Um bairro de avenida larga, calçadas amplas e padronizadas, com ciclovias, iluminação LED, wi-fi gratuito, cabeamento subterrâneo, câmeras de segurança nas ruas, geração de energia elétrica de fonte renovável, reaproveitamento da água da chuva, e ainda livre de alagamentos. Um bairro que oferece uma série de serviços, como área de lazer com muito verde, lagoa, cinema, bibliotecas de livros e de objetos, cozinha comunitária e cursos grátis.

Essa descrição, que mais se parece à de um condomínio fechado de alto padrão, é a realidade de um novo conjunto habitacional de interesse social em Croatá, distrito de São Gonçalo do Amarante, cidade na região metropolitana de Fortaleza (CE), onde está o porto do Pecém. Embora chamada Smart City Laguna – em tradução literal, “Cidade Inteligente Laguna” –, o projeto na verdade é de um “bairro inteligente”, por não ter administração pública independente. E está sendo definido como o “primeiro bairro inteligente social do mundo” porque segue padrões de infraestrutura, sustentabilidade, mobilidade, conectividade e compartilhamento das “smart cities” e ainda avança na questão da inclusão social.

“Quem morar em bairros inteligentes 
vai viver melhor e poluir menos

Sem muros, sem taxa de condomínio e com valores na faixa das unidades do programa Minha Casa, Minha Vida, parcelados em 10 anos, o Laguna se apresenta como um conceito inovador para reduzir o déficit habitacional das classes mais baixas, oferecendo alto padrão de qualidade. “Não posso pensar numa infraestrutura para ricos e outra para pobres. Na Itália não existe condomínio fechado”, comenta a italiana Susanna Marchionni, que se mudou para o Brasil há seis anos para tocar esse projeto. As obras foram iniciadas em janeiro de 2015 e, sem atraso no cronograma nem desvio de orçamento, a primeira etapa do empreendimento está sendo entregue em dezembro de 2018.

Com toda a estrutura pronta em 90 hectares, 50 modelos diferentes de casas decoradas, com jardinagem, foram abertas para visitação. Em 2019, 350 casas serão entregues aos proprietários, conforme as plantas que escolherem, com possibilidade de customizarem um detalhe ou outro. As unidades vão de 55 a 75 metros quadrados e custam de R$ 97 mil a R$ 145 mil. “Dentro de três anos vamos finalizar todo o bairro – 330 hectares, 1.800 unidades (90% casas e 10% apartamentos)”, garante Giovanni Savio, CEO da Planet Idea.

Por que no Brasil?

Idealizado e todo realizado pelo grupo Planet Idea, de origem italiana e com sede em Londres (Inglaterra), o conceito de bairros inteligentes quer mudar os padrões nacionais e internacionais de qualidade de vida no meio urbano. Somente para o Brasil, onde a holding se chama SG Desenvolvimento, estão previstos cinco bairros no total. A empresa já encontrou o segundo endereço onde construir. Coincidentemente, a cidade também se chama São Gonçalo do Amarante, mas fica no Rio Grande do Norte, próxima à capital, Natal. O local do terceiro empreendimento deve ser anunciado ainda em 2018.

México e Índia são os próximos mercados em vista, para 2019. Na Itália, a empresa já iniciou dois empreendimentos do tipo. O de Milão, com 600 apartamentos sociais e 200 unidades para a classe média, está sendo entregue em 2018; o de Roma, de 900 apartamentos, é um lançamento mais recente.

A proposta da holding é ser um grupo especializado que, em cada lugar do mundo onde chega, constrói um bairro do zero entre 28 e 30 meses. “Um modelo de execução eficiente, com um mix funcional, baseado em um projeto de moradias”, expõe Savio. Como no Laguna, que tem também área industrial e comercial pensadas para atender 600 mil habitantes do conjunto de municípios próximos e, ao mesmo tempo, gera oferta de emprego local.

Centro de convivência do bairro: um espaço de atividades aberto para toda a comunidade (Foto: Divulgação)

A escolha de iniciar todo esse movimento pelo Brasil foi quase por acaso. Susanna e Savio buscavam países com grande escala, em crescimento econômico, com fluxo migratório do rural para o urbano e forte déficit habitacional. Foi numa reportagem de renomada publicação financeira britânica que Susanna encontrou a resposta: entre os 10 melhores lugares do mundo para se investir estava a área do porto do Pecém.

Outros argumentos se somaram a isso. “As moradias sociais no mundo representam um mercado de US$ 250 bilhões, e o Brasil é cerca de 7% desse total. Dos 25 milhões de casa ou apartamentos construídos no mundo, 40% são habitações sociais, em média, nos últimos tempos. Já no Brasil, esse índice chega a 70% do total”, explica Savio.

Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), com base em dados de 2015, os mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, o déficit habitacional brasileiro é de 7,757 milhões de moradias. As famílias de baixa renda são as mais afetadas – 91% estão no estrato até três salários mínimos. Não à toa, foram os compradores que mais acreditaram no projeto da Planet. “As vendas foram um sucesso. Já as empresas que chamamos como parceiros e a administração pública se mostraram bem reticentes”, diz Savio.

Como se sustenta?

Por trás da Planet Idea estão, desde o início, 45 investidores – todos pessoas físicas – que colocaram US$ 30 milhões para construir esse conceito. Agora chegaram novos investidores, dos quais o mais importante é Stefano Buono, que se tornou o atual presidente. Além disso, a empresa está se abrindo para o mercado financeiro em busca de um aumento de capital de US$ 100 milhões.

Claro que todos os envolvidos querem obter lucro com seus investimentos e, para isso, o negócio dos bairros inteligentes precisa funcionar. “Vamos mostrar para o mercado imobiliário que é melhor construir um bairro de 2 a 3 mil casas do que 10 bairros de 250 casas. Com essa escala, é possível produzir tudo zero quilômetro, diminuir custos, aumentar a sustentabilidade”, diz Savio.

Os compradores podem escolher sua planta preferidaentre 50 modelos de casas (Foto: Divulgação)

A diversidade de serviços oferecidos para os moradores – um dos grandes diferenciais desse modelo – se paga com a economia de escala. Em Milão, a Planet está fechando parceria com um vendedor de eletrodomésticos para oferecer descontos por meio do aplicativo de convivência. “É como criar um grupo de compra, um marketplace. Ficamos com um percentual do valor dessas vendas e assim custeamos os serviços oferecidos.”

Pelo app, criado para potencializar a economia colaborativa nos bairros inteligentes, é possível compartilhar carona, retirar bicicleta e carro compartilhado, anunciar e contratar produtos e serviços, saber a programação local, ver as imagens das câmeras de segurança, entre outras coisas.

Mais duas questões-chave prometem a sustentação desse modelo de negócio: a sustentabilidade ambiental e a social. A iluminação LED custou 15% a mais que a tradicional, mas consome 70% a menos e foi bancada não pela prefeitura, mas pela construtora – tal como os painéis fotovoltaicos, que terão energia de sobra para entregar à rede pública.

Do total da infraestrutura do bairro, 40% está no subsolo. Passaram-se meses até esse trabalho se tornar visível. Só quando começaram as chuvas que os corretores viram que as ruas do Laguna não ficavam alagadas, como muitas da região. As bocas de lobo a cada 25 metros e as tubulações subterrâneas, de 1,80 m de altura, escoam as águas para a lagoa. “Quando começar a chover em janeiro, vai ser época de muita visita”, comemora Susanna, acreditando que então será dado o devido valor a esse trabalho.

O programa de inclusão social do bairro já atende 4 mil crianças da região (Foto: Divulgação)

Mas são os moradores das redondezas os primeiros beneficiados com a chegada do bairro. O chamado “hub de inovação” do empreendimento já funciona há dois anos, atendendo mais de 4 mil crianças da região – grande parte vindas da comunidade vizinha ao empreendimento. Todos são cadastrados nas bibliotecas de livros e de objetos, e muitas pesquisas são feitas pela empresa para entender sobre eles e suas­ famílias. Cursos de inglês, de artesanato, sessões de cinema e empoderamento digital são algumas das atividades oferecidas gratuitamente nesse espaço.

“O bairro é aberto e a vizinhança é sua maior defensora. O sentimento de pertencer faz toda a diferença, muda a percepção das pessoas. É a cultura do bem viver com os outros. Esse é meu carro-chefe: inclusão social garante segurança, e isso não é mar­keting”, afirma Susanna. “Quem morar em bairros inteligentes vai gastar menos (por água, luz, serviços), viver melhor e poluir menos. Não é só vantagem filosófica, é vantagem econômica também”, preconiza Savio, para quem esse é o futuro do mercado imobiliário.