Rapidez, mobilidade e sustentabilidade são termos dificilmente associados à construção civil. Mas se aplicam perfeitamente a residências, plantões de venda, lojas e hotéis feitos de contêineres usados originalmente no transporte marítimo. Os grandes caixotes de metal vêm comprovando sua versatilidade pelo mundo afora e marcando tendência no mercado imobiliário. Mas os brasileiros ainda veem essa alternativa com desconfiança.

Para Livia Ferraro, especializada em arquitetura de contêiner e autora do projeto de sobrado de veraneio que abre esta reportagem, a maior limitação para o uso dos contêineres na construção civil no país é a resistência dos brasileiros. Grande parte dessa antipatia tem origem na péssima experiência com as famosas “escolas de lata” – como ficaram conhecidas as unidades da rede pública de ensino de São Paulo, feitas de contêineres nos anos 1990. Como essas obras não receberam o revestimento termoacústico devido, as classes eram quentes no calor, frias no inverno e sempre barulhentas.

Além de reciclar materiais em desuso, já é hora de reciclar velhos conceitos também. “Esses projetos das escolas poderiam ter sido bem legais, mas foram mal conduzidos e deixaram um forte ranço na memória dos brasileiros”, comenta André Krai, inventor e diretor da Container Ecology Store. Sua rede franqueada de lojas de roupa e acessórios já soma 63 unidades por todo o Brasil e duas na Europa. A empresa também cria estabelecimentos em contêiner para outras marcas, entre as quais estão Coca-Cola, Claro, Temakeria Tokiomaki, Triton e Pocket Beauty. “As pessoas ficam surpresas porque não acreditam que estão dentro de um contêiner”, comenta Krai.

Apesar de o executivo destacar que a companhia não é uma restauradora de contêineres, mas sim uma “fábrica de ideias, onde tudo é transformado em negócios”, todos os seus projetos estão ligados aos caixotes de aço. Além do segmento de lojas, a organização também atua no mercado hoteleiro e ensaia os primeiros passos no residencial. Estão em fase de projeto dois hotéis de contêiner, em Novo Hamburgo (RS), com 80 a 120 quartos, com previsão para inaugurar em 2014.

Já por meio da empresa Box Container, Krai espera vender casas com valores entre R$ 1 mil e R$ 2 mil o metro quadrado, dependendo do acabamento escolhido. O empresário promete a entrega para até dois meses, com molde específico ou customizado, de 30 a 500 metros quadrados. “O objetivo é atender a quem tem pressa, com tecnologia sustentável.”

Prós

Há uma lista de vantagens para alavancar o negócio: prazo curto de obras, orçamento regrado, durabilidade e portabilidade. A construção pode, por exemplo, mudar de endereço com os donos. Mas o mais importante é a sustentabilidade: o modelo reaproveita grandes estruturas de aço que já tinham perdido sua função original e ficavam encalhadas nas proximidades de portos. Também evita enorme desperdício de material e água, comuns em obras de tijolo e concreto. O empresário ainda destaca que os contêineres suportam terremoto sem desmoronar e boiam em caso de tsunami e enchentes.

Outra atração é o valor do metro quadrado não estar sujeito à especulação imobiliária, uma vez que não tem endereço fixo. As obras são realizadas em galpões e os contêineres são levados de caminhão ao seu destino, onde são finalizados. Por isso o impacto ambiental de uma construção é bem menor que de uma obra convencional. Não é precisperfurar o solo para fazer a fundação. Uma acomodação mais simples do solo é suficiente para suportar o peso.

Menos pesado, mas não menos resistente, os contêineres são compostos de vigas rígidas e podem ser recortados nas laterais. Seu tamanho limitado – cerca de 30 metros quadrados – pode ser multiplicado se paredes intermediárias forem retiradas. Se nada for recortado nas laterais maiores, é possível empilhar até mesmo dez contêineres.

A diferença no tempo de execução da obra e a previsibilidade dos gastos são inquestionáveis. Livia calcula que uma obra de cinco meses em alvenaria não levaria 45 dias se fosse feita em contêiner. “Quase não lidamos com mão de obra desqualificada, porque a equipe é treinada para trabalhar nesse tipo de projeto. O que se traduz em menos dor de cabeça para o cliente que não sofre com desperdícios e não tem surpresas no orçamento”, garante.

A manutenção, por sua vez, também promete praticidade: basta reforçar o tratamento anticorrosivo e a pintura a cada dois anos, mais ou menos. Se for bem cuidada, uma construção de contêiner pode ser útil durante gerações.

Contras

Orçamento regrado, entretanto, não quer dizer que tudo sairá mais barato. Depende muito do acabamento, que pode ser o mesmo de qualquer imóvel de alvenaria – piso, azulejos, decoração, deque, tinta, etc. A escolha do próprio contêiner também pesa.

No modelo de contêiner Reefer, usado para transporte de produtos congelados, o isolamento já está garantido; em contrapartida, custa mais caro. Já no modelo Dry as paredes são simples, o que dá liberdade para usar o material isolante da preferência do cliente, mas pode incomodar os que não gostam de paredes onduladas e induzir a um pouco mais de gastos com o revestimento delas.

Entre as desvantagens do modelo de construção está a limitação de grandes vãos abertos e as trepidações causadas por caminhões ao passar pela rua. “Mas já existe tecnologia para amortizar a trepidação”, rebate Krai. Outros problemas para a adoção dos contêineres advêm da situação econômica e da burocracia brasileiras, não do produto em si. Com as exportações em alta somadas ao crescimento – ainda tímido – do interesse por imóveis de contêiner, a demanda por peças vazias está maior. Resultado: os contêineres usados estão em falta no mercado, o que encarece o produto.

“A demanda por contêineres aumentou mais de 50% nos últimos três anos, consequentemente os preços e a burocracia também. A fiscalização para nacionalizá-los – uma vez que são produzidos na China – e liberar a saída dos portos está mais rígida. A papelada é bem maior e é preciso pagar taxas”, comenta Livia. Depois de sair do porto, o custo do projeto pode aumentar consideravelmente de acordo com a distância ao local onde será instalado. “Se for muito longe, o projeto não se justifica em questão de sustentabilidade”, destaca a arquiteta.

Ao contrário do que se imagina, a arquitetura modular das caixas de metal não é limitante. Mas, se o projeto envolver muitos contêineres interligados, a mobilidade das construções fica comprometida. “Trabalhar com contêineres é como brincar de Lego”, define Livia, que escolheu o modelo por não aceitar as práticas tradicionais da construção civil, que consomem muita água e geram caçambas e mais caçambas de entulho. “Os contêineres proporcionam uma verdadeira função à arquitetura e ajudam na mobilidade humana”, afirma Krai.