Vestígios de um gás encontrado em meio às nuvens de Vênus podem ser emanações de organismos aéreos. Seria um tipo de vida microbiana – mas não como as conhecidas na Terra, informam os jornais “The New York Times” e “The Guardian” e o site BBC News. A descoberta foi apresentada em artigo na revista “Nature Astronomy”.

Astrônomos detectaram fosfina (hidreto de fósforo, cuja fórmula é PH3) 50 quilômetros acima do solo do planeta. Excluída a hipótese de vida orgânica, eles não têm outras explicações para o fenômeno. Os cientistas especulam que essa fosfina seria uma manifestação do passado favorável à vida de Vênus, que depois entrou num processo de aquecimento global responsável por torná-lo um planeta infernal sob o ponto de vista terrestre.

Durante 2 bilhões de anos, Vênus foi temperado e abrigou um oceano. Hoje, porém, uma densa atmosfera de dióxido de carbono cobre sua superfície. Lá quase não existe água, e suas temperaturas chegam a 465 °C. As nuvens no céu não aliviam em nada esse ambiente: elas são constituídas basicamente de ácido sulfúrico.

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“É completamente surpreendente dizer que a vida poderia sobreviver cercada por tanto ácido sulfúrico”, disse a professora Jane Greaves, astrônoma da Universidade de Cardiff (Reino Unido), líder da equipe responsável pela descoberta. “Mas todas as rotas geológicas e fotoquímicas que podemos imaginar são muito subprodutivas para produzir a fosfina que vemos.”

Teste de busca de vida

Na Terra, a fosfina é liberada por micróbios em ambientes carentes de oxigênio, como sedimentos de lagos e vísceras de pinguins e outros animais. Outras vias de produção são tão extremas – as complexas atmosferas de Júpiter e Saturno – que, em planetas rochosos, a fosfina é considerada um marcador de vida.

Greaves usou Vênus como um teste de busca de vida fora da Terra usando em 2017 o telescópio James Clerk Maxwell, no Havaí, e, em 2019, o telescópio ALMA, no Chile. Ambos revelaram a assinatura da fosfina na parte superior das nuvens de Vênus.

Segundo as observações da equipe, há traços de fosfina – cerca de 20 moléculas por bilhão – a pelo menos 50 km de altura a partir do solo venusiano. A maior parte do gás aparece nas latitudes médias; nada foi detectado nos polos.

Os pesquisadores ressaltam que vulcões, raios e micrometeoritos criariam muito pouca fosfina. “As taxas de produção são tão pequenas, e as taxas de destruição tão grandes, que você teria 1.000 vezes menos do que isso”, disse o astroquímico Paul Rimmer, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), um dos coautores do estudo. Pensando em termos orgânicos, por outro lado, os cientistas observam que, para gerar a quantidade de fosfina observada, os micróbios da Terra precisariam trabalhar com apenas 10% de sua produtividade máxima.

Novas pesquisas a caminho

A descoberta foi definida como “incompreensível” por Sara Seager, cientista planetária do MIT (EUA) e coautora do estudo. Ela levanta a hipótese de um ciclo de vida para os micróbios venusianos, que “chovem”, “secam” e são levados de volta a altitudes mais temperadas por correntes na atmosfera.

Já para Charles Cockell, astrobiólogo da Universidade de Edimburgo (Reino Unido) que não fez parte do estudo, a detecção de fosfina na atmosfera venusiana põe em debate a aceitação da fosfina como biomarcador. “Uma explicação biológica deve ser sempre a explicação de último recurso e há boas razões para pensar que as nuvens venusianas estão mortas”, afirmou ele. “As concentrações de ácido sulfúrico nessas nuvens são mais extremas do que qualquer habitat conhecido na Terra.”

Para o astrobiólogo Lewis Dartnell, da Universidade de Westminster (Reino Unido), Marte ou luas de Júpiter e Saturno são lugares com tendência maior ​​de se encontrar vida do que Vênus. “Se a vida pode sobreviver nas camadas superiores das nuvens de Vênus, isso é muito esclarecedor, porque significa que talvez a vida seja muito comum em nossa galáxia como um todo”, ele afirmou. “Talvez a vida não precise de planetas muito parecidos com a Terra e possa sobreviver em outros planetas infernais como Vênus na Via Láctea.”

“Esta é uma grande oportunidade para observações posteriores de telescópios baseados na Terra e, idealmente, para examinar essas gotículas na atmosfera venusiana com uma sonda de balão navegando pelas nuvens ácidas”, acrescentou Dartnell. A Nasa programa para a próxima década uma missão a Vênus que poderá aprofundar essa pesquisa.