Quando escreveu “Get Back”, Paul McCartney nunca teria previsto o quão útil ou relevante a música se tornaria para os musicoterapeutas. O refrão da música – “Volte para onde você já pertenceu” – poderia muito bem ser um terapeuta encorajando um paciente com demência a recordar uma memória distante. Em uma nova pesquisa, Psyche Loui, professora associada de música da Northeastern University (EUA), está tentando fazer exatamente isso. Seu estudo foi publicado na revista Scientific Reports.

Loui descobriu que para adultos mais velhos que ouviram algumas de suas músicas favoritas, incluindo The Beatles, a conectividade no cérebro aumentou. Especificamente, Loui e sua equipe multidisciplinar de musicoterapeutas, neurologistas e psiquiatras geriátricos descobriram que a música preencheu a lacuna entre o sistema auditivo do cérebro e o sistema de recompensa, a área que governa a motivação.

“Existe algo na música que é essa conectividade funcional entre o sistema auditivo e de recompensa, e é por isso que a música é tão especial e capaz de explorar essas funções cognitivas aparentemente muito gerais que de repente estão muito envolvidas em pessoas com demência que estão ouvindo música”, disse Loui, diretora do Laboratório de Imagem Musical e Dinâmica Neural da Northeastern University.

A pesquisa de Psyche Loui, diretora do Laboratório de Imagem Musical e Dinâmica Neural da Northeastern University, fornece informações sobre como a música altera os caminhos conectivos no cérebro. Crédito: Matthew Modoono/Northeastern University

Maneira diferente

A ideia original para a pesquisa surgiu das próprias experiências de Loui tocando música em asilos. Ela lembrou como as pessoas que não conseguiam terminar uma frase ou pensamento de repente se harmonizavam e cantavam junto com uma música que ela estava tocando.

“[A música] parece envolver o cérebro de uma maneira diferente de tudo o mais”, disse Loui.

Os pesquisadores pediram a um grupo de idosos com idades entre 54 e 89 anos da área de Boston que ouvisse uma playlist (lista de reprodução) por uma hora todos os dias durante oito semanas e fizesse um diário sobre sua resposta à música depois. Loui e a equipe escanearam os cérebros dos participantes antes e depois de ouvir a lista para medir sua resposta neurológica.

As playlists eram altamente personalizadas e apresentavam uma combinação de músicas selecionadas pelos participantes, que variavam de Beatles a Bruce Springsteen, e uma mistura pré-selecionada de peças clássicas, músicas pop e rock e novas composições criadas por Hubert Ho, professor associado de ensino de música na Northeastern University. Os participantes então classificariam cada música com base em quanto eles gostaram e quão familiar ela era.

Conexão forte

“A lição mais importante que aprendemos com o musicoterapeuta foi que não existe um ‘tamanho único’ para o tipo de música que funciona melhor”, disse Loui.

O que os pesquisadores descobriram foi impressionante: a música estava essencialmente criando um canal auditivo diretamente para o córtex pré-frontal medial, o centro de recompensa do cérebro. Notavelmente, o córtex pré-frontal medial “é uma das áreas que perdem sua atividade e conectividade funcional em adultos idosos, especialmente em pessoas com demência”, afirmou Loui.

A música que era familiar e apreciada tendia a ativar mais as áreas auditivas e de recompensa. No entanto, as músicas que os participantes selecionaram forneceram uma conexão ainda mais forte entre essas duas áreas do cérebro.

“Este pode ser o mecanismo central para as mudanças que acontecem no cérebro quando você está ouvindo música e quando está ouvindo música de forma consistente, persistente e consciente ao longo de uma intervenção”, disse Loui.

Impacto significativo

Ela espera que esse estudo, um dos primeiros a documentar as mudanças neurológicas da exposição prolongada à intervenção baseada na música, possa ter um impacto significativo em um campo que rapidamente tem ganhado destaque. O Instituto Nacional de Saúde (NIH) está atualmente promovendo iniciativas em torno da musicoterapia, e o Conselho Global de Saúde do Cérebro da AARP (grupo de interesse nos Estados Unidos que se concentra em questões que afetam pessoas com mais de 50 anos) recentemente convocou um painel, no qual Loui atuou, para examinar evidências da influência da música na saúde do cérebro. O painel finalmente formou recomendações sobre como as pessoas com 50 anos ou mais podem incorporar a música em suas vidas para promover o bem-estar mental.

A capacidade da música de acalmar idosos e pessoas com doenças mentais está bem documentada, disse Loui. Mas o que é menos conhecido é como e até que ponto a música pode ajudar a melhorar a memória, a cognição e a função executiva (gestão dos processos cognitivos, incluindo memória de trabalho, raciocínio, flexibilidade de tarefas e resolução de problemas, bem como planejamento e execução).

“Isso é algo em que estamos trabalhando agora, e acho que pode haver algo sobre o fato de que a música é uma arte que se desenvolve ao longo do tempo”, afirmou Loui. “Por exemplo, você está ouvindo uma batida e depois pode bater os dedos dos pés no acompanhamento. Esse tipo de processo envolve os sistemas de recompensa e cognitivos do cérebro de maneiras que podem ser benéficas para as funções cognitivas de longo prazo.”

Loui espera estender seu estudo a adultos mais velhos com distúrbios cognitivos e neurodegenerativos – pessoas que podem se beneficiar ainda mais dos efeitos da musicoterapia. “Estamos tentando projetar essas novas terapias para aproveitar as propriedades rítmicas da música e as propriedades rítmicas do cérebro, e o ajuste das populações neurais em relação aos sinais acústicos da música pode ser útil para melhorar a cognição”, disse ela.