Descobertas feitas em escavações no posto avançado de Quilcapampa, no sul do Peru, sugerem que os líderes do estado huari usavam drogas e cerveja em eventos comunitários para consolidar o controle social e reforçar relacionamentos. O estudo a esse respeito foi publicado na revista Antiquity.

O Império Huari (também denominado Império Wari) surgiu no planalto central peruano por volta de 500 d.C. Os huaris tornaram-se dominantes em grande parte do território das culturas anteriores mochica e depois chimu. No entanto, séculos de seca levaram seu estado ao colapso, por volta de 1200 d.C.

Durante o século 9, colonos huaris fundaram o posto de Quilcapampa no Vale de Sihuas. Arqueólogos do Museu Real de Ontário (Canadá) descobriram ali mais de um milhão de restos botânicos. Sua análise arqueobotânica revelou que a chicha, uma bebida alcoólica parecida com a cerveja, foi fabricada a partir da aroeira-salso (também conhecida como aroeira-salsa ou aroeira-mole) em grandes quantidades no local.

Sítio de escavação em Quilcapampa. Crédito: Antiquity
Longa história de uso

A produção e o consumo de chicha provavelmente têm relação com festas realizadas perto do fim da ocupação de Quilcapampa. Os pesquisadores também descobriram sementes da árvore alucinógena Anadenanthera colubrina, ou vilca (no Brasil, angico-branco), sugerindo que a droga alucinógena foi adicionada à cerveja para aumentar os efeitos psicoativos de ambas.

A vilca tem uma longa história de uso na América do Sul. Há evidências de seu uso em um cachimbo de 4 mil anos encontrado em Inca Cueva (Argentina) e em Tiahuanaco, onde a droga era inalada como rapé.

O principal constituinte ativo da vilca é a bufotenina (5-MeO-DMT). Em um grau muito menor, encontra-se ali dimetiltriptamina (DMT). A bufotenina é um derivado da triptamina relacionado ao neurotransmissor serotonina, que causa efeitos psicodélicos semelhantes ao LSD e à mescalina.

Como a DMT é decomposta pela monoamina oxidase (MAO) no estômago, a vilca ingerida oralmente não produz efeitos psicoativos. Mas as evidências de sementes de vilca misturadas com chicha levaram os arqueólogos a considerar que isso pode ter potencializado os efeitos psicodélicos dessas sementes.

Semente de vilca encontrada em Quicapampa. Crédito: M. Biwer/Antiquity
Estratégia de inclusão

A elite huari incorporou o alucinógeno em festas comunitárias para consolidar as relações sociais e destacar a hospitalidade estatal. Os pesquisadores sugerem que essa estratégia inclusiva pode ter sido importante para reforçar o controle político dos huaris. “Esses indivíduos foram capazes de oferecer banquetes psicotrópicos coletivos memoráveis, mas garantiram que não pudessem ser replicados independentemente”, escreveram os pesquisadores, observando que a dificuldade em obter e preparar vilca concederia às elites huaris que proporcionaram a bebida um status especial.

Esse parece ter sido um desenvolvimento chave para a política na região. O posterior Império Inca também seguiu o estilo comunitário huari de uso de drogas, embora preferisse o consumo em grupo de grandes quantidades de cerveja de milho em vez de vilca.

“A experiência psicotrópica resultante reforçou o poder do estado huari e representa um passo intermediário entre as estratégias políticas excludentes e corporativas”, escreveram os pesquisadores. A concessão de drogas a seus súditos daquela forma sugere que “os líderes huaris conseguiram legitimar e manter seu status elevado”, avaliaram eles.