Há muito tempo, uma enorme explosão de raios gama liberou mais energia em meio segundo do que o Sol produziria durante sua vida inteira de 10 bilhões de anos. Em maio de 2020, essa luz intensa finalmente chegou à Terra e foi detectada pela primeira vez pelo Observatório Neil Gehrels Swift, da Nasa. Os cientistas rapidamente recrutaram outros telescópios – incluindo o telescópio espacial Hubble, da Nasa/ESA, o observatório de rádio Very Large Array (VLA), o Observatório WM Keck e a rede de telescópios globais do Observatório Las Cumbres – para estudar as consequências da explosão e a galáxia hospedeira. Foi o Hubble que deu a surpresa.

Com base em observações de raios X e rádio de outros observatórios, os astrônomos ficaram perplexos com o que viram com o Hubble: a emissão de infravermelho próximo foi 10 vezes mais brilhante do que o previsto. Esses resultados desafiam as teorias convencionais sobre o que acontece depois de uma curta explosão de raios gama. Uma possibilidade é que as observações apontem para o nascimento de uma estrela de nêutrons massiva e altamente magnetizada chamada magnetar.

As descobertas da equipe aparecem na revista “The Astrophysical Journal”.

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Esta imagem mostra o brilho de uma kilonova causado pela fusão de duas estrelas de nêutrons. A kilonova aparece como um ponto brilhante (indicado pela seta) no canto superior esquerdo da galáxia hospedeira. Acredita-se que a fusão das estrelas de nêutrons produziu um magnetar, cuja energia iluminou o material ejetado da explosão. Créditos: Nasa/ESA/W. Fong (Northwestern University)/ T. Laskar (Universidade de Bath)
Peça que  não encaixa

“Essas observações não se encaixam nas explicações tradicionais para rajadas curtas de raios gama”, disse a líder do estudo Wen-fai Fong, da Northwestern University (EUA). “Dado o que sabemos sobre o rádio e os raios X dessa explosão, a coisa simplesmente não se encaixa. A emissão de infravermelho próximo que encontramos com o Hubble é muito brilhante. Em termos de tentar encaixar as peças do quebra-cabeça dessa explosão de raios gama, uma peça do quebra-cabeça não está se encaixando corretamente.”

Sem o Hubble, a explosão de raios gama teria aparecido como muitas outras, e Fong e sua equipe não teriam sabido sobre o comportamento estranho do infravermelho. “É incrível para mim que, depois de 10 anos estudando o mesmo tipo de fenômeno, possamos descobrir um comportamento sem precedentes como esse”, disse Fong. “Isso apenas revela a diversidade de explosões que o universo é capaz de produzir, o que é muito emocionante.”

Luz fantástica

Os intensos flashes de raios gama dessas explosões parecem vir de jatos de material que se movem muito perto da velocidade da luz. Os jatos não contêm muita massa (talvez um milionésimo da massa do Sol). Como se movem muito rápido, porém, eles liberam uma quantidade enorme de energia em todos os comprimentos de onda da luz. Essa explosão de raios gama em particular foi um dos raros casos em que os cientistas conseguiram detectar luz em todo o espectro eletromagnético.

“Conforme os dados chegavam, estávamos formando uma imagem do mecanismo que estava produzindo a luz que estávamos vendo”, disse o coinvestigador do estudo, Tanmoy Laskar, da Universidade de Bath (Reino Unido). “Conforme obtivemos as observações do Hubble, tivemos de mudar completamente nosso processo de pensamento, porque as informações que o Hubble adicionou nos fizeram perceber que tínhamos de descartar nosso pensamento convencional e que havia um novo fenômeno acontecendo. Então, tivemos de descobrir o que isso significava para a física por trás dessas explosões extremamente energéticas.”

Sequência de formação de uma kilonova movida a magnetar, cujo brilho máximo chega a 10 mil vezes o de uma nova clássica. 1) Duas estrelas de nêutrons em órbita se aproximam cada vez mais. 2) Elas colidem e se fundem, desencadeando uma explosão que libera mais energia em meio segundo do que o Sol produziria ao longo de sua vida de 10 bilhões de anos. 3) A fusão forma uma estrela de nêutrons ainda mais massiva, chamada magnetar, que possui um campo magnético extraordinariamente poderoso. 4) O magnetar deposita energia no material ejetado, fazendo com que ele brilhe inesperadamente em comprimentos de onda infravermelhos. Créditos: Nasa/ESA/ D. Player (STScI)
Duas classes

Explosões de raios gama – os eventos mais enérgicos e explosivos conhecidos – têm um período de vida curto e intenso. Elas são divididas em duas classes com base na duração de seus raios gama.

