Uma equipe internacional de pesquisadores descobriu o que pode ser a mais antiga obra de arte, uma sequência de pegadas e mãos descobertas no Planalto Tibetano. As gravuras datam de meados do Pleistoceno, entre 169 mil e 226 mil anos atrás. São, portanto, três a quatro vezes mais antigas do que as famosas pinturas rupestres da Indonésia, França e Espanha. O estudo sobre elas foi publicado na revista Science Bulletin.

O projeto foi liderado por David Zhang, da Universidade de Guangzhou (China), em colaboração com pesquisadores da Universidade de Bournemouth (Reino Unido), da Xi’an Jiaotong University, da Education University de Hong Kong (China) e da Universidade de Minnesota (EUA), entre outras instituições.

Para responder à pergunta “isso é arte?”, a equipe recorreu a Thomas Urban, cientista pesquisador da Faculdade de Artes e Ciências e do Laboratório Tree Ring da Universidade Cornell (EUA).

Impressões simétricas

“A questão é: o que isso significa? Como interpretamos essas impressões? Elas claramente não foram colocadas acidentalmente”, disse Urban, coautor do artigo. “Não há uma explicação utilitária para isso. Então, o que são? Meu ângulo era: podemos pensar nisso como um comportamento artístico, um comportamento criativo, algo distintamente humano. O lado interessante disso é que é muito cedo.”

O envolvimento de Urban com o grupo surgiu de seus esforços contínuos para estudar pegadas de humanos e animais no Parque Nacional White Sands, no Novo México (EUA), como uma forma de entender o comportamento dos ancestrais humanos. Um dos colegas de Urban nesse trabalho, Matthew Bennett, da Universidade de Bournemouth, fez parte da equipe inicial que examinou o “painel artístico” encontrado em um promontório rochoso em Quesang, no Planalto Tibetano, em 2018. Uma série de cinco impressões de mãos e cinco pegadas simétricas foram feitas em travertino, um calcário de água doce que foi depositado por uma fonte termal próxima e depois endureceu com o tempo.

“Teria sido uma superfície escorregadia e inclinada”, disse Urban. “Você não iria realmente dar de cara com ela. Alguém não caiu daquele jeito. Então, por que criar esse arranjo de impressões?”

Arte parietal

O fato de o painel incluir impressões de mãos dá uma dica. Embora as pegadas sejam comuns no registro humano, as impressões das mãos são muito mais raras. Sua presença conecta o painel tibetano a uma tradição de arte parietal – isto é, arte que é imóvel – tipificada por gravuras manuais nas paredes das cavernas.

Amostras da arte mais antiga, encontradas na ilha indonésia de Sulawesi e na caverna El Castillo, na Espanha, datam de 40 mil a 45 mil anos. À luz da descoberta do Tibete, as pinturas rupestres de Chauvet, na França – com aproximadamente 30 mil anos –são praticamente contemporâneas.

Os colaboradores de Urban usaram séries de datação de urânio para determinar quando o painel de arte se originou. Eles levantam a hipótese de que a criança que fez as pegadas tinha cerca de 7 anos, enquanto a que fez as impressões das mãos tinha cerca de 12.

Mais importante do que a idade dos artistas, porém, é a questão de sua espécie. Eles eram Homo sapiens? Um hominídeo extinto? Uma teoria, apoiada por recentes restos de esqueletos encontrados no planalto, afirma que eles eram denisovanos, um grupo misterioso que era parente ancestral dos neandertais.

Embora suas identidades exatas nunca sejam conhecidas, o painel artístico defende a primeira ocupação hominínea no Planalto Tibetano.

Definição mais ampla

Igualmente difícil para os pesquisadores resolver é essa questão perene, que nenhuma datação de urânio jamais resolverá: o que constitui a arte?

“Essas crianças viram esse meio e o alteraram intencionalmente. Só podemos especular além disso”, disse Urban. “Isso poderia ser uma espécie de performance, um show ao vivo, como, alguém diz: ‘Ei, olhe para mim, fiz minhas impressões de mãos sobre essas pegadas’.”

Nesse contexto, Urban defende uma definição mais ampla de arte, mesmo que isso irrite alguns conhecedores.

“Diferentes campos têm definições específicas de arte que priorizam vários critérios”, disse ele. “Mas eu gostaria de transcender isso e dizer que pode haver limitações impostas por essas categorias estritas que podem nos inibir de pensar mais amplamente sobre o comportamento criativo. Acho que podemos fazer um caso sólido de que este não é um comportamento utilitário. Há algo divertido, criativo, possivelmente simbólico sobre isso. Isso leva a uma questão muito fundamental sobre o que realmente significa ser humano.”