Conheça Daniel Gold, o general engenheiro que criou o escudo virtual israelense.

Numa guerra tão assimétrica quanto a que opõe Israel à organização palestina Hamas, que governa a Faixa de Gaza, o número de baixas demonstra a capacidade de cada lado. Entre os palestinos, em quatro semanas de conflito foram registrados 1.867 mortos, a maioria civis, 9.563 feridos, 5 mil casas destruídas e meio milhão de refugiados. Do lado israelense, apenas 64 militares e três civis morreram. Vários fatores justificam a disparidade, mas um se destaca: a eficácia do sistema antimísseis Iron Dome (“Cúpula de Ferro”), desenhado para destruir projéteis lançados em vilas e cidades de Israel, com 90% de sucesso.

O Iron Dome é o resultado do trabalho de centenas de especialistas, mas um rosto o resume, o do general aposentado Daniel Gold, 53 anos, descendente de húngaros, casado e pai de dois filhos. Esse militar com doutorado em engenharia elétrica e administração pela Universidade de Tel Aviv bancou a construção do sistema quando este engatinhava. Graças a ele, o projeto virou realidade e se tornou “um bem estratégico” para o país, na sua definição. 

“O objetivo principal era salvar vidas israelenses”, diz Gold. “Mas o sistema também reduz a necessidade de bombardear alvos em Gaza”. O engenheiro general recebeu o Prêmio de Defesa de Israel em 2012, pelo trabalho de pesquisa e desenvolvimento nas Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês). Sob sua liderança, a unidade de pesquisa e desenvolvimento da IDF conquistou sete vezes esse prêmio.

Os primeiros esboços do Iron Dome surgiram nos anos 1990, quando o grupo xiita Hezbollah, do Líbano, começou a disparar foguetes contra o norte de Israel. Em geral, sistemas antimísseis convencionais são construídos para abater projéteis sofi sticados, mas Israel precisava se defender também de foguetes de pequeno alcance e má pontaria, o artefato guerrilheiro improvisado cujo custo US$ 50 os mais baratos – convém a organizações como o Hamas e o Hezbollah. Numa área reduzida, mesmo foguetes artesanais podem causar estragos em vilas e cidades. 

Nomeado chefe de pesquisa e desenvolvimento da IDF em 2004, Gold reuniu um comitê para estudar as opções tecnológicas. Na época, a tendência era apostar num sistema a laser, mas o general discordava. “A tecnologia de interceptação baseada em laser não estava madura quando começamos a desenvolver o Iron Dome. Na verdade, ainda não está”, explicou recentemente à imprensa Israelense. “Um laser, por exemplo, não consegue penetrar em nuvens, o que o torna inefi caz em condições de tempo inclemente. Tampouco é capaz de lidar com salvas rápidas de tiros. Também é limitado porque oferece apenas proteção específica, o que significa que não pode oferecer defesa para uma área ampla.”

Gold resolveu apostar no Iron Dome, projetado para atuar dia e noite, em qualquer condição de tempo. Ms encontrou resistência no Ministério da Defesa de Israel. Em 2005, o país se retirou da Faixa de Gaza e muitos previram que, com a saída, o território seria usado como base para ataques às cidades próximas à fronteira. O Ministério não gostou e baixou uma diretriz referendando a retirada. Mesmo assim, Gold resolveu tocar adiante o Iron Dome.

“Meu incentivo era salvar vidas”, lembra. “Eu via o que estava acontecendo e dizia a mim mesmo: devemos usar toda a tecnologia existente em Israel para proteger vidas e achar um caminho. Os escalões políticos e militares sempre levam um longo tempo para pensar sobre o que querem fazer. Nesse ínterim, começamos a criar a solução.”

Elite pensante

Gold levou dois anos para convencer os céticos do Ministério da Defesa a financiar o projeto. “Eu não estava certo se conseguiria os recursos para seguir em frente e já tinha um investidor privado preparado se fosse o caso”, relembra. “Mas, no fim, não precisei dele.”

Enquanto isso, os pesquisadores se reuniam para desenhar o sistema. “Escolhemos os melhores do país”, disse o general ao portal Israel Today. “Tínhamos especialistas em mísseis de 70 anos de idade trabalhando com engenheiros de 25 anos recém-saídos da faculdade. Todos ombro a ombro e sem hierarquia. Era como conduzir 15 startups ao mesmo tempo, tendo de trabalhar em harmonia umas com as outras e ser bem-sucedido em tempo recorde.”

Em 2007 um novo governo aceitou o Iron Dome e incumbiu a empresa israelense Rafael Advanced Defense Systems de desenvolvê-lo. Após a construção dos dois primeiros conjuntos de radares e mísseis, os Estados Unidos investiram no projeto, já de olho na tecnologia israelense. Os dois países já gastaram US$ 2 bilhões com a iniciativa.

O Iron Dome possui três componentes: o radar de detecção e rastreamento, o sistema computadorizado de gestão de batalha e controle de armas e a unidade de disparo de mísseis. Quando o primeiro detecta o lançamento de um projétil, calcula seu tipo e trajetória. Os dados são repassados à unidade de disparo, que, se for o caso, lança um míssil interceptor Tamir para destruí-lo, à velocidade de 2.520 quilômetros por hora. Ágil, o sistema é fácil de transportar e pode ser montado em prazos curtos. 

Nas primeiras quatro semanas do atual conflito, o Hamas disparou 3.356 projéteis sobre Israel, dos quais 578 foram interceptados. Como cada Tamir custa US$ 50 mil, Israel só dispara se a rota calculada do projétil ameaçar uma área habitada – o país precisa fazer economia para se manter em guerra. Eis uma diferença decisiva entre os combatentes: US$ 50 mil para um míssil Tamir, US$ 50 para um morteiro palestino.

Oficialmente, o Iron Dome entrou em ação em 27 de março de 2011, em Beersheba, no sul de Israel. Onze dias depois, fez sua primeira interceptação destruindo um foguete Grad lançado de Gaza. Um ano depois, o jornal Jerusalem Post calculou que o sistema eliminara 90% dos projéteis que cairiam sobre áreas habitadas. A taxa se mantém no atual confronto. As cidades israelenses estão virtualmente protegidas por um escudo de engenharia aeronáutica.

O êxito criou um problema. Muitos moradores passaram a reagir displicentemente ao toque de alerta das sirenes. Há gente que vai para colinas “assistir” à performance dos mísseis. Gold ressalta que o sistema não é 100% perfeito e há risco real para quem negligencia a segurança. “A defesa é uma combinação de sistemas antimísseis, sirenes e atividades intensas de inteligência com todos os níveis se apoiando entre si”, afirma. “Não dá para as pessoas ficarem em casa e não fazerem nada, achando que o Iron Dome fará tudo, 100% certo, acima das suas cabeças.” 

O sucesso do escudo virtual já atraiu a atenção de compradores. O sistema passa por aperfeiçoamentos contínuos destinados a interceptar mísseis lançados a distâncias cada vez maiores. O general está orgulhoso da sua criação e do reconhecimento dos israelenses. “O Iron Dome é uma enorme conquista para as centenas de pessoas que trabalharam nele durante anos. Ele incorpora o melhor da alta tecnologia israelense.” Os militantes palestinos que o digam.