Se a emissão de raios gama for maior que dois segundos, é chamada de explosão longa de raios gama. Esse evento é conhecido por resultar diretamente do colapso do núcleo de uma estrela massiva. Os cientistas esperam que uma supernova acompanhe esse tipo de explosão mais longa.

Se a emissão de raios gama dura menos de dois segundos, é considerada uma explosão curta. Acredita-se que isso seja causado pela fusão de duas estrelas de nêutrons, objetos com uma densidade comparável à massa do Sol comprimida no volume de uma cidade. Uma estrela de nêutrons é tão densa que, na Terra, uma colher de chá pesaria 1 bilhão de toneladas. Acredita-se geralmente que a fusão de duas estrelas de nêutrons produz um buraco negro.

As fusões de estrelas de nêutrons são muito raras, mas extremamente importantes porque os cientistas pensam que elas são uma das principais fontes de elementos pesados ​​no universo, como ouro e urânio.

Acompanhando uma curta explosão de raios gama, os cientistas esperam ver uma kilonova, cujo brilho máximo atinge normalmente 1.000 vezes o de uma nova clássica. Kilonovas são um brilho óptico e infravermelho da decadência radiativa de elementos pesados. Elas são exclusivas da fusão de duas estrelas de nêutrons, ou da fusão de uma estrela de nêutrons com um pequeno buraco negro.

Monstro magnético?

Fong e sua equipe discutiram várias possibilidades para explicar o brilho incomum que o Hubble viu. Embora a maioria das explosões de raios gama provavelmente resulte em um buraco negro, as duas estrelas de nêutrons que se fundiram nesse caso podem ter se combinado para formar um magnetar, uma estrela de nêutrons supermassiva com um campo magnético muito poderoso.

“Basicamente, você tem essas linhas de campo magnético ancoradas na estrela que estão girando cerca de mil vezes por segundo e isso produz um vento magnetizado”, explicou Laskar. “Essas linhas de campo giratórias extraem a energia rotacional da estrela de nêutrons formada na fusão e depositam essa energia no material ejetado da explosão, fazendo com que o material brilhe ainda mais.”

Se o brilho extra veio de um magnetar que depositou energia no material da kilonova, então, dentro de alguns anos, a equipe espera que o material ejetado da explosão produza luz que aparece em comprimentos de onda de rádio. Observações de rádio de acompanhamento podem, em última análise, provar que se tratava de um magnetar, e isso pode explicar a origem de tais objetos.

Novas possibilidades

O próximo observatório James Webb Space Telescope (JWST), da Nasa,  é particularmente adequado para este tipo de observação. “O Webb revolucionará completamente o estudo de eventos semelhantes”, disse Edo Berger, da Universidade Harvard (EUA), principal investigador do programa Hubble. “Com sua incrível sensibilidade ao infravermelho, ele não apenas detectará tal emissão em distâncias ainda maiores, mas também fornecerá informações espectroscópicas detalhadas que resolverão a natureza da emissão infravermelha.”

Essas duas imagens tiradas em 26 de maio e 16 de julho de 2020, mostram a luz fraca de uma kilonova localizada em uma galáxia distante. A kilonova aparece como um ponto no canto superior esquerdo da galáxia hospedeira. O brilho é proeminente na imagem de 26 de maio, mas desaparece na imagem de 16 de julho. O brilho máximo da kilonova atinge até 10 mil vezes o de uma nova clássica. Acredita-se que a fusão de duas estrelas de nêutrons – a fonte da kilonova – produziu um magnetar, que possui um campo magnético extremamente poderoso. A energia daquele magnetar iluminou o material ejetado da explosão, tornando-o excepcionalmente brilhante em comprimentos de onda de luz infravermelha. Créditos: Nasa/ESA/W. Fong (Northwestern University)/T. Laskar (Universidade de Bath)/ A. Pagan (STScI)