O geólogo planetário Joe Levy, professor assistente de geologia na Universidade Colgate (EUA), desenvolveu uma análise inovadora que explica peculiaridades das misteriosas geleiras de Marte. Um artigo sobre esse estudo, escrito com colegas da Universidade Colgate, da Nasa, da Universidade do Arizona, da Universidade Estadual de Fitchburg e da Universidade do Texas em Austin, foi publicado na revista “Proceedings of the National Academies of Sciences (PNAS)”.

Na Terra, as geleiras cobriram amplas faixas do planeta durante a última Idade do Gelo, que atingiu seu pico há cerca de 20 mil anos, antes de recuar para os polos e deixar para trás as rochas empurradas. Em Marte, no entanto, as geleiras nunca recuaram. Elas permaneceram congeladas na superfície fria do Planeta Vermelho por mais de 300 milhões de anos, cobertas de escombros.

“Todas as rochas e areia carregadas naquele gelo permaneceram na superfície”, diz Levy. “É como colocar gelo em um refrigerador sob todos aqueles sedimentos.”

Esforço de contagem

Os geólogos, no entanto, não conseguiram dizer se todas essas geleiras se formaram durante uma enorme Idade do Gelo marciana ou em vários eventos separados ao longo de milhões de anos. Uma vez que as eras glaciais resultam de uma mudança na inclinação do eixo de um planeta (conhecida como obliquidade), responder a essa pergunta poderia dizer aos cientistas como a órbita e o clima de Marte mudaram ao longo do tempo, bem como que tipos de rochas, gases ou mesmo micróbios podem estar presos no gelo.

Imagem de uma geleira em Marte mostra a abundância de rochas dentro do gelo. As descobertas de Levy e seus colegas apontam para múltiplos ciclos de acumulação de gelo e avanço ao longo dos últimos 300-800 milhões de anos, estendendo as evidências das mudanças climáticas em Marte além da janela de 20 milhões de anos fornecida pela modelagem numérica. Crédito: Joe Levy/Universidade Colgate

“Existem modelos realmente bons para os parâmetros orbitais de Marte nos últimos 20 milhões de anos”, diz Levy. “Depois disso, os modelos tendem a ficar caóticos.”

Levy elaborou um plano para examinar as rochas na superfície das geleiras como um experimento natural. Uma vez que elas presumivelmente sofrem erosão com o tempo, uma progressão constante de rochas maiores para menores descendo a colina apontaria para um único e longo evento da era do gelo.

Levy escolheu 45 geleiras para examinar. Em seguida, adquiriu imagens de alta resolução coletadas pelo satélite Mars Reconnaissance Orbiter e começou a contar o tamanho e o número de rochas. Com uma resolução de 25 centímetros por pixel, “você pode ver coisas do tamanho de uma mesa de jantar”, diz Levy.

Diversas eras glaciais

Mesmo com essa ampliação, entretanto, a inteligência artificial não podia determinar com precisão o que é ou não uma rocha em superfícies ásperas de geleira. Então, Levy pediu a ajuda de 10 alunos da Universidade Colgate durante dois verões para contar e medir cerca de 60 mil grandes rochas. “Fizemos uma espécie de trabalho de campo virtual, subindo e descendo essas geleiras e mapeando as rochas”, diz Levy.

Levy inicialmente entrou em pânico quando, longe de ser uma progressão ordenada de rochas por tamanho, os tamanhos das rochas pareciam estar distribuídos aleatoriamente. “Na verdade, as pedras estavam nos contando uma história diferente”, diz Levy. “Não era o tamanho delas que importava; era como elas eram agrupadas ou aglomeradas.”

Já que as rochas viajavam dentro das geleiras, não estavam sofrendo erosão, ele percebeu. Ao mesmo tempo, elas foram distribuídas em faixas claras de detritos pelas superfícies das geleiras, marcando o limite de fluxos separados e distintos de gelo, formados quando Marte oscilou em seu eixo.

Com base nesses dados, Levy concluiu que Marte passou por algo entre seis e 20 eras glaciais separadas durante os últimos 300 milhões a 800 milhões de anos.

Implicações para missões futuras

“Este artigo é a primeira evidência geológica do que a órbita e a obliquidade de Marte podem ter feito por centenas de milhões de anos”, disse Levy. A descoberta de que as geleiras se formaram ao longo do tempo tem implicações para a geologia planetária e até para a exploração espacial, explica ele. “Essas geleiras são pequenas cápsulas do tempo, capturando instantâneos do que estava soprando na atmosfera marciana”, diz ele. “Agora sabemos que temos acesso a centenas de milhões de anos de história marciana sem ter de perfurar profundamente a crosta. Podemos apenas fazer uma caminhada ao longo da superfície.”

Essa história inclui quaisquer sinais de vida potencialmente presentes no passado distante de Marte. “Se houver biomarcadores soprando, eles também ficarão presos no gelo.” Ao mesmo tempo, futuros exploradores de Marte que precisem depender da extração de água doce das geleiras para sobreviver precisarão saber que pode haver faixas de rochas dentro delas que tornarão a perfuração perigosa.

Levy e seus colegas estão agora no processo de mapear o resto das geleiras na superfície de Marte. Eles esperam que, com os dados de que dispõem, a inteligência artificial possa ser treinada para assumir o trabalho árduo de identificar e contar pedras. Isso nos trará um passo mais perto de uma história planetária completa do Planeta Vermelho – incluindo a velha questão de se Marte poderia ter sustentado vida.

“Há muito trabalho a ser feito para descobrir os detalhes da história do clima marciano”, diz Levy, “incluindo quando e onde estava quente e úmido o suficiente para haver salmouras e água líquida”.