moderado. “Mas quando a apneia é grave ou mesmo moderada, um tipo de tratamento muito recomendado é usar uma máscara ligada a um compressor de ar, o CPAP (abreviação, em inglês, de pressão positiva contínua nas vias aéreas), que é a pressão positiva contínua na via aérea. É um compressor que, ao jogar ar pelo nariz, abre a garganta”, explica.

Mais de 30% dos brasileiros sofrem de apneia. ainda não há cura,

mas alguns tratamentos amenizam o problema

O CPAP é uma ótima alternativa para os pacientes de apneia, mas muitos não se adaptam a ele. Primeiramente, porque em princípio ele deve ser usado toda noite, de acordo com as especificações do médico. Agora, imagine dormir com um aparelho que fica soprando no rosto. Adaptar-se a ele não é fácil nem barato. Portanto, geralmente é recomendado àqueles que têm apneia grave.

Independentemente do grau de apneia, os médicos destacam a necessidade de mudança comportamental. Por exemplo, muitos dos pacientes com apneia são obesos. O excesso de gordura entope as vias aéreas. Se o motivo principal da apneia for a obesidade, o paciente deve entrar em uma dieta de emagrecimento e fazer exercícios com acompanhamento de fonoaudiólogo para tonificar os músculos e eliminar o excesso de gordura. O tratamento depende muito do perfil do paciente. A apneia é mais comum em homens de mais de 50 anos, quando a musculatura começa a ficar flácida, normalmente acima do peso ideal. Por isso, a primeira medida geralmente recomendada é a perda de peso. Outra medida é evitar álcool antes de dormir. “Às vezes, a pessoa bebe muito álcool no jantar. O álcool relaxa (ainda mais) a musculatura, o que pode agravar a apneia”, diz Carvalho. Para se ter um bom resultado no tratamento da apneia, recomenda-se algum tratamento com fonoaudiólogo ou mesmo com o uso do CPAP juntamente com essas mudanças de comportamento.