Ainda não pousamos um artefato terrestre na superfície de um cometa, mas estamos muito perto disso. Em 6 de agosto, se tudo correr como previsto, a sonda Rosetta, da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), chegará perto do núcleo do cometa 67P/ChuryumovGerasimenko e entrará em sua órbita. A data marcará o início da mais detalhada investigação já feita de um desses corpos celestes, que deverá durar 16 meses e inclui o envio de um módulo de pouso, o Philae, ao solo do 67P, em novembro. 

Rosetta é o momento culminante dos investimentos que começaram a ser feitos na década de 1980, quando diversas sondas foram enviadas para estudar a passagem do cometa Halley, em 1986. As inúmeras informações de valor extraídas por várias naves estimularam a ESA e a Nasa, a agência espacial norteamericana, a desenvolver missões conjuntas nesse sentido, a fim de reduzir custos. 

Nasa criou então o projeto Comet Rendezvous Asteroid Flyby (Craf) e a ESA, o Comet Nucleus Sample Return (CNSR). As duas missões seriam levadas ao espaço pela espaçonave Mariner Mark II, em desenvolvimento. Em 1992, porém, cortes no orçamento levaram a Nasa a cancelar o Craf. A ESA não se abateu e decidiu tocar o projeto sozinha. Depois de algumas readaptações, a missão, renomeada e com orçamento calculado em 1 bilhão de euros, decolou da Guiana Francesa, em 2 de março de 2004. 

Missões espaciais significam uma vasta trabalheira com cálculos, e a Rosetta exemplifica bem isso. Lançada inicialmente numa órbita circular ao redor do Sol, a sonda teve sua trajetória gradualmente ajustada para seguir rumo ao 67P, o que implicou três sobrevoos sobre a Terra e um sobre Marte. Tudo correu bem, e a sonda ainda sobrevoou e estudou os asteroides Steins, em 2008, e Lutetia, em 2010, antes de “dormir” por cerca de dois anos e meio. Em janeiro passado, ela foi reacordada – num procedimento inesperadamente demorado que, nas palavras do cientista da ESA Martin Keller, “foram alguns espetaculares minutos de tortura” – a fim de se preparar para o seu objetivo maior. 

Em maio, a sonda começou uma série de manobras a fim de atingir, em 2 de julho, 94% da condição necessária para igualar sua velocidade à do 67P. Com mais cinco manobras menores, a Rosetta deverá chegar em 6 de agosto a cerca de 100 km do núcleo do 67P, pronta para se aproximar ainda mais. 

Pelos 16 meses seguintes, a nave marcará bem de perto o 67P, acompanhando sua aproximação ao Sol. À medida que o pequeno astro vai se aquecendo, seu núcleo libera vapor d’água, gases e nuvens de poeira, que criam uma vasta cauda luminosa. 

Em novembro, Rosetta fará o movimento mais importante da missão: o envio do módulo Philae à superfície do cometa. De lá, o Philae transmitirá informações para a sonda durante três semanas – tempo máximo estimado para o funcionamento das suas baterias. “Graças à Rosetta rastrearemos a evolução de um cometa em bases diárias por mais de um ano”, resume Matt Taylor, cientista do projeto

Portadores da vida

Na Idade Média os cometas eram vistos como arautos da destruição e de grandes mudanças. Até o início do século XX a passagem do Halley, o mais famoso deles, assustava muita gente. Mas hoje os astrônomos têm uma visão bem diferente desses corpos celestes. É possível que a água do nosso planeta tenha sido trazida por cometas. Os cientistas também especulam que esses corpos podem ter transportado para cá compostos orgânicos fundamentais para a vida, como aminoácidos.

Os cometas que conhecemos são resultantes da formação do Sistema Solar, há cerca de 4,6 bilhões de anos. Nessa época, uma nuvem de gelo e poeira formada pela explosão de estrelas aglutinou- se e tornou-se um disco quente, que deu origem ao Sol e aos planetas. Nas bordas externas desse disco, sobras do material original aglutinaram-se e formaram cometas. “Esses objetos são os restos do nascimento do Sistema Solar”, afirma o astrônomo americano Michael A’Hearn, da Universidade de Maryland e membro da missão Rosetta. Os cometas contêm informações preciosas não apenas sobre o início do nosso sistema planetário, mas também sobre a própria origem do universo em si. 

A mais bem-sucedida sonda enviada ao encontro do Halley em 1985, a Giotto, da ESA, mostrou que o cometa – um corpo no formato de um amendoim com 15 quilômetros de comprimento – tinha em seu lado voltado para o Sol três locais de onde eram expelidas para o espaço, a cada segundo, várias toneladas de vapor d’água misturado com monóxido de carbono e matéria orgânica .

