Sou médico e cientista da Universidade da Virgínia (EUA). Cuido de pacientes e conduzo pesquisas para encontrar melhores maneiras de diagnosticar e tratar doenças infecciosas, incluindo a covid-19. Aqui, estou compartilhando o que se sabe sobre quais tratamentos funcionam e quais não funcionam para a nova infecção por coronavírus.

Lembre-se de que esse campo da medicina está evoluindo rapidamente à medida que nossa compreensão do vírus SARS-CoV-2 melhora. Então, o que estou escrevendo hoje pode mudar em dias ou semanas.

A seguir estão os tratamentos experimentados e para os quais temos o melhor conhecimento.

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Hidroxicloroquina ou cloroquina: nenhuma evidência de que funcionem

Existem três ensaios clínicos randomizados de hidroxicloroquina, os quais falharam em provar ou refutar um efeito benéfico ou prejudicial no curso clínico da covid-19 ou na eliminação do vírus. Dada essa atual falta de evidência, esses medicamentos, que normalmente são usados ​​para tratar a artrite, só devem ser usados ​​no contexto de um ensaio clínico controlado.

Lopinavir/ritonavir: não é útil

O medicamento lopinavir é um inibidor de uma enzima chamada protease do vírus HIV, que está envolvida na produção de partículas virais. Os inibidores de protease para o HIV foram revolucionários, levando à nossa capacidade atual de tratar efetivamente o HIV. O lopinavir também pode inibir enzimas que desempenham funções semelhantes às da protease do HIV nos coronavírus SARS e MERS. O ritonavir aumenta o nível de lopinavir no sangue, de modo que a combinação lopinavir/ritonavir foi testada em um ensaio clínico controlado randomizado para covid-19.

Infelizmente, não houve impacto nos níveis de vírus na garganta ou na duração do derramamento viral, nem a evolução clínica ou a sobrevida dos pacientes. Portanto, não há papel para o lopinavir/ritonavir no tratamento de covid-19.

Esteroides: sim para quase todos os pacientes com covid-19

Quando um hormônio esteroide sintético, chamado dexametasona, foi administrado a pacientes com covid-19, o medicamento reduziu a mortalidade em 28 dias em 17% e apressou a alta hospitalar.

Esse trabalho foi realizado em um ensaio clínico randomizado e controlado de mais de 6 mil pacientes. Embora ele não tenha sido replicado em outro estudo ou ainda revisado por pares, é certamente evidência suficiente para recomendar seu uso.

Tocilizumabe: muito cedo para julgar

O tocilizumabe é um anticorpo que evita que uma proteína, chamada receptor de interleucina 6 (IL-6), ligue-se à IL-6 e desencadeie a inflamação. Os níveis de IL-6 são mais altos em muitos pacientes com covid-19, e o sistema imunológico em geral parece estar hiperativado naqueles com a doença em estágio mais grave. Isso leva muitos médicos a pensar que a inibição do receptor da IL-6 pode proteger os pacientes de um avanço da doença a um estágio grave.

Atualmente, o tocilizumabe é aprovado pela FDA [agência dos EUA que regula alimentos e remédios] para o tratamento da artrite reumatoide e várias outras doenças vasculares do colágeno [como lúpus eritematoso] e para a “tempestade de citocinas” – uma reação exagerada do sistema imunológico – que pode ser causada por certos tipos de terapia contra o câncer e pela covid-19.

Um estudo observacional retrospectivo constatou que pacientes com covid-19 tratados com tocilizumabe apresentaram menor risco de ventilação mecânica e morte. Mas nos falta um ensaio clínico controlado randomizado. Portanto, não há como verificar se essa aparente melhora ocorreu devido ao tocilizumabe ou à natureza imprecisa de estudos retrospectivos.

Plasma convalescente: muito cedo para julgar

O plasma convalescente, o líquido derivado do sangue após a remoção dos glóbulos brancos e vermelhos, contém anticorpos de infecções anteriores que o doador de plasma possuía. Esse plasma tem sido usado para prevenir doenças infecciosas, incluindo pneumonia, tétano, difteria, caxumba e varicela, há mais de um século. Pensa-se que beneficia os pacientes porque os anticorpos do plasma dos sobreviventes se ligam e inativam patógenos ou suas toxinas dos pacientes. O plasma convalescente já foi usado em milhares de pacientes com covid-19.

No entanto, o único ensaio clínico randomizado foi pequeno e incluiu apenas 103 pacientes que receberam plasma convalescente 14 dias após adoecerem. Não houve diferença no tempo para melhora clínica ou mortalidade entre aqueles que receberam e não receberam tratamento. A notícia encorajadora foi que houve uma diminuição significativa nos níveis de vírus detectados por PCR.

Portanto, é muito cedo para dizer se isso será benéfico e são necessários ensaios clínicos controlados.

Remdesivir: sim, diminui internação hospitalar

O remdesivir é um medicamento que inibe a enzima do coronavírus que faz cópias do genoma do RNA viral. Ele age causando interrupção prematura ou término da cópia e, por fim, impede a replicação do vírus.

O tratamento com remdesivir, especialmente em pacientes que necessitaram de oxigênio suplementar antes de serem colocados em um respirador, reduziu a mortalidade e encurtou o tempo médio de recuperação de 15 para 11 dias.

Inibidores de ECA e BRA: continue a tomá-los

Havia uma preocupação de que medicamentos chamados inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) ou bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA), usados ​​para tratar pressão alta e insuficiência cardíaca, pudessem aumentar os níveis das proteínas ACE2, o receptor do vírus SARS-CoV-2, na superfície das células do corpo. Segundo os médicos, isso permitiria mais pontos de entrada para o vírus infectar células e, portanto, aumentaria a gravidade de novas infecções por coronavírus.

No entanto, não há evidências de que esse seja o caso. A American Heart Association, a Heart Failure Society of America e o American College of Cardiology recomendam que os pacientes continuem a tomar esses medicamentos durante a pandemia, pois são benéficos no tratamento da pressão alta e da insuficiência cardíaca.

Fizemos um progresso incrível no tratamento da covid-19. Já se mostrou que duas terapias – esteroides e remdesivir – ajudam. Aqueles que se beneficiam com esses tratamentos devem agradecer aos pacientes que se ofereceram para participar de ensaios clínicos controlados e aos médicos e empresas farmacêuticas que os lideram.

 

* William Petri é professor de medicina na Universidade da Virgínia (EUA).

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.