Uma das mais importantes estudiosas do desenvolvimento sustentável no mundo.

Uma das mais importantes estudiosas do desenvolvimento sustentável no mundo, a francesa explica por que a metamorfose de companhias tradicionais em empreendimentos preocupados com o ambiente e a responsabilidade social é uma tendência que veio para ficar

Falar em desenvolvimento sustentável na França significa obrigatoriamente mencionar o nome de . Estudiosa do tema reconhecida internacionalmente, ela criou, ainda em 1993, a Utopies (www.utopies.com), que oferece consultoria sobre esse tema para empresas como a gigante de laticínios Danone, e 11 anos depois foi uma das fundadoras da Graines de Changement (www.grainesdechangement.com), entidade que aborda tópicos como consumo responsável e os impactos da alimentação sobre o ambiente. Élisabeth esteve no Brasil em agosto, para o lançamento de seu livro

A empresa verde (publicado pela Õte), ocasião em que respondeu às questões formuladas por PLANETA.

Mais empresas estão se tornando “verdes” hoje em dia? Como você clasificaria a velocidade desa transformação?

Obviamente, sim. e o número de empresas está aumentando num ritmo muito rápido. Isso ocorre porque há uma pressão crescente da sociedade civil, de organizações não governamentais (ONGs), de governos e reguladores em determinados países, além de consumidores e competidores.

A boa nova é que isso não se refere mais apenas a pequenas companhias pioneiras lideradas por empresários visionários. Mais e mais empresas importantes (como General Electric, Walmart, Philips, Toyota, a rede de hipermercados britânica Tesco, as lojas de departamentos britânicas Marks & Spencer e por aí afora) tentam ir além da conformidade legal para comprometerse com outros processos internos de responsabilidade (recursos humanos, compras, produção industrial com certificações ISO, etc.) e com produtos e serviços mais responsáveis.

As limitações “verdes” iniciais estão lentamente se tornando oportunidades (por exemplo, criação de empregos verdes para enfrentar o desaquecimento econômico e mercados verdes com índices de crescimento de dois dígitos, enquanto o restante está perto do zero ou negativo). Vemos empresas se comprometendo com a produção verde, como a Philips, a qual anunciou em 2007 que em 2012 esses produtos representariam cerca de 30% de seu movimento de vendas. Não estamos mais falando de produtos de pequenos nichos de mercado.

Como uma empresa fica verde: por influência de seu criador, do presidente, do conselho de diretores ou do mercado ?

Depende do porte da companhia – se ela é pequena ou grande – e de quando ela se torna verde. Alguns anos atrás, havia apenas pequenas e médias empresas verdes, que ou foram criadas com um posicionamento nesse sentido, como a rede de lojas de cosméticos Body Shop ou a Natura (então, obviamente o aspecto-chave era a visão do fundador-proprietário, na maior parte das vezes), ou passaram por uma “revelação” verde transformada numa revolução, com frequência fundamentada nas visões e valores de criação de seus fundadores (são os casos das britânicas Interface Carpets e Cooperative Bank).

Agora, essa abordagem atinge grandes multinacionais e grupos que não enfatizam tanto o comprometimento pessoal do presidente (sempre necessário!), mas uma análise que considere o amanhã e oportunidades de mercado. Chegou a hora para uma mudança de escala em liderança…

“Desde que lançou o carro híbrido Prius, em 1991, a Toyota viu o valor de sua marca aumentar mais de 80%”

Uma das mais importantes estudiosas do desenvolvimento sustentável no mundo, a francesa explica por que a metamorfose de companhias tradicionais em empreendimentos preocupados com o ambiente e a responsabilidade social é uma tendência que veio para ficar

Como uma empresa verde pode ser lucrativa ?

Não é difícil entender. Se você administra melhor os temas sociais e ambientais e antecipa com mais facilidade obstáculos potenciais, tem, assim, melhor desempenho na prevenção de riscos (sejam eles sociais, ambientais ou de imagem); se presta atenção aos recursos naturais e tenta minimizar a geração de resíduos e o consumo de energia ou água, economiza dinheiro, o que é bom para o resultado financeiro (a Interface poupou mais de US$ 80 milhões em oito anos); se redesenha seus produtos e processos com foco na qualidade (incluindo a qualidade social e ambiental), no serviço para suas partes interessadas, os stakeholders, e cria uma situação “ganha-ganha” para todos os envolvidos, então vai ser muito provavelmente melhor em inovação.