Esse conteúdo excitou os cientistas, mas os problemas orçamentários da Nasa atrapalharam as pesquisas, só retomadas no início deste século. Em 2004, dois meses antes de a ESA lançar a Rosetta, a Nasa mandou ao espaço a sonda Stardust, que voou através da coma (a tênue atmosfera) do cometa Wild 2 e colheu poeira da sua cauda, enviada numa cápsula que pousou em janeiro de 2006 em Utah, nos EUA. No material coletado havia alumíos cometas são restos da gênese do Sistema Solar, há 4,6 bilhões de anos.  As asas são colocadas em posição vertical para permitir a descida. t e c n o l o g i a nio e titânio, elementos que só poderiam ter provindo do centro do disco que originou o Sistema Solar. “Assumia-se até então que a poeira vinha de outras estrelas e supernovas”, diz Don Brownlee, professor de astronomia da Universidade de Washington e líder dos pesquisadores da Stardust. 

A sonda Deep Impact, lançada em janeiro de 2005, aproximou-se do cometa Tempel e disparou contra ele um projétil de cobre de 370 kg. O impacto levantou várias toneladas de água, gelo e poeira e criou uma cratera de 90 metros de largura. Assim como a Giotto, a Deep Impact mostrou que o seu objeto de estudo continha bem mais poeira do que gelo – outra surpresa em relação ao que os  cientistas supunham. A poeira revelou outra novidade: em vez da imaginada espessura de areia, era fina como talco. 

A observação detalhada de vários cometas mostra que há um bom número de diferenças entre esses corpos. “Quanto mais estudamos os cometas de perto, mais variedade encontramos”, diz A’Hearn. 

Pente-fino

A Rosetta pretende passar um pente-fino no 67P, e para isso leva uma sofisticada aparelhagem. Ela conta, por exemplo, com Alice, um espectrômetro de imagens ultravioleta que medirá os níveis de gás no cometa, Osíris, uma câmera que obterá imagens em alta resolução, um aparelho que examinará o interior do 67P usando ondas de rádio (não se sabe se os cometas são sólidos ou têm buracos) e um instrumento que medirá o halo de poeira. Outro aparelho estudará a interação do cometa com o vento solar. 

Mas a parte mais importante da missão cabe ao Philae. Seu principal objetivo será encontrar traços de água primordial, procurando isótopos de hidrogênio. Como em seus primeiros dias a Terra era tão quente que sua água evaporaria no espaço, a maioria dos pesquisadores acredita que o líquido hoje existente aqui veio depois, trazido mais provavelmente por cometas. 

O acúmulo de informações sobre esses corpos tornou possível testar a hipótese. A água terrestre tem em seus isótopos de hidrogênio uma “impressão digital”: a proporção de deutério (versão mais pesada do hidrogênio, com um nêutron no núcleo) para hidrogênio é de 1,56 parte por 10.000. Por enquanto, as medições feitas em seis cometas produziram proporções superiores ao dobro desse índice. 

O Philae perfurará a superfície do 67P para colher amostras para um espectrômetro de massa, que medirá os isótopos de hidrogênio. Se a proporção for diferente da observada aqui, enfraquecerá a hipótese da “origem cometária” da água terrestre. Ganharia força, então, a ideia de que nossa água teria sido trazida por asteroides – que não têm gelo, mas possuem minerais com a química adequada para produzi-la. “É tecnicamente possível, mas ainda acredito que foi o gelo dos cometas que proporcionou aquela água”, acredita A’Hearn. 

A crença está apoiada numa pesquisa recente. Em 2013, dados do cometa 103P/Hartley 2 obtidos pelo telescópio Herschel, da ESA, revelaram que a proporção deutério/ hidrogênio no seu gelo é exatamente a mesma encontrada na água terrestre. Esse cometa vem do Cinturão de Kuiper, além da órbita de Netuno, entre 5 bilhões e 8 bilhões de quilômetros do Sol. Os seis cometas observados previamente vieram da Nuvem de Oort, a quase 10 trilhões de quilômetros do Sol. 

É possível, assim, que a água terrestre tenha se originado de cometas do Cinturão de Kuiper – e o 67P também venha de lá. Por isso, as informações sobre os seus isótopos de hidrogênio são ansiosamente aguardadas, assim como as ligadas a aminoácidos e outras substâncias químicas complexas. Espectrômetros de massa instalados na Rosetta e no Philae analisarão os gases e a poeira do cometa em busca de sinais desses materiais. “Já detectamos um aminoácido, a glicina, no cometa Wild2”, diz A’Hearn. “Encontrar muitos mais no cometa 67P terá implicações muito claras.” 

A hipótese aventada, no caso, está ligada às várias evidências recolhidas de que os aminoácidos se formam em áreas do espaço interestelar bombardeadas pela radiação. Os cometas, assim, “varreriam” essas substâncias no seu trânsito e as despejariam sobre os planetas, dando início à vida. “Se a possibilidade de vida extraterrestre empolga você, essa seria uma notícia muito boa”, instiga A’Hearn. 

 

Veja a imagem do Cometa Gigante