Pesquisadores da Unesp desenvolveram a primeira cerveja Pilsen de baixo teor alcoólico e isotônica do Brasil. A bebida saudável e puro malte pode evitar a desidratação e repor nutrientes importantes para o corpo, permitindo que ela seja indicada para consumo durante a prática de exercícios físicos. Sem exigir aumento nos custos de produção, a nova cerveja tem outra vantagem em relação aos produtos isotônicos encontrados no mercado: ela contém substâncias antioxidantes naturais com potencial de retardar o envelhecimento das células. Mais de 120 litros da bebida já foram produzidos e, nos testes realizados com voluntários, a novidade teve a mesma aceitação de produtos já consolidados.

A nova bebida, que foi patenteada pela Agência Unesp de Inovação (AUIN), é simples, barata e viável de ser fabricada por qualquer cervejaria que tenha uma estrutura tradicional, sem a necessidade de investimentos extras. A cerveja saudável foi desenvolvida por Deborah Oliveira De Fusco, durante seu doutorado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFar) da Unesp, em Araraquara. Ela explica que os ingredientes da receita (malte, lúpulo, levedura, água, sódio e potássio) passam pelo mesmo processo de fabricação das cervejas alcoólicas, mas a diferença é que sua fermentação é interrompida no segundo dia após a adição das leveduras, o que controla o teor alcoólico, deixando-o em torno de 0,2%.

Amostra da cerveja produzida pelos cientistas da Unesp. Foto: Deborah Oliveira De Fusco

Caracterização como bebida isotônica

Para que a bebida também fosse caracterizada como isotônica, em atendimento à resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os cientistas adicionaram sódio e potássio ao final do processo de maturação. Com isso, segundo os especialistas, a bebida também pode ser indicada para atividades físicas que duram mais de uma hora, já que nesses casos tomar apenas água já não é mais suficiente para hidratar o atleta, tornando necessária a suplementação.

“Muitos produtos isotônicos que estão no mercado contam com adição de várias substâncias artificiais, como corantes e conservantes, por exemplo. Pessoas que buscam um estilo de vida mais natural não querem consumir esse tipo de bebida”, lembra o professor Gustavo Henrique de Almeida Teixeira, docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, em Jaboticabal, e orientador do estudo que resultou na nova cerveja.

Vários testes, avaliações de qualidade e análises sensoriais foram desenvolvidos ao longo de quase quatro anos de pesquisa. Em uma dessas etapas, 115 voluntários, envolvendo desde consumidores de cerveja até possíveis compradores do produto, participaram dos testes sensoriais. Sem contato entre os participantes, as avaliações foram realizadas em ambientes controlados e isolados. Além da cerveja produzida na Unesp, os provadores beberam outras duas cervejas sem álcool das marcas mais vendidas no estado de São Paulo e, após as degustações, anotaram suas opiniões em formulários. Foram avaliados tanto os aspectos visuais quanto os de sabor.

“O resultado da análise sensorial foi extremamente satisfatório, pois os consumidores não mostraram preferência por nenhuma das bebidas, indicando que nós atingimos um bom nível de aceitação de sabor”, ressalta o professor Gustavo.

Imagem mostra a preparação de fermento para a produção da cerveja. Foto: Deborah Oliveira De Fusco

Adição de sais sem prejuízo do sabor

Os testes também revelaram que a adição de sódio e potássio na fórmula da bebida não influenciou o paladar dos voluntários. “A Pilsen já é uma cerveja que o brasileiro aceita e conhece muito bem, porém os integrantes dos testes não identificaram que uma daquelas cervejas era isotônica. Então, a adição dos sais não prejudicou o sabor, o que foi um grande desafio, já que quanto menos álcool a cerveja tem, maior é a dificuldade de torná-la saborosa”, comemora Deborah.

Dentre os muitos segmentos da indústria cervejeira, o mercado da bebida “sem álcool” tem crescido nos últimos anos, principalmente devido às restrições estabelecidas pelas leis de trânsito e à busca por um estilo de vida mais saudável. Deborah, que fez parte de sua pesquisa na Itália, conta que o consumo de cerveja sem álcool vem aumentando na Europa e nos Estados Unidos e isso também vem ocorrendo no Brasil.

“Na Europa, por exemplo, é comum atletas terem o hábito de tomar cerveja sem álcool depois da prática de atividades físicas. Existem vários produtos deste tipo. As pessoas estão mais conscientes do risco do álcool e buscando um estilo de vida saudável. Em países como a Espanha e os Estados Unidos, o segmento já é reconhecido e consolidado, representando até 18% do mercado total de cerveja. Entre 2011 e 2016, houve crescimento de 20% nesse mercado mundial e há previsão de que este ano cresça mais 24%”, relata a pesquisadora.

Financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o desenvolvimento da inovação contou com o apoio do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp, em São José do Rio Preto, e da Faculdade de Tecnologia de Jaboticabal. Agora, os pesquisadores buscam empresas interessadas na produção da cerveja em larga escala. “Há muitas dificuldades, mas acreditamos que seja possível. A qualidade do segmento de cerveja sem álcool no Brasil vem melhorando”, afirma o professor Gustavo. “Temos condições de desenvolver dentro do país uma cerveja de baixo teor alcoólico e isotônica de qualidade, sem precisar adaptar nenhum tipo de instalação”, conclui a pesquisadora.

Legislação

No Brasil, desde 2016 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proibiu que cervejas denominadas “sem álcool” sejam rotuladas nestes termos, já que elas podem conter até 0,5% de teor alcoólico. A justiça considerou que o consumidor estaria sendo enganado e a denominação poderia colocar em risco pessoas que tomam medicamentos e não podem consumir esse tipo de bebida.