Tudo isso resultará em diferenciação da marca e esta ganhará valor (o valor da marca Toyota aumentou mais de 80%, de acordo com a pesquisa Interbrand, desde que ela lançou o carro híbrido Prius, em 1991), além de reputação aprimorada e maior lealdade dos stakeholders em relação à empresa. Finalmente, é muito provável que esse processo leve a um desempenho financeiro mais elevado no longo prazo.

Quais são as mais importantes empresas verdes do mundo, na sua opinião?

Os exemplos de que mais gosto são aqueles comprometidos com o que chamo de abordagem “sustentabilidade 2.0”, pela qual as empresas não apenas assumem compromissos em seus processos e sistemas internos numa abordagem de prevenção de riscos, mas vão além e iniciam uma “virada verde” para mudar seus produtos e serviços com o objetivo de torná-los mais responsáveis.

O Walmart está fazendo isso atualmente, em termos ambientais: assumiu fortes compromissos para tornar mais verde não apenas sua cadeia de suprimentos (especialmente em logística e embalagens).

Investiu ainda em itens como lojas verdes e treinamento de sua força de trabalho sobre temas ambientais. A Philips também tem essa abordagem: desde que se comprometeu a aumentar a participação de produtos verdes em seu catálogo, quase todos os seus novos produtos têm de fato um valor e um posicionamento verdes agregados (por exemplo, lâmpadas LED para decoração de interiores).

A Marks & Spencer fez o mesmo com seu Plano A, de cinco anos, lançado em janeiro de 2007, pelo qual escolheu cinco temas e 100 compromissos para disseminar a sustentabilidade em suas práticas diárias e nos produtos que vende (100% de café, chá e algodão orgânicos e negociados via comércio justo em 2012, 100% de ovos caipiras em caixas de ovos, massas e doces com ovos, 100% de corantes “verdes” em roupas, etc.).

A Toyota desenvolveu a tecnologia híbrida antes de seus competidores, de modo que agora possui todas as patentes nessa área, e também se comprometeu a desenvolver o mercado e a provar que esse carro, menor e menos sexy do que os tradicionais de preço semelhante, é de fato mais competente, sofisticado, adaptado ao amanhã – e até mesmo mais sexy, já que Leonardo DiCaprio dirige um! Essas empresas estão abrindo o caminho: elas provam que é possível integrar suas estratégias de sustentabilidade e de negócios, acreditam que uma companhia tem apenas os clientes que merece, que você tem de preparar seu mercado em vez de esperar que ele fique pronto… Elas provam que sustentabilidade envolve também oportunidades de mercado, e não apenas mais regulações e barreiras.

Há muitas empresas que dizem que são verdes e têm importantes iniciativas em termos de sustentabili dade , mas em certas áreas agem de maneira oposta a esa pregação

“O Walmart assumiu fortes compromissos para tornar mais verde sua cadeia de suprimentos, especialmente em logística e embalagens”

… fundador e presidente da Interface Carpets, Ray Anderson, frequentemente se refere à sustentabilidade como uma montanha a escalar. Assim, mesmo se a companhia é vista por muitos como mais avançada nesse caminho, ele acredita que a Interface apenas começou sua viagem e ainda tem muito a fazer para ser realmente sustentável.

O mesmo ocorre para todas as empresas, grandes ou pequenas: na essência, a sustentabilidade se refere a trabalhar no que você poderia fazer melhor, para ter um impacto menos negativo e, se possível, mais positivo nas pessoas, na sociedade, no ambiente. Assim, é comum que uma empresa tenha iniciativas muito boas em certas áreas e aja de forma oposta em outras.

Uma das mais importantes estudiosas do desenvolvimento sustentável no mundo, a francesa explica por que a metamorfose de companhias tradicionais em empreendimentos preocupados com o ambiente e a responsabilidade social é uma tendência que veio para ficar

O que importa mais, em minha opinião, é a companhia permanecer humilde quando fala sobre sua abordagem e gastar mais tempo falando sobre o que ela quer melhorar do que sobre o que conseguiu realizar. Isso é difícil para os gerentes de comunicação, que estão habituados a fazer estardalhaço sobre o que vai bem e silenciar sobre o que vai mal.

As empresas são o melhor lugar para se aprender sobre sustentabilidade hoje?

Pode ser… mas eu diria que, na maioria, são as ONGs: estou impressionada pelo fato de que na França, por exemplo, as equipes que trabalham nas maiores dessas organizações são muito qualificadas e especializadas. O Greenpeace fez uma campanha sobre cosméticos e o sujeito encarregado dela era provavelmente uma das pessoas mais versadas sobre o tema que já encontrei.

O Friends of the Earth (Amigos da Terra) da França tem uma grande equipe fazendo campanha nos bancos e no setor financeiro – e novamente eles sabem mais sobre os assuntos de sustentabilidade relacionados a esse setor do que muitas pessoas que encontrei em bancos, incluindo aquelas encarregadas de estratégias de sustentabilidade…

Quais países estão na liderança no tema sustentabilidade ?

A Grã-Bretanha caminha bem nesse sentido, mesmo sofrendo uma retração econômica agora.

O governo tem sido muito proativo, estabeleceu metas nacionais ambiciosas com a qual todos têm de contribuir. Existem ali ONGs poderosas, como Oxfam e Friends of the Earth; além disso, celebridades como o príncipe de Gales estão pessoalmente muito comprometidas em fazer avançar o tema da responsabilidade corporativa. Os britânicos também possuem empresas pioneiras como a Body Shop ou o Cooperative Bank e líderes em grandes empresas, como os hipermercados Tesco… Eles estão cinco anos à frente da França.

Como a crise econômica global está afetando as empresas verdes?

Curiosamente, ninguém parece enfrentar o assunto principal, que é o fato de o mundo financeiro estar em total desconexão com a economia real e, portanto, também com as normas éticas (veja-se o caso dos subprimes, em que bancos emprestaram dinheiro para ajudar pobres a comprar suas casas, menosprezando o fato de que essas pessoas poderiam ficar em situação financeira difícil… apenas porque eles pensaram que poderiam ganhar mais dinheiro tomando as casas de volta e vendendo-as!).

“As pessoas tendem a alugar produtos como um serviço, em vez de comprá-los. é o caso do programa de bicicletas vélib, da prefeitura de paris”

Mas as tendências no consumo, por exemplo, estão levando à direção certa: as pessoas têm menos dinheiro e querem gastar de uma forma mais inteligente, dando preferência a produtos duráveis e que possam ser consertados; elas também tendem a alugar produtos como um serviço, em vez de comprá-los (por exemplo, o programa de aluguel de bicicletas Vélib, da prefeitura de Paris); elas querem comprar diretamente do produtor (especialmente comida, pois assim ela sai mais barata, mas também aproveitando a produção local e de estação, o que também é bom para o planeta), adquirem artigos de segunda mão (o que é outra forma de aumentar o tempo de vida de produtos), etc. Na França, por exemplo, os mercados de “produtos responsáveis” (como alimentos orgânicos, comércio justo, carros verdes, painéis solares ou detergentes verdes) são os únicos que ainda crescem a taxas muito boas. Portanto, as empresas, buscando novos níveis de crescimento, estão captando a mensagem e aprontando-se para mudar sua estratégia.

O aquecimento global é um obstáculo ou uma oportunidade para as empresas verdes?

É uma limitação que pode ser transformada em oportunidade. No caso das empresas de tecnologia da informação, é um enorme obstáculo, pois centros de processamento de dados e servidores ficam sempre mais poderosos para processar mais informações, mas consomem muita energia. No entanto, o aquecimento global é uma oportunidade para possibilitar reduções significativas de emissões em outros setores da economia.

Na área de construção, por exemplo, há um gigantesco desafio: ela responde por 40% das liberações de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera ao redor do mundo, e suas emissões ainda estão subindo! Existe aí uma oportunidade para redesenharmos nossos edifícios de modo a fazê-los trabalhar como árvores (dando mais energia para o lado externo do que tirando), para desenvolvermos novas e mais inteligentes tecnologias, para criarmos milhares de empregos em restauração verde, etc. As companhias que ainda estiverem aí em 30, 50 anos serão aquelas que conseguiram transformar os limites verdes em oportunidades.

A Conferência do Clima, realizada em dezembro em Copenhague (Dinamarca), pode ser um marco para as empresas verdes em termos de importância, caso elas façam lobby junto a seus governos por mais regulações rigorosas em termos de mudança climática. Esse é um detalhe muito expressivo na abordagem social e ambiental de uma empresa – ver se ela possui grupos de pressão, se as regulações que ela apoia estão de fato alinhadas com suas declarações para o público externo e seu posicionamento verde.