Uma equipe multi-institucional de astrofísicos sediada na Universidade de Boston (EUA), liderada pela astrofísica Merav Opher, fez uma descoberta revolucionária em nossa compreensão das forças cósmicas que moldam a bolha protetora em torno do Sistema Solar. Conhecida pelos cientistas como heliosfera, é essa bolha que protege a vida na Terra. O estudo sobre a novidade foi publicado na revista The Astrophysical Journal.

Segundo os astrofísicos, a heliosfera protege os planetas do Sistema Solar da poderosa radiação que emana de supernovas, as explosões finais de estrelas moribundas. Eles acreditam que a heliosfera se estende muito além do Sistema Solar. Apesar de funcionar como um enorme amortecedor contra a radiação cósmica, a heliosfera ainda não tinha sua forma conhecida. Nem, aliás, seu tamanho.

“Como isso é relevante para a sociedade? A bolha que nos rodeia, produzida pelo Sol, oferece proteção contra os raios cósmicos galácticos, e seu formato pode afetar a forma como esses raios chegam à heliosfera”, disse James Drake, astrofísico da Universidade de Maryland (EUA), colaborador de Opher e coautor do novo estudo. “Existem muitas teorias, mas é claro, a maneira como os raios cósmicos galácticos podem entrar pode ser impactada pela estrutura da heliosfera – ela tem rugas e dobras, esse tipo de coisa?”

Formas instáveis

A equipe de Opher elaborou algumas das simulações de computador mais instigantes da heliosfera, com base em modelos construídos em dados observáveis ​​e astrofísica teórica. Esse grupo, formado por especialistas que Opher recrutou em outras 11 universidades e instituições de pesquisa, desenvolve modelos preditivos da heliosfera em um esforço que a equipe chama de Shield (Solar-wind with Hydrogen Ion Exchange and Large-Scale Dynamics).

A equipe Shield tem buscado respostas para várias perguntas intrigantes: qual é a estrutura geral da heliosfera? Como suas partículas ionizadas evoluem e afetam os processos heliosféricos? Como a heliosfera interage e influencia o meio interestelar, a matéria e a radiação que existe entre as estrelas? E como os raios cósmicos são filtrados ou transportados pela heliosfera?

O novo artigo publicado por Opher e colaboradores revela que partículas de hidrogênio neutro fluindo de fora do Sistema Solar provavelmente desempenham um papel crucial na maneira como nossa heliosfera toma forma. No estudo, a equipe queria entender por que os jatos heliosféricos – colunas florescentes de energia e matéria que são semelhantes a outros tipos de jatos cósmicos encontrados em todo o universo – tornam-se instáveis. “Por que estrelas e buracos negros – e nosso próprio Sol – ejetam jatos instáveis?”, perguntou Opher. “Vemos esses jatos projetando-se como colunas irregulares e [os astrofísicos] há anos se perguntam por que essas formas apresentam instabilidades.”

Perturbações

Da mesma forma, os modelos Shield preveem que a heliosfera, viajando em conjunto com o Sol e abrangendo nosso sistema solar, não parece ser estável. Outros modelos da heliosfera desenvolvidos por outros astrofísicos tendem a representar a heliosfera como tendo um formato de cometa, com um jato – ou uma “cauda” – fluindo atrás em seu rastro. Em contraste, o modelo de Opher sugere que a heliosfera tem a forma mais parecida com um croissant ou mesmo uma rosquinha.

O motivo disso? Partículas de hidrogênio neutro, assim chamadas porque tem quantidades iguais de carga positiva e negativa que não geram nenhuma carga.

“Elas vêm fluindo através do Sistema Solar”, afirmou Opher. Usando um modelo computacional como uma receita para testar o efeito dos ‘neutros’ na forma da heliosfera, ela “tirou um ingrediente do bolo” – os neutros – e percebeu que os jatos vindos do Sol, moldando a heliosfera, tornaram-se superestáveis. “Quando eu os coloco de volta, as coisas começam a dobrar, o eixo central começa a balançar, e isso significa que algo dentro dos jatos heliosféricos está se tornando muito instável.”

Uma instabilidade como essa, teoricamente, causaria perturbações nos ventos e jatos solares que emanam do Sol, fazendo com que a heliosfera se dividisse em uma forma semelhante a um croissant. Embora os astrofísicos ainda não tenham desenvolvido maneiras de observar a forma real da heliosfera, o modelo de Opher sugere que a presença de neutros colidindo com o Sistema Solar tornaria impossível para a heliosfera fluir uniformemente como um cometa em movimento. E uma coisa é certa – os neutros estão definitivamente abrindo caminho através do espaço.

Universo em agitação

De acordo com Drake, o modelo de Opher “oferece a primeira explicação clara de por que a forma da heliosfera se divide nas áreas norte e sul, o que poderia impactar nossa compreensão de como os raios cósmicos galácticos chegam à Terra e nos arredores do ambiente terrestre”. Isso pode afetar a ameaça que a radiação representa para a vida na Terra e também para os astronautas no espaço ou futuros pioneiros que tentem viajar para Marte ou outros planetas.

“O universo não está calmo”, disse Opher. “Nosso modelo não tenta eliminar o caos, o que me permitiu localizar a causa [da instabilidade da heliosfera]… As partículas de hidrogênio neutro.”

Especificamente, a presença dessas partículas colidindo com a heliosfera desencadeia um fenômeno bem conhecido pelos físicos, denominado instabilidade de Rayleigh-Taylor. Essa instabilidade ocorre quando dois materiais de densidades diferentes colidem, com o material mais leve empurrando o material mais pesado. É o que acontece quando o óleo está suspenso acima da água e quando fluidos ou materiais mais pesados ​​estão suspensos acima dos fluidos mais leves. A gravidade atua e dá origem a algumas formas descontroladamente irregulares. No caso dos jatos cósmicos, o arrasto entre as partículas neutras de hidrogênio e os íons carregados cria um efeito semelhante ao da gravidade. Os “dedos” vistos na famosa nebulosa Cabeça de Cavalo, por exemplo, são causados ​​pela instabilidade de Rayleigh-Taylor.

“Esta descoberta é um grande avanço”, disse Opher. “Ela realmente nos colocou na direção de descobrir por que nosso modelo obtém sua heliosfera em forma de croissant distinta e por que outros modelos não